Acordos

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02 de maio 2016

Hoje se acabaram os noventa dias de meu afastamento. Embora minha mãe quisesse que eu fosse ao médico e pegasse mais um atestado, me afastando por mais dias, eu decidi ir direto para o trabalho e pedir minha demissão. Sei que por lei, a empresa está impedida de me demitir, porque receiam que eu vá entrar com um processo trabalhista. E tudo o que quero é me ver livre do olhar de pena, desconfiança e debocha das pessoas.

— Alê, venha tomar seu café – gritou minha mãe lá de baixo.

Desci rapidamente e tentando falar o menos possível. Meus pais agora tomavam café da manhã juntos novamente. Parece que a bebê realmente uniu os dois e todas as coisas passadas foram esquecidas. Eu achava bizarro minha mãe falar com a bebê, como se ela fosse a primeira filha dela, deram o nome dela de Ana Fernanda, mas chamavam ela apenas de Fê ou Nandinha.

— A Nandinha quer um beijo do mano mais velho – disse minha mãe com a Ana no colo e estendo-a em minha direção para eu beijá-la, fiz cara de poucos amigos para minha mãe, mas beijei a bebê, ela não tinha nada a ver com as loucuras da família.

— Ainda acho que você deveria ir ao médio e fazer um exame para verificar se pode voltar a trabalhar.

— Mãe, já falei que vou pedir demissão. Então não preciso de mais um tempo de afastamento.

— Pedir demissão? – meu pai falou surpreso – Você acha mesmo que pode se dar esse luxo? Devo...

— Não pai. Não deve me lembrar que nada aqui é meu e que nada é de graça. Arrumarei outro emprego logo, só não quero ficar neste emprego.

— Melhor assim – ele respondeu.

— Carlos Eduardo! – minha mãe esbravejou olhando feio para ele – Do jeito que você fala, até parece que a sua situação é diferente.

Dessa vez foi meu pai quem fechou a cara e saiu da cozinha com raiva. O que me fez ficar pensando no que minha mãe quis dizer com aquilo. Eu não sei muita coisa da minha família e só agora me dava conta. Meus pais jamais falavam de como se conheceram, do passado e infância deles, ou sobre como chegaram a se casar. Essas coisas que normalmente os pais contam aos filhos. Não sabia direito os motivos de meu pai não visitar a minha avó, ou dos meus avós paternos que pelo que sei, faleceram antes de eu nascer. Sempre que eu perguntava isso para um dos dois a resposta era a mesma. "É uma longa história e nenhuma dos dois tinha saco para contar"

Terminei meu café e segui para a filial centro. Entreguei minha carta de demissão no R.H. Pediram para que eu esperasse e me deram um chá de cadeira. Avisei para a menina do R.H que eu estava indo embora, que se tivesse alguma novidade, entrassem em contato e eu viria assinar a papelada. Três horas depois recebi uma mensagem dizendo para que eu comparecesse ao escritório. Assim o fiz.

Ao adentrar a sala, dei de cara com o Presidente da empresa, a Márcia e mais uma pessoa, a qual eu desconhecia.

— Sente-se, por favor – disse o presidente da empresa – Olha garoto, das duas uma, ou você é um prodígio ou a minha Ceo tem um caso com você. Sinceramente, se eu estivesse no seu lugar, não perderia essa oportunidade – ele falou rindo de orelha a orelha e me dando uma piscadela. Uma secretária olhou com cara de espanto e ele emendou — Eu sei, eu sei, isso pode ser considerado assédio. Me perdoe por isso, ok? Não vai me processar, vai, Márcia?

— Não senhor, sinto-me lisonjeada – respondeu rindo junto com ele, mas um pouco envergonhada, enquanto eu continuava calado.

— Olha só, vou ser direito com você meu rapaz. Recebemos sua carta de demissão e eu dei graças a Deus por isso, pois me pouparia de descobrir seus podres ou sabotá-lo para demiti-lo por justa causa. Afinal, seu descontrole me custou muito dinheiro. Além da vidraça, da própria maquete, tive prejuízo com o meu carro e perdemos pelos menos duas contas que não eram grandes, mas eram importantes para nós – nesse momento eu descobri que o carro atingido pela maquete era o do presidente da empresa.

Meu último dia de vida.Onde histórias criam vida. Descubra agora