♤ No jardim ♤

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♤POV: Mal ♤

 Meu coração estava acelerado como se eu estivesse prestes a despencar de uma montanha russa. Instintivamente, pus a mão sobre o peito como que para impedi-lo de saltar para fora. Tentei caminhar em direção à entrada do salão, mas atravessá-lo parecia impossível. Todas as pessoas que antes apenas me investigavam com o olhar haviam decidido me cumprimentar agora que sabiam quem eu era. Estava ficando sem criatividade para me esquivar de todas elas. 

O jardim já não era mais como eu me lembrava. As árvores, desprovidas de suas folhas, erguiam seus galhos nus e retorcidos como mãos esqueléticas contra o céu cinzento,  e o vento frio assobiava através dos ramos. Os canteiros de flores, antes vibrantes e coloridos, estavam agora cobertos por uma fina camada de geada, suas pétalas murchas e quebradiças. O som suave da água corrente que jorrava das fontes fora silenciado, substituído pelo estalo ocasional do gelo se expandindo por causa das baixas temperaturas. As estátuas no estilo grego, que representavam figuras lendárias e seres mágicos, agora pareciam vigias sinistros, seus olhares vazios e impassíveis observando tudo com uma indiferença gelada.

 Apertei minha capa ao redor do corpo. Apesar do frio, notei que minhas mãos suavam devido ao nervosismo. Eu caminhava sobre a barra do vestido, incomodada com a frieza do chão que transpassava meus pés e congelava meus ossos. Só então, percebi que há pouco estava pisando em grama fresca. O castelo era o único lugar, em toda Auradon, não afetado pela nevasca. Como isso poderia ser possível? 

Magia, talvez. 

Espera. Se o inverno podia ser previnido por magia isso significava que também havia sido provocado por magia. É  claro! Estava nevando desde a primeira vez que eu havia voltado para Auradon,e nenhum inverno natural dura mais de seis meses. Provavelmente nem deveria ser a estação do inverno aquela época. Mas por quê o palácio simplesmente não abria as portas para os súditos que estavam sendo duramente afetados pelo frio?

Tais pensamentos evaporaram como água em ebulição assim que uma sombra cruzou meu caminho. Ben estava há poucos metros, de costas. Assim que avistei sua silhueta, suspirei e pude observar uma fumaça esbranquiçada escapulindo por entre meus lábios. Corri até ele e o chamei em voz alta.

- Ben! - Minha voz estava embargada e meus olhos ardiam.

Abracei-o assim que ele se virou. Não me importava se ele não lembrava quem eu era. Não me importava se ele me via apenas como uma inimiga política em potencial, ou como a criatura mágica que reinava uma terra de outras criaturas místicas. Eu não podia suportar mais nenhum segundo ao lado, tendo-o tão perto de mim, sem poder tocá-lo. 

Ben não me afastou.  Nem correspondeu ao abraço. Não se moveu nenhum pouco. Então eu me afastei, enxugando os olhos. 

- Mal... - Ele sussurrou, com o rosto inexpressivo.

- Você... - O nó em minha garganta me impedia de falar direito.  - Você lembra de mim?

- Eu jamais esqueceria o verde de seus olhos. 

Ele ergueu a mão, e seus dedos tocaram meu rosto. Fechei os olhos ansiando pelo calor tão familiar de seu corpo. Mas, nada. Não senti nada. Seu toque era tão frio como cada uma de suas palavras. Os dedos dele desceram para meus lábios e eu o arremessei à alguns metros contra o chão com a minha magia. Infelizmente, a neve deve ter amortecido a queda.

- Quem é você? - Gritei, a raiva consumindo cada parte de meu ser. - Onde está Ben?

A figura se levantou, esboçando um sorriso. Então, utilizei minha magia para desfazer o feitiço de disfarce que Flora havia me ensinado a reconhecer. 

Era Liam. Liam estava por trás daquele disfarce.

- Você? - Não havia choque em minha voz, apenas repugnância. Retirei a adaga que eu havia escondido estrategicamente em uma das mangas do vestido e coloquei-a próximo de seu pescoço, pressionando-o contra um dos muros do jardim. - Não é um príncipe, não é? O que você quer? Por que está trabalhando com eles? - Esbravejei, o ar se esvaindo de meus pulmões.

