Clara olhava para o relógio pendurado na parede do hospital enquanto a última paciente do plantão deixava a sala de exames. Passava das duas da manhã, e o cansaço começava a pesar em seus ombros. Respirou fundo e ajeitou os cabelos que insistiam em escapar do coque bagunçado. O hospital tinha um ritmo próprio, uma espécie de dança constante entre vida e morte, e ela estava aprendendo, aos poucos, a dançar no ritmo certo. Mas naquela noite, depois do encontro com Luísa, a mente de Clara estava mais agitada do que o normal.
Havia algo naquela mulher que Clara não conseguia tirar da cabeça. A postura firme, o olhar determinado, e até mesmo a forma contida como Luísa agradecera o atendimento... tudo aquilo parecia ter deixado uma impressão. Clara sabia que sua vida era cheia de caos, mas havia algo ainda mais desordenado dentro dela, algo que ela lutava para entender. O desejo sempre foi um território confuso para ela. Em meio às longas jornadas de estudos e plantões extenuantes, não havia sobrado tempo para explorar muito sua sexualidade, mas ela sempre soube, em um nível profundo, que sua atração por mulheres era algo real, mesmo que ainda pouco explorado.
Ela tentou afastar esses pensamentos enquanto se encaminhava para a sala de descanso dos médicos. Precisava de alguns minutos para relaxar antes de pegar o caminho de volta para casa. Sentada no sofá gasto, Clara fechou os olhos e deixou que sua mente vagasse. Mas, inevitavelmente, a imagem de Luísa surgiu em seus pensamentos.
"Ela provavelmente nem se lembra de mim", pensou Clara, tentando desvalorizar a conexão que sentiu naquele breve encontro. O hospital estava cheio de rostos e histórias, e ela estava acostumada a ver pessoas irem e virem, deixando apenas lembranças passageiras. Mas havia algo em Luísa que parecia ter ficado preso na sua mente, como uma brasa que não se apagava completamente.
Clara ficou mais alguns minutos na sala de descanso, tentando se convencer de que aquilo não passava de uma impressão passageira. No entanto, quando finalmente se levantou para ir embora, ainda podia sentir uma leve inquietação no peito.
O caminho de volta para casa era sempre solitário. Clara morava sozinha em um pequeno apartamento próximo ao hospital, e, na maioria das vezes, gostava da tranquilidade de estar só. No entanto, havia dias em que o silêncio a incomodava. Aquela noite era uma dessas. O eco de seus próprios passos nas ruas vazias parecia amplificar a sensação de solidão que insistia em acompanhar Clara em sua rotina.
Ela chegou em casa e, como de costume, jogou a bolsa sobre a mesa da cozinha e foi direto para o chuveiro. A água quente ajudava a aliviar a tensão acumulada, mas não conseguia lavar completamente os pensamentos que rodavam em sua cabeça. Enquanto a água escorria pelo corpo cansado, Clara se pegou pensando em como sua vida parecia girar em torno do trabalho. O hospital era tudo para ela, mas ultimamente começava a sentir que faltava algo mais. Talvez fosse apenas o cansaço falando, ou talvez fosse a solidão. Ou quem sabe, apenas uma curiosidade sobre algo que ela nunca tinha permitido crescer dentro de si.
Depois do banho, Clara se deitou na cama e, antes de dormir, pegou o celular. Olhou distraidamente as redes sociais, passando rapidamente pelas postagens sem realmente prestar atenção. No entanto, uma foto chamou sua atenção: uma imagem de Luísa, postada por um colega bombeiro. Na foto, Luísa estava ao lado de outros membros da corporação, todos sorrindo após o fim de um treinamento. Ela parecia cansada, mas havia uma suavidade no sorriso que Clara não tinha visto antes.
Sem perceber, Clara ficou olhando para a foto por mais tempo do que deveria. Finalmente, desligou o celular e tentou dormir, mas os pensamentos continuavam girando em sua cabeça. "Por que estou tão intrigada com essa mulher?", pensou antes de finalmente sucumbir ao sono.
Os dias seguintes passaram em uma mistura de rotina e caos, como era típico no hospital. Clara continuava fazendo seu trabalho com a dedicação de sempre, mas sempre havia um pensamento insistente no fundo de sua mente. Ela não via Luísa desde aquele dia, mas a memória do encontro continuava viva. À medida que os dias se passavam, Clara começou a perceber que estava esperando, de alguma forma, esbarrar com Luísa novamente. Mas as emergências são imprevisíveis, e o hospital, apesar de cheio de vida, também era um lugar onde as pessoas vinham e iam sem deixar vestígios.
