Capítulo 27 - Escada

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Botafogo, Rio de Janeiro

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Botafogo, Rio de Janeiro

Beto dirige pelas ruas com uma precisão quase artística, suas mãos firmes no volante e os olhos fixos nas vias de Botafogo. O ambiente é silencioso, exceto pelo som constante do motor e do asfalto sob os pneus. Ele navega pelas ruas com uma calma que contrasta com a tensão que eu sinto.

— O que aconteceu? — pergunto, olhando para ele.

— Nada que se preocupe — ele responde, sua voz mantendo um tom neutro. — Foi só um mal-estar, precisava de você.

Eu aceno com a cabeça, concordando com a resposta enigmática. Beto entra na garagem, manobrando o carro com destreza até estacioná-lo em sua vaga designada.

Meu carro, agora um símbolo do passado recente, fica no batalhão. Beto se afasta do veículo e pega minha bolsa, trancando o carro com um gesto metódico.

Ele está com o rosto sério, as grandes olheiras sublinhando a profundidade de seu cansaço. A sua aparência está visivelmente mais magra do que o normal, o desgaste evidente nas linhas de seu rosto e na forma como os ombros parecem pesar.

É  como se o peso do mundo estivesse sobre ele, um reflexo das responsabilidades que carrega.

Começamos a subir as escadas do prédio, e ele segura minha mão com uma força gentil, uma âncora de apoio em meio ao turbilhão de sentimentos. Seus olhos, cheios de uma preocupação silenciosa, nunca deixam o meu.

— O que houve com você? — ele pergunta, a voz carregada de um tom pessoal e interessado.

— Matei uma pessoa — digo, minha voz baixando até se tornar um sussurro carregado de culpa e desespero.

Beto não diz nada imediatamente. O silêncio entre nós é denso e carregado de uma empatia que palavras não podem capturar. A cirurgia do adolescente foi um fracasso, uma tragédia que se desenrolou diante dos meus olhos.

Eu não agi a tempo; o menino, apenas 14 anos, teve sua vida interrompida por uma decisão que tomei, uma intervenção que não salvou, mas que acabou sendo a causa de sua morte.

Enquanto subimos os degraus, o peso da minha culpa e da dor se mistura com o peso físico das escadas. A cada passo, a realidade do ocorrido parece se aprofundar, tornando o ar mais denso e a atmosfera mais carregada.

Beto, apesar de seu próprio cansaço e desgaste, se mantém firme ao meu lado, oferecendo um apoio silencioso que, de alguma forma, alivia um pouco da carga emocional que carrego.

— Não é sua culpa — Beto diz, e eu paro abruptamente, as palavras ecoando em minha mente.

— Morto, ele tá morto, e morreu pelas minhas mãos — digo, a voz quebrando com a dor crua. — Eu o matei.

Sinto as lágrimas ameaçando voltar, a visão embaçada pela culpa e pela tristeza. A dor é como um abismo que me consome de dentro para fora, e a sensação de falha é avassaladora.

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