- Eles? Você realmente não faz idéia, não é? - Ele riu. Em seguida, em um movimento rápido, agarrou meus pulsos, me impedindo de recuar. Eu estava paralisada pelo medo. - Esse é um jogo muito, muito maior do que imagina. E está apenas começando. - Seus olhos faíscavam. Ele me soltou bruscamente e logo notei que, mais do que apenas marcas de dedos, havia um bracelete de couro em meu pulso esquerdo. 

- O que é isso? - Perguntei, apavorada, não conseguindo me livrar do objeto.

- Isso é um brinquedinho. Vai te impedir de fugir usando sua magia. - Ele respondeu, com um olhar perverso.

Mas eu não precisava de magia. Eu tinha pernas. Corri, o máximo que uma barriga de grávida, um vestido de baile e um chão congelante me permitiam correr. Felizmente, a adrenalina me permitia continuar correndo ainda que meus músculos queimassem como brasa e que meu peito ardesse com esforço para respirar. 

Pensei em voltar para o palácio, pois imaginei que ele não me atacaria em público, mas avistei um tumulto na entrada. Esse era o sinal de Evie. O plano de distração de Jay. Era hora de voltar para Arcânia, mas com aquele cara atrás de mim eu não chegaria ao nosso ponto de encontro a tempo. Não sem colocar meus amigos em risco também.

- Não, adianta correr. Seus amigos ja foram pegos. - Ele vociferou, ainda atrás de mim. Liam estava ganhando cada vez mais velocidade, ao passo em que eu estava cada vez mais lenta. - Você não tem para onde fugir, Mal!

Mas eu não estava correndo para meus amigos. Estava correndo para o arbusto onde havia escondido meus sapatos.

Só havia uma chance, uma tentativa. Mirei e atirei. Um acertou o nariz, o outro..., digamos apenas que ambos foram certeiros e suficientes para nocuteá-lo. Corri em direção aos fundos do castelo, mas nem sinal dos meus amigos. Comecei a pensar na possibilidade de Liam não estar blefando e isso me desesperou.

De repente, senti algo liquído escorrer por entre as minhas pernas. Levantei as infinitas camadas de tecido do vestido e notei a transparência do fluído.

- Não, não, não! Por favor, agora não. - Sussurrei, lágrimas densas rolando pelo meu rosto enquanto eu assimilava a gravidade do que estava acontecendo.

Senti uma dor aguda no abdômen, como se uma faca estivesse rasgando-me de dentro para fora. O pânico tomava conta de mim. Meu bebê estava a caminho e eu estava sozinha. Mas já era hora? Ou será que eu havia provocado a antecipação de seu nascimento me expondo a toda aquela situação de perigo? A culpa corroía-me por dentro e o medo me impedia de raciocinar corretamente.

Olhei ao redor, tentando encontrar uma solução, uma saída. Mas tudo parecia desfocado e distante. A dor aumentava a cada segundo e minha respiração estava cada vez mais ofegante. "Preciso de ajuda... preciso encontrar alguém", pensei, mas cada passo necessitava um esforço sobre-humano. Eu precisava achar um lugar seguro, um lugar que ninguém soubesse a existência, onde ninguém me encontraria, um lugar como... como o jardim secreto que Ben havia me dado de presente em nossa noite de despedida.

Apoiei-me nas paredes do castelo, a dor turvando meus pensamentos. Com dificuldade, rastejei-me, tentando recordar o caminho para a cortina de folhas que guardava a passagem para esse outro jardim. 

Olhei para os céus e avistei a vastidão de estrelas que enfeitavam a noite. Foi num dia como aquele que Ben me beijou pela primeira vez. Em uma noite como aquela que ele declarou seu amor por mim, prometendo estar sempre ao meu lado. 

Desejei com toda intensidade que ele pudesse estar ali, naquele momento.

Assim que finalmente encontrei a entrada oculta, empurrei a vegetação para o lado com as mãos trêmulas e adentrei no refúgio, cambaleante. Apoiei-me ao chão, sobre os joelhos, a dor aumentando em intensidade. Eu sabia que não tinha muito tempo.  Tentei controlar minha respiração e focar na criança que estava prestes a nascer. "Vamos ficar bem, meu amor. Vou fazer tudo o que puder para proteger você", sussurrei, acariciando minha barriga. A dor pungente tornou-se insuportável, enublando totalmente minha visão. Então, caí ao chão com um baque seco. 


Coração Enfeitiçado ♤ { Fanfiction Descendentes // Mal e Ben // Malen }Onde histórias criam vida. Descubra agora