capítulo 21.

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Atenção, este capítulo pode conter gatilho. Caso não se sinta confortável, pule para o próximo. Boa leitura.

Dia De Natal

Ele não gostou do presente que ela deu, então se permitiu tomar uma bebida. Mas Mário nunca tomava uma dose só. Uma levava a duas, que levavam a três, que levavam a um número que trazia à tona o que havia de pior nele. E, quando isso acontecia, nada era capaz de trazê-lo de volta.
Ainda que Rebecca fosse bonita. Ainda que ela fosse gentil. Ainda que ela tentasse, todos os dias, atender às expectativas. Ela ia além das expectativas, Marília pensava. Em seus últimos cinco aniversários, ela a tinha visto soprar as velinhas.
Ela era sua melhor amiga, a prova de que o bem existia, mas aquilo não duraria muito tempo, porque Mário havia tomado um drinque. Ou dez.

— Você é uma merda! — gritou ele, arremessando na parede o copo de uísque, que se espatifou. Ele era mais do que um monstro: era a escuridão, o pior tipo de homem que já havia existido. Mário nem sabia por que estava tão furioso, mas descontava tudo em Rebecca.

— Por favor — sussurrou ela, trêmula, ao se sentar no sofá. — Descanse um pouco, Mário. Você não fez nenhum intervalo desde que começou a escrever.

— Não me diga o que fazer. Você arruinou o Natal — repreendeu ele, cambaleando na direção dela. — Você arruinou tudo, porque você é uma merda. — Ele levantou a mão para dar vazão à sua raiva, mas em vez de dar um tapa nela, Mário acabou atingindo a testa de Marília que se colocou entre os dois para proteger Rebecca.

— Saia da frente! — ordenou o homem, pegando a filha e a atirando-a do outro lado da sala.

Os olhos de Marília se encheram de lágrimas
enquanto ela via o pai bater nela. Como?
Como ele podia bater em uma pessoa tão boa?

— Pare! — gritou Marília, correndo até o pai e batendo nele várias vezes. Em todas, Mário a empurrava, mas a filha não desistia; levantava-se do chão e voltava a atacá-lo, sem medo de se machucar. Tudo o que Marília sabia era que o pai estava ferindo Rebecca, e ela tinha que protegê-la.
Aquilo durou apenas alguns minutos, mas pareceram horas. Marília tinha a impressão de que a sala girava enquanto ela e Rebecca apanhavam, e a surra só acabou quando as duas finalmente desistiram de reagir. Elas levaram tapas e socos, e permaneceram em silêncio até que Mário se cansasse. Ele seguiu para o escritório, bateu a porta e provavelmente bebeu mais uisque. Rebecca abraçou Marília no instante em que Mário se foi, e a menina desabou em seus braços.

— Está tudo bem - disse ela.
Ela sabia que não deveria acreditar nisso.

Naquela noite, ela foi ao quarto de Marília. Marília ainda estava acordada, mergulhada na escuridão do cômodo, encarando o teto. Quando se virou na direção de Rebecca, viu que ela estava com as botas e o casaco de inverno. Atrás dela havia uma mala.

— Não — disse ela, sentando-se. Balançou a cabeça. — Não. — Lágrimas rolavam pelo rosto dela, que estava machucado.

— Sinto muito, Marília.

— Por favor — implorou ela, chorando e correndo até ela. Seus braços a envolveram pela cintura. - Por favor, não vá embora.

— Não posso ficar aqui — disse ela, a voz trêmula. — Minha irmã está esperando lá fora. Eu só queria contar a você pessoalmente.

— Me leve com você! — pediu ela, sentindo o pânico por Rebecca deixá-la sozinha com a escuridão. — Vou ser boa, eu juro. Serei boa e comportada para você.

— Marília. — Ela respirou fundo. - Não posso levá-la... você não é minha filha.

Aquelas palavras.
Aquelas poucas e dolorosas palavras deixaram a menina arrasada.

— Por favor, Rebecca, por favor... — Ela soluçava, o rosto escondido na blusa dela. Ela o afastou, recuou alguns centímetros e se inclinou para olhá-lo nos olhos.

— Ele me disse que, se eu levasse você, abriria um processo contra mim. Disse que lutaria. Não tenho nada, Marília. Ele me fez largar o emprego anos atrás. Assinei um acordo pré-nupcial. Não tenho nada.

— Você tem a mim.
O modo como Rebecca piscou disse a Marília que isso não seria o suficiente. Naquele momento, o coração da menina começou a congelar. Ela foi embora naquela noite e sequer olhou para trás. Marília ficou na janela, vendo-a partir, sentindo um aperto no peito à medida que tentava entender como aquilo tinha acontecido. Como alguém poderia permanecer ao seu lado por tanto tempo e então simplesmente ir embora? Ela olhava fixamente a estrada coberta pela neve. As marcas dos pneus ainda estavam no chão, e Marília não conseguia desviar os olhos delas nem por um minuto. Em sua cabeça, ela repetia as palavras sem parar.

Por favor, não vá embora.

A Força que Nos Atrai - Malila.Onde histórias criam vida. Descubra agora