capítulo 33.

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Carla Maraisa
˚.

Quando cheguei à varanda da casa de Marília, meu coração batia forte. Não fazia ideia do que encontraria do outro lado da porta, mas sabia que, o que quer que fosse, não me faria fugir. Eu ia ficar. Eu ia ficar para sempre. Bati na porta algumas vezes e toquei a campainha. Então, esperei. Esperei. E esperei mais um pouco. Quando girei a maçaneta, fiquei surpresa por encontrar a porta aberta.

- Olá? - chamei.

A sala estava escura, e ficou óbvio que Marília não estava em casa. Ouvi alguns passos e fiquei tensa. Maiara vinha saindo apressada do quarto, carregando duas malas. Ela não notou minha presença de imediato, mas, quando finalmente ergueu os olhos e me viu, havia pânico neles.

- Maraisa - disse ela, ofegante. Os cabelos estavam bagunçados, parecidos com os de nossa mãe, e os olhos, injetados. Eu sabia que não devia sentir pena dela. Sabia que não tinha nada a dizer ou qualquer conforto a oferecer. Mas os olhos dela, o peso em seus ombros... Às vezes, as pessoas mais desagradáveis eram aquelas que acabavam mais destruídas.

- Você está bem? - perguntei.

Ela sorriu com desdém, e vi uma lágrima cair.

- Como se você se importasse...

- Por que você acha que eu te odeio? - perguntei abruptamente. - Por que você me odeia, afinal? - Ela se empertigou.

- Não sei do que você está falando.

- É claro que sabe, Maiara. Não sei por que, mas parece que você sempre teve um problema comigo, e isso ficou mais grave depois que a nossa mãe faleceu. Nunca entendi a razão. Eu sempre admirei você. - Ela bufou, sem acreditar em mim. - De verdade.

Minha irmã abriu a boca para dizer algo, mas hesitou. Depois de um momento, disse:

- Ela te amava mais, tá bem? Ela sempre te amou mais.

- O quê? Isso é ridículo. Ela amava nós três da mesma maneira.

- Não, isso não é verdade. Você era o coração dela.
Ela sempre falava de você, de como você era livre, do quanto era inteligente, do quanto era incrível. Você era a luz da vida dela.

- Maiara, ela te amava.

- Eu guardava mágoa de você. Eu me ressentia de ver o quanto ela te amava, e então eu volto para cá e Marília te ama também. Todo mundo sempre te amou, Maraisa, e eu sempre fui deixada de lado, sem amor.

- Eu te amei, Maiara - eu disse, compadecendo-me do sofrimento na voz dela. Maiara riu, sem acreditar.

- Sabe qual foi a última coisa que ela me disse quando estava no leito de morte e eu segurava a sua mão?

- O que ela disse?

- Vá chamar sua irmã. Eu quero a Maraisa.

Imaginei o quanto aquelas palavras deviam ter deixado minha irmã arrasada. Ela nunca foi capaz de se recuperar daquilo.

- Maiara... - comecei, mas ela fez que não com a cabeça.

- Para mim já chega. Não aguento mais. Não se preocupe, pode ter a sua vida. Eu não pertenço a esse lugar. Esse não é o meu lar.

- Você está indo embora? - perguntei, confusa. - Marília sabe que você está indo?

- Não.

- Maiara, você não pode simplesmente ir embora de novo.

- Por quê? Já fiz isso antes. Além do mais, ela não me quer aqui, e eu também não quero ficar.

- Mas você poderia pelo menos deixar um bilhete, como fez da última vez - interveio Marília, o que nos fez virar na direção dela. Quando nossos olhares se encontraram, meu coração se lembrou de como era estar vivo.

- Não achei que fosse necessário - retrucou ela, pegando as malas.

- Tudo bem, mas antes de você ir, espere aqui - disse Marília, vindo até mim com Sophia nos braços.

- Mara - sussurrou, os olhos repletos da mesma gentileza que eu tinha visto havia alguns meses.

- Lila - respondi.

- Pode pegar Sophia no colo por um instante?

- Sempre.

Ela foi até o escritório e, quando voltou, trazia alguns papéis e uma caneta.

- O que é isso? - perguntou Maiara quando ela os entregou.

- Os papéis do divórcio e documentos legais me garantindo a guarda total de Sophia. Você não pode fugir de novo sem resolver essas coisas, Cecília. Não pode ir embora e me deixar preocupada com a possibilidade de você tirar a minha filha de mim. - A voz dela era severa, mas não havia ressentimento nela. Era direta, mas não fria. Ela entreabriu os lábios, como se fosse argumentar, mas, quando encarou Marília percebeu a intensidade de seu olhar. Os olhos dela sempre diziam tudo o que as pessoas precisavam saber. Estava claro que ela nunca seria dela, e Maiara finalmente se deu conta de que nunca quis ficar com ela de verdade. Ela assentiu.

- Vou deixá-los assinados em seu escritório - disse ela, entrando na casa.

Quando Maiara ficou fora do nosso campo de visão, Marília deixou escapar um suspiro profundo.

- Você está bem? - perguntei.

Ela me beijou para dizer que sim.

- Você voltou para mim - sussurrou ela, os lábios
contra os meus.

- Eu sempre vou voltar.

- Não - disse ela com firmeza. - Só não vá embora
de novo.

Quando Maiara voltou à sala, anunciou que os papéis estavam assinados e que não seria mais um problema. Antes que ela saísse pela porta, eu a chamei.

- As últimas palavras que a nossa mãe disse foram:
"Cuide da Maiara e da Mari. Cuide de suas irmãs. Cuide da minha Maiara, cuide bem da minha filha, minha canção favorita." Você foi o último pensamento dela. O último suspiro, a última palavra."

Maiara assentiu, emocionada, agradecendo pela paz que só eu podia ter trazido à sua alma. Se eu soubesse o quanto isso pesava sobre o coração dela, teria dito muitos anos antes.

- Deixei um presente para Sophia - disse ela. - Achei que seria melhor para ela do que foi para mim. Está na cabeceira da cama. - Sem dizer mais nada, Maiara desapareceu.

Quando chegamos ao quarto de Sophia, levei a mão ao coração ao ver o presente que ela havia deixado para a filha: a caixinha de música com a bailarina que nossa mãe tinha dado a ela. Havia um bilhete em cima, e as lágrimas rolaram pelo meu rosto quando li as palavras que estavam escritas no papel.

Dance sempre, Sophia.

A Força que Nos Atrai - Malila.Onde histórias criam vida. Descubra agora