capítulo 23.

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Carla Maraisa
˚.

Chegou o dia do funeral de Ollie, e nem de perto havia tantas pessoas quanto no último funeral a que compareci. Aliás, o evento não foi em nada parecido com o de Mário. Foi em um campo aberto, cercado pela natureza, no local em que ele tinha pedido Mary em casamento muito tempo atrás. Ela disse que sua vida havia começado naquele dia, e voltar lá para sentir o mesmo amor que ela tinha sentido havia tantos anos parecia a coisa certa a fazer. E, ah, como havia amor ali. Muitas pessoas apareceram para demonstrar seu carinho por Ollie, incluindo ex-alunos, colegas de trabalho e amigos. Embora o espaço não estivesse lotado de jornalistas, fãs, ou câmeras, estava repleto com a única coisa importante no mundo: Amor. Todos tentaram consolar Karla e Mary da melhor forma que podiam, e as duas nunca ficaram sozinhas. Durante a cerimônia, houve lágrimas, risadas e histórias repletas de luz e amor. O tributo perfeito para um homem perfeito. Quando o reverendo perguntou se alguém gostaria de dizer algumas palavras, Marília imediatamente se levantou. Quando ela passou Sophia para o meu colo, meu olhar encontrou o dela.

— Um discurso fúnebre? — sussurrei, meu coração batendo rápido. Eu sabia como seria difícil para Marília fazer algo desse tipo.

— Isso mesmo. Pode ser que não seja nada bom.

Eu peguei a mão dela e a apertei de leve.

— Será perfeito. — Cada passo que ela dava em direção ao altar era lento e controlado. Tudo em Marília sempre foi muito controlado. Ela quase sempre mantinha uma postura rigida ao andar, nunca vacilava. Por isso, senti um aperto no peito quando, por um instante, ela perdeu um pouco o equilíbrio. Ao chegar ao altar, ela recuperou a compostura. O lugar estava silencioso, e todos os olhares estavam voltados para Marília. Eu podia sentir o cheiro das flores de lavanda e jasmim que nos cercavam quando o vento batia nelas. A terra ainda estava molhada por causa da chuva que tinha caído nos últimos dias, e toda vez que a brisa soprava, eu quase podia sentir o gosto da umidade. Meus olhos não desgrudavam de Marília; eu observava a mulher que eu tinha aprendido a amar em silêncio preparando-se para dizer adeus ao homem que havia lhe ensinado como deveria ser o amor. Ela pigarreou e ajustou seus óculos. Fez menção de dizer algo e baixou os olhos para as folhas de papel que estavam escritas frente e verso. Mais uma vez, pigarreou.

— O professor Oliver era um... — Sua voz falhou, e ela baixou a cabeça mais uma vez. — O professor Oliver... — Suas mãos apertavam o púlpito com força.

— Isso não está certo. Vejam, escrevi esse longo discurso sobre o Oliver. Passei horas preparando esse rascunho, mas vamos ser honestos, se eu entregasse esse texto, ele diria que está uma completa porcaria. — O lugar se encheu de risadas. — Tenho certeza de que muitos aqui foram alunos dele, e todos sabemos como ele era exigente quando corrigia um trabalho. Ele me deu meu primeiro zero, e, quando fui à sua sala confrontá-lo, ele olhou para mim, abaixou o tom de voz e disse: "Coração." Eu não tinha ideia do que ele estava falando, mas ele me deu um sorrisinho e repetiu: "Coração." Mais tarde, percebi que ele se referia ao que estava faltando no meu trabalho. Antes das suas aulas, eu não sabia como escrever uma história com o coração, mas ele arranjou tempo para me ensinar isso. Coração, paixão, amor. Ele era o melhor professor nesses três assuntos. — Marília pegou as folhas de papel e as rasgou ao meio. — E se ele tivesse que dar uma nota para o meu discurso, com certeza eu seria reprovada. Minhas palavras falam sobre as realizações em sua carreira. Ele foi um acadêmico incrível e recebeu diversos prêmios, mas isso tudo é uma grande enrolação. — Marília riu, junto com os outros alunos e ex-alunos de Oliver. — Todos nós sabemos como ele odiava quando as pessoas enrolavam nos trabalhos para chegar ao número de palavras necessário. 'Quero carne, não gordura, alunos.' Então agora vou acrescentar a esse discurso o que temos de mais forte em nossa carne. O coração. Vou falar sobre a essência do professor Oliver.

A Força que Nos Atrai - Malila.Onde histórias criam vida. Descubra agora