Carta 1: solidão

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25 de março de 2015

Amados papai e mamãe, se estiverem lendo isso agora é porque de alguma maneira eu tomei coragem e os entregue esta carta. Duvido muito que isso vá acontecer, mas enfim, a Dra. Isabella me disse para escrever um diário e eu achei uma ideia estúpida. Agora, pensando melhor, escrever é uma forma de me comunicar com o outro, mas um diário não serve para nada se a pessoa que for ler não for outra além de mim, e eu já me conheço o suficiente, ou não, para saber que eu não suportaria ler minhas próprias lamúrias, espero que vocês suportem.

Hoje faz cinco dias desde a consulta e as coisas só pioraram desde então, claro que não é por causa da consulta, mas fico me perguntando se é mera coincidência.

Sabe, talvez vocês não consigam entender porque me tornei tão calado. Não que eu fosse um tagarela, mas eu estava longe de ser monossilábico como agora. Irei lhes explicar e, quem sabe, isso me ajude de alguma forma.

Vocês já sentiram solidão?

Não essa solidão no sentido romântico, de sentir falta de alguém para amar romanticamente. Digo, solidão mesmo, de sentir-se só mesmo rodeado de pessoas que amam você e as quais você também ama. Essa solidão que é silenciosa, surge de maneira sorrateira nos momentos mais felizes da sua vida e faz você se perguntar o que está acontecendo. Solidão que sussurra coisas em seus pensamentos e faz você sentir como se nada mais tivesse importância e, mesmo assim, você segue vivendo como se ela não estivesse lá, porque afinal, você é feliz, você tem seus sonhos, você tem sua família que lhe apoia. Pelo menos é o que você acredita.

Aos poucos essa solidão vai aumentando e você começa a duvidar que as pessoas realmente se importam com você. Começa a se perguntar e se...

Se eu sumisse as pessoas sentiriam minha falta ou rapidamente se esqueceriam de mim? Eu sei, o que diriam, pois consigo ouvir vocês me perguntando de maneira espantada, "O que é isso meu filho? Que conversa besta é essa? É claro que todos sentiríamos sua falta. Que tipo de pergunta é esta?"

Ainda assim esse sentimento de solidão vai lhe consumindo aos poucos até que que não reste mais dúvidas de que ninguém se importa e você passa a ser só. Não estou culpando vocês, mas acredito que o fato de eu nunca reclamar de nada, de sempre dizer que estava tudo bem, de nunca me meter em confusão e nem pedir por ajuda para nada, tem a ver com isso. Tudo isso fez com que me deixassem de lado nesse sentido e de nunca perguntarem verdadeiramente se eu estava bem, porque eu "sempre estava bem".

Aos poucos, percebi que se eu não contasse as minhas angustias para vocês, para os meus amigos, para qualquer pessoa que fosse, ninguém se importaria em perguntar. Ninguém sequer percebia que eu não estava bem, ou que eu estava com problemas. Nem eu mesmo percebia que eu estava com problemas. Até me sentir só.

Aqueles que eu julgava serem meus amigos sumiram aos poucos, bastou eu parar de lhes enviar mensagens ou ligar para lhes perguntar como foi o dia deles ou como eles estavam. Percebi que apenas eu alimentava essas relações, assim que as deixei de alimentar, elas morreram de inanição. Eu não tinha com quem dividir meus problemas, porque ninguém queria saber de verdade. Só ela, minha amada irmã, e ela se foi há exatos dois anos. A solidão que já era grande desde que ela havia saído de casa três anos antes, agora é gigante.

Eu nunca entendi direito o porquê a Fernanda ser sempre era prioridade, até o dia em que encontrei os papéis de adoção guardados na casa da vovó. Por que nunca me contaram? Medo de eu querer ir embora? De querer buscar minha família de biológica? De eu me sentir diferente?

Nunca tive coragem de perguntar a vocês sobre isso, na verdade perguntei de maneira indireta quando quis saber o motivo de não termos fotos minhas na maternidade.

Lembro-me até hoje da cara de vocês e da Fê olhando para todos e esperando a resposta. Ainda rio da história que a senhora contou, mamãe, dizendo que eu nasci num dia muito chuvoso e cheio de trovões, meu pai que tinha medo de trovões estava tão nervoso com o fato de eu estar para nascer e com todos os raios que caiam que não registrou nenhum momento do nascimento. Todos rimos com os detalhes da história, o desmaio na hora que nasci, a discussão da vovó Benedita que queria pôr meu nome de Anderson enquanto o papai queria Alex, até o vovô sugerir que colocássemos os dois e que o nome era para ser separado Alex Anderson, mas o moço do cartório digitou errado e depois não podia mais mudar. A questão para mim era que, eu sabia que estavam mentindo, sabia que a Fê também não sabia de nada.

A questão é que, agora eu sabia e o fato de não saber todo o resto, fez crescer em mim esse sentimento de que eu não era quem eu era, que minha história não era aquela, ou pelo menos não era de toda verdadeira. O papel que encontrei não pôde ser lido por completo, já que tive que devolver ao lugar onde encontrei, pois, a vovó estava entrando no quarto. Foi ali que nasceu essa solidão. Solidão que só cresceu com o tempo e eu fui sumindo, me tornando quase que invisível, como sou agora. Existo sem existir. Sou, sem ser. Estou, sem estar. Trago em mim todas as dores do mundo. É assim que me sinto.

Estou quebrado por fora e por dentro. Saber disso, dizer isso, escrever isso, não me alivia a dor que sinto, apenas faz com que eu me isole mais e mais. Sei que é um erro, mas não consigo evitar. Sei que se importam, sei que me perguntam todos os dias se estou bem e como me sinto, mas sei que estão mais quebrados do que eu. Estavam já antes da Fernanda ir embora, com tudo o que havia acontecido. Depois que ela saiu de casa tudo se transformou em monotonia, quando ela morreu, parece que os dois morreram também e foi como se eu tivesse morrido para vocês.

Acho que sou a própria solidão abraçando a mim mesmo e tentando me consolar sem saber como fazer isso. As lágrimas brotaram dos meus olhos agora, nem me lembro mais quando foi que eu realmente chorei diante de alguém. Afinal, eu precisava ser forte, mas ninguém consegue ser forte o tempo todo. Acabo de descobrir que isso não tem nada a ver com ser forte... Isso tem apenas a ver com solidão, quem se sente só não tem para quem chorar, então não chora, ainda que a dor seja intensa.

Por isso decidi ser aquele que não deixaria as pessoas se sentirem sós, sempre estou lá para dar uma palavra amiga, para encorajar a todos, para levantar os que parecem cair, para juntar o que está se quebrando. Falando aos outros o que eu mesmo queria ouvir e assim. Mas as pessoas se vão assim que tudo fica bem e eu... Eu fico só, mesmo no meio de uma multidão. Para mim, o céu está sempre encoberto e o dia sempre frio.

Mas, tudo bem. "Está tudo bem", eu repito sem parar como um mantra, todos acreditam e eu sigo em frente como se a vida fosse apenas isso.

Eu amo vocês e acho que isso basta. 

Meu último dia de vida.Onde histórias criam vida. Descubra agora