Capítulo 19:Passos na Tempestade

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O vento da noite cortava a pele de Clara enquanto a moto de Luísa deslizava pelas ruas da cidade. Abraçada à cintura de Luísa, ela sentia o calor do corpo da bombeira contrastando com o frio do ar, uma dualidade que refletia seus próprios sentimentos. Cada curva parecia prolongar a viagem, e Clara se perguntava se Luísa estava tentando ganhar tempo, evitando o inevitável retorno ao apartamento.


Quando finalmente chegaram ao prédio de Clara, a moto parou suavemente na calçada. O motor roncou por alguns instantes antes de Luísa desligá-lo. Clara desceu devagar, o peso das emoções misturado à exaustão física. Ela tirou o capacete, entregando-o para Luísa com um olhar distante.


– Obrigada pela carona – murmurou Clara, incerta sobre o que mais dizer.


Luísa a observou por um instante, segurando o capacete em uma mão e passando a outra pelos cabelos bagunçados pelo vento. – Clara, eu... – ela começou, mas logo interrompeu a si mesma, como se as palavras estivessem presas na garganta.


Clara sabia o que viria a seguir: o convite silencioso para continuar a conversa. A promessa de que as coisas seriam diferentes. Ela suspirou, lutando contra a tentação de simplesmente subir as escadas e se trancar em seu apartamento, afastando-se de tudo aquilo. Mas algo em Luísa, talvez o brilho de arrependimento em seus olhos, a fez hesitar.– Você quer subir? – Clara perguntou, quase sem pensar.


Luísa pareceu surpresa pela pergunta, como se não estivesse esperando por isso.

 – Só se você quiser – respondeu ela, com a voz mais suave do que o habitual.

Clara assentiu, e as duas entraram no prédio em silêncio. A subida pelas escadas foi lenta, cada degrau parecia ecoar com o peso da conversa que estavam prestes a ter. Quando chegaram à porta do apartamento, Clara girou a chave na fechadura e empurrou a porta, acendendo as luzes da sala.


O espaço familiar parecia diferente agora. Era como se o ambiente refletisse a tensão entre elas, com os móveis e objetos ao redor parecendo distantes e indiferentes. Clara jogou sua bolsa no sofá e se virou para Luísa, que ainda estava parada na entrada, sem saber ao certo o que fazer.


– Pode entrar – Clara disse, tentando aliviar um pouco da tensão.


Luísa deu alguns passos para dentro, fechando a porta atrás de si. Ela olhou ao redor, como se estivesse tentando se situar naquele espaço, que de repente parecia pequeno demais para as emoções que ambas carregavam. Clara sentou-se no sofá, e Luísa hesitou antes de fazer o mesmo, mantendo uma distância cautelosa.


O silêncio entre elas era espesso, como se qualquer palavra pudesse quebrar a frágil trégua que tinham estabelecido. Clara passou as mãos pelos cabelos, tentando encontrar as palavras certas para começar a conversa.


– Luísa... – começou ela, olhando para as próprias mãos. – Eu sei que você quer consertar as coisas, mas... eu preciso que você entenda que não vai ser fácil. Não posso simplesmente esquecer tudo o que aconteceu.


Luísa assentiu lentamente. – Eu sei. Não espero que você faça isso, Clara. Mas estou disposta a fazer o que for preciso para recuperar sua confiança. Mesmo que isso leve tempo.Clara levantou os olhos para encontrar o olhar sincero de Luísa. – Mas por que agora, Luísa? Por que você não conseguiu ver isso antes? – A pergunta saiu com um tom de dor, uma ferida ainda aberta.


Luísa respirou fundo, pensando nas palavras certas. – Porque eu estava com medo – admitiu ela, baixando o olhar por um momento. – Medo de perder o controle, medo de me machucar. Eu... sempre fui a pessoa que resolve as coisas, que protege os outros. E quando percebi que estava vulnerável com você, não soube lidar com isso. Então, me afastei.


Clara sentiu uma pontada de compreensão misturada à dor. Ela sempre soube que Luísa carregava um fardo de responsabilidade, mas não imaginava o quanto isso a afetava emocionalmente. – E agora? – perguntou Clara. – Como você vai lidar com isso?


Luísa ergueu o olhar, seus olhos agora cheios de determinação. – Eu percebi que, ao tentar me proteger, acabei te machucando. E me machucando também. Não quero mais viver assim, com medo de me abrir. Eu quero estar com você, Clara. Quero enfrentar isso, passo a passo, como eu disse antes.


Clara ficou em silêncio, processando as palavras de Luísa. Ela queria acreditar, mas o medo ainda estava lá, sussurrando dúvidas em sua mente. Mesmo assim, havia algo nas palavras de Luísa que a fazia querer dar uma chance. Talvez, só talvez, elas pudessem reconstruir o que tinham perdido.


– Eu não sei se estou pronta para isso, Luísa – Clara disse, com honestidade. – Mas... estou disposta a tentar.


Luísa sorriu, um sorriso pequeno, mas cheio de esperança. – Isso é tudo o que eu peço, Clara. Uma chance.


O silêncio voltou a cair entre elas, mas dessa vez não era opressor. Era um silêncio de compreensão, de duas pessoas que, apesar das cicatrizes, estavam dispostas a tentar novamente. Luísa estendeu a mão, e Clara, hesitante, segurou-a. O toque era suave, mas havia uma promessa ali, uma promessa de que, apesar de todas as dificuldades, elas ainda estavam juntas nessa jornada.

Por enquanto, isso era o suficiente...

À Prova de Fogo ( ROMANCE LESBICO )Onde histórias criam vida. Descubra agora