Em um dos poucos dias de folga que teve naquele mês, Clara decidiu fazer algo diferente. Sentia que precisava sair da rotina, tentar afastar os pensamentos que a estavam consumindo. Pegou o carro e dirigiu até um parque nas proximidades da cidade. Era um lugar tranquilo, com trilhas cercadas de árvores e um lago sereno no centro. Clara costumava ir lá quando precisava clarear a mente, mas fazia meses desde a última vez que visitara o parque.
O dia estava nublado, mas o ar fresco era revigorante. Clara caminhou sem rumo pelas trilhas, deixando os pensamentos fluírem livremente. Ela pensou em sua carreira, nas escolhas que fez até ali, e em como sua vida parecia estar em suspenso, esperando por algo indefinido.
Enquanto andava, viu ao longe um grupo de pessoas praticando corrida. Entre elas, uma figura familiar: Luísa. Clara parou por um momento, incerta se deveria se aproximar ou não. Luísa estava focada na corrida, os cabelos presos em um rabo de cavalo que balançava a cada passo firme. Clara observou por alguns segundos, tentando decidir se aquilo era uma coincidência ou algum tipo de sinal do destino. Sentiu um aperto no peito, uma mistura de excitação e nervosismo. Decidiu que seria melhor não se aproximar. Ela não queria parecer uma stalker, muito menos alguém que não conseguia deixar um simples encontro para trás.
Clara continuou andando, tentando se concentrar em qualquer coisa que não fosse Luísa, mas a presença dela ali, tão próxima, tornou impossível ignorar a atração crescente. Ela sabia que precisava fazer algo a respeito, mas o quê? Conversar com Luísa? Pedir para se encontrarem em outro contexto que não fosse o hospital? A ideia parecia ao mesmo tempo tentadora e assustadora.
De volta ao hospital, Clara tentava se focar no trabalho. Mas o universo parecia conspirar contra sua tentativa de se manter distante. Poucos dias depois, Luísa apareceu novamente no hospital, dessa vez acompanhando um resgate mais complicado. O paciente, um trabalhador de uma construção que tinha sofrido uma queda, estava em estado grave. Clara foi chamada para ajudar na emergência, e lá estava Luísa, segurando o braço do paciente enquanto os paramédicos o transferiam para a maca.
Os olhos de Luísa encontraram os de Clara por um breve momento. Não houve palavras, apenas um rápido cumprimento de cabeça antes que ambas voltassem ao trabalho. Mas aquele breve contato visual foi o suficiente para fazer o coração de Clara bater mais rápido. Ela tentava se concentrar no paciente, mas sentia Luísa ali, tão próxima, como se o ar ao redor delas estivesse carregado de eletricidade.
Quando o paciente foi finalmente estabilizado, Luísa permaneceu na sala, observando tudo com seu olhar atento de sempre. Clara sabia que era o trabalho dela estar ali, mas não conseguia evitar sentir que aquele olhar estava fixado nela por mais tempo do que o necessário.
- Como está o braço?-, perguntou Clara, tentando disfarçar o nervosismo com um tom profissional. Ela se referia à queimadura leve que havia tratado dias antes.
- Melhor-, respondeu Luísa, com um pequeno sorriso no rosto. - Graças a você.
Clara sorriu de volta, sentindo o calor subir até as bochechas. Queria dizer algo mais, iniciar uma conversa que não fosse sobre trabalho, mas as palavras pareciam presas na garganta. Antes que pudesse pensar em algo, um chamado urgente ecoou pelos alto-falantes do hospital, e Clara teve que sair às pressas para atender a outra emergência.
Luísa ficou ali por alguns segundos, observando Clara desaparecer pelos corredores. Havia algo naquela médica que a fazia querer ficar por perto, mas Luísa sabia que o trabalho vinha em primeiro lugar. Sempre foi assim, e sempre seria.
No entanto, enquanto saía do hospital, sentiu que talvez fosse hora de começar a pensar em outras prioridades.
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À Prova de Fogo ( ROMANCE LESBICO )
RomanceClara: Uma médica recém-formada de 26 anos, que acabou de começar sua residência em um hospital público de uma grande cidade. Clara é dedicada, metódica e tem um coração enorme, mas a pressão da medicina e a constante luta para equilibrar vida pesso...