capítulo 16.

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˚.

Meu Deus — falei, meus olhos se enchendo de lágrimas ao olhar para Sophia.

— Incrível, não é? — disse Marília, sorrindo para a filha. Por um longo tempo, ela tentou conter seus sorrisos, mas ultimamente não estava mais conseguindo fazer isso. Quanto mais Sophia ria, mais ela abria o coração da mãe.

Ela estava com Sophia no colo, dando a mamadeira. Bom, na verdade, era Sophia quem segurava a mamadeira com as próprias mãozinhas pela primeira vez. Meu coração explodiu de entusiasmo.

— Ela pegou a mamadeira e começou a mamar sozinha — contou Marília, com os olhos arregalados de orgulho.

Nós a aplaudimos, e Sophia começou a dar risadinhas e a cuspir o leite no rosto de Marília, nos fazendo gargalhar. Peguei um pano e limpei a bochecha dela.

— Ela me surpreende todos os dias - disse Marília olhando para a filha.

— É uma pena que Cecília... - ela fez uma pausa - ... que Maiara esteja perdendo tudo isso. Ela não tem ideia do que deixou para trás. — Assenti.

— Ela está perdendo tudo. É triste.

— Como foi crescer com ela? - perguntou ela.

Fiquei um pouco surpresa. Convivíamos havia alguns meses, e Marília nunca tinha me perguntado sobre minha irmã. Sentei no sofá ao lado dela.

— Estávamos sempre nos mudando. Nossa mãe era um pouco nômade, e, quando meu pai não aguentou mais, ele nos abandonou. Maiara era a mais velha e percebia mais os problemas do que eu e a Mari. Cada dia com a minha mãe parecia uma nova aventura. A falta de um lar de verdade nunca me incomodou, porque tínhamos umas as outras, e, quando precisávamos de alguma coisa, algum milagre acontecia. Mas Maiara não via as coisas da
mesma maneira. Ela era muito parecida com o nosso pai, tinha os pés no chão. Odiava não saber de onde viria nossa próxima refeição. Detestava cada vez que a nossa mãe dava o pouco dinheiro que tínhamos para ajudar um amigo que estava passando por necessidades. Odiava a instabilidade em nossas vidas e, quando não aguentou mais, quando não pôde mais lidar com o jeito da nossa mãe, ela fez o mesmo que o nosso pai. Foi embora.

— Ela sempre fugiu.

— Sim, e uma parte de mim quer odiá-la por ter se tornado tão fria e distante, mas a outra a compreende. Ela teve que amadurecer muito rápido e, de certo modo, Maiara não estava errada. Nossa mãe era um pouco imatura, o que significa que não tivemos uma educação muito parental. Maiara sentia que tinha de assumir esse papel e ser mãe da nossa mãe.

— Talvez por isso ela não quisesse ter filhos. Ela já tinha desempenhado esse papel.

— Sim. Quero dizer, isso não justifica o que ela fez, de jeito nenhum. Mas torna as atitudes dela mais fáceis de serem compreendidas.

— Acho que, quando a conheci, soube logo que ela era assim. E tenho certeza de que ela sabia que eu era fria e que eu nunca pediria a ela que ficasse.

— Você sente falta dela? - perguntei com a voz baixa.

— Não — respondeu ela rapidamente, sem qualquer hesitação.  — Nunca fomos apaixonadas uma pela outra. Tínhamos um acordo tácito: se uma de nós quisesse ir embora, estava livre para partir. Ela achou que um casamento a ajudaria a subir na carreira. Éramos apenas colegas de quarto que faziam sexo de vez em quando. Antes da Sophia, eu não me importaria se ela fosse embora. Teria sido completamente aceitável. Droga, de alguma forma, fiquei surpresa por ela ter ficado tanto tempo. Eu não teria me importado, mas agora... — Ela sorriu para a filha ao colocá-la para arrotar e, em seguida, deitou-a no cobertor que estava no chão. — Agora eu ligo para ela todas noites, pedindo que volte, não por mim, mas pela nossa filha. Sei o que é crescer sem mãe e nunca desejaria isso para Sophia.

— Sinto muito.

Ela deu de ombros.

— Não é culpa sua. Mas, e o jardim, como está?

— Está perfeito. Mais uma vez, obrigada pelo presente. Significa mais para mim do que pode imaginar.

— É claro. Você vai viajar esse fim de semana, por causa do feriado? — perguntou Marília. Ela se sentou no chão e começou a brincar com a filha, fazendo meu coração palpitar.

— Eu ia, mas acho que vou acabar passando o feriado sozinha.

— Por quê? — Expliquei que Mari estaria fora da cidade e que eu, normalmente, viajava para o norte, mas não queria dirigir sozinha.

— Você deveria vir para a casa do professor Oliver
comigo e com a Sophia - convidou ela.

— O quê? Não. Não, está tudo bem. De verdade.
Ela pegou o celular e discou um número.

— Alô? Professor Oliver, como vai?

— Marília, não! - sussurrei, mas o tom de voz saiu um pouco mais alto do que eu pretendia. Estiquei o braço para detê-la, mas ela se levantou e não deixou que eu pegasse o aparelho.

— Ótimo, estou ótima. - Pausa. - Não, não estou tentando desmarcar. Estou ligando para saber se você pode incluir mais um lugar à mesa. Parece que Mara ia passar a Páscoa sozinha e afogar as mágoas em um pote de Ben & Jerry's. E, apesar de eu achar que isso é algo completamente normal, pensei em ver com você se ela poderia ir comigo à sua casa. — Outra longa pausa.

Marília sorriu.

— Muito bem. Obrigada, professor Oliver. Até o fim de semana. — Ela desligou e se virou na minha direção. — Eles vão fazer um brunch por volta de uma da tarde. Seremos nós, o professor Oliver e Mary, a filha deles, Karla, e a noiva dela, Susie. Você deveria levar algo de comer.

— Não acredito que você fez isso! — gritei, pegando uma das almofadas do sofá e jogando nela. O sorriso de Marília se tornou ainda maior.
Céus, aquele sorriso. Se ela sorrisse com mais frequência antes, com certeza Maiara nunca a teria abandonado.

Ela pegou a almofada e a jogou de volta na minha direção, fazendo-me cair de costas no sofá.

— Podemos ir juntas. Posso buscar você na sua casa.

— Perfeito. - Peguei a almofada e a atirei nela de novo. — Tipo de roupa?

Ela jogou a almofada de volta para mim uma última vez, e notei uma covinha em sua bochecha direita.

— Qualquer coisa que você usar estará bom para mim.

A Força que Nos Atrai - Malila.Onde histórias criam vida. Descubra agora