O apartamento de Clara estava mergulhado em uma calma que quase contradizia o turbilhão de emoções que ambas carregavam. O relógio na parede marcava o tempo, mas as horas pareciam perder o sentido naquele espaço onde o silêncio dominava. Clara ainda segurava a mão de Luísa, seus dedos entrelaçados em um gesto que, apesar de pequeno, carregava a promessa de algo maior.
Ela olhou para a mão da bombeira, forte e calejada pelo trabalho, mas que naquele momento parecia tão frágil quanto as palavras não ditas entre elas. Respirou fundo, tentando organizar os pensamentos, enquanto uma onda de cansaço emocional a inundava.
– Quer algo para beber? – Clara finalmente quebrou o silêncio, levantando-se do sofá com uma lentidão que refletia o peso que ainda sentia nos ombros.
Luísa soltou a mão dela com um gesto suave e assentiu, os olhos seguindo cada movimento de Clara. – Água está bom – respondeu, a voz suave, quase hesitante.
Clara foi até a cozinha, enchendo dois copos com água gelada. Enquanto fazia isso, seus pensamentos giravam em torno das palavras de Luísa. Medo. Vulnerabilidade. Era difícil imaginar a mulher forte e decidida que conhecera tendo essas inseguranças. Quando voltou à sala, entregou um dos copos a Luísa e sentou-se novamente, agora mais próxima.
Luísa tomou um gole da água antes de falar, os olhos focados no líquido dentro do copo. – Você tem todo o direito de estar magoada, Clara – começou ela, como se cada palavra fosse pesada. – Eu estraguei tudo, e não vou te pedir para me perdoar tão facilmente.
Clara tomou um pequeno gole, deixando o silêncio preencher o espaço entre as frases de Luísa.
– Não é só sobre o que aconteceu – disse ela, sua voz firme, mas não dura. – É sobre como a gente chegou aqui. Eu não posso ignorar o fato de que tudo isso aconteceu porque você preferiu se afastar a conversar.
– Eu sei... – Luísa murmurou, fechando os olhos por um momento, como se tentasse bloquear a dor. – Eu sempre achei que era melhor guardar certas coisas para mim. Mas agora vejo que isso só fez piorar tudo.
Clara olhou para Luísa, sentindo um misto de empatia e tristeza. Queria dizer que tudo ficaria bem, mas sabia que seria mentira. Em vez disso, se inclinou um pouco mais, seu olhar firme no de Luísa.
– E agora, como a gente faz para seguir em frente? – A pergunta foi direta, sem rodeios, como se Clara quisesse cortar qualquer ilusão que ainda pudesse existir entre elas.
Luísa colocou o copo na mesa de centro e se virou para Clara, seus olhos refletindo uma mistura de determinação e arrependimento.
– Eu acho que a única maneira de seguir em frente é sendo completamente honesta, mesmo quando for difícil. Parar de me esconder atrás do medo e encarar as coisas de frente. Eu... quero ser alguém em quem você possa confiar, Clara. Alguém que não vai fugir quando as coisas ficarem complicadas.
Clara sentiu um nó na garganta, mas engoliu em seco, mantendo a compostura.
– E como eu vou saber que isso é verdade? – Ela perguntou, a vulnerabilidade finalmente surgindo em sua voz.
Luísa estendeu a mão, tocando o rosto de Clara com delicadeza. – Você não vai saber de imediato. Mas quero te mostrar com o tempo. Vou estar aqui, ao seu lado, sem fugir. Vou provar que estou comprometida com isso, com a gente.
As palavras de Luísa eram sinceras, e Clara podia sentir o peso delas, mas o medo de se machucar novamente ainda estava presente. Ela se afastou levemente do toque, inclinando-se contra o encosto do sofá.
– Eu preciso de tempo, Luísa. Preciso de espaço para processar tudo isso. Não posso simplesmente voltar ao que éramos antes.
Luísa assentiu, embora a dor fosse evidente em seus olhos.
– Entendo, Clara. Eu estou disposta a te dar o tempo que precisar. Só quero que saiba que, quando estiver pronta, estarei aqui.
O silêncio voltou a cair entre elas, mas dessa vez havia uma leveza, como se as palavras tivessem trazido uma pequena claridade para o caos. Clara sabia que o caminho à frente seria difícil, mas pela primeira vez em muito tempo, ela sentiu que talvez houvesse uma possibilidade de reconstruir o que tinham perdido.
Por enquanto, isso era tudo o que poderiam fazer – seguir passo a passo, mesmo que ainda houvesse dúvidas no caminho.
VOCÊ ESTÁ LENDO
À Prova de Fogo ( ROMANCE LESBICO )
RomanceClara: Uma médica recém-formada de 26 anos, que acabou de começar sua residência em um hospital público de uma grande cidade. Clara é dedicada, metódica e tem um coração enorme, mas a pressão da medicina e a constante luta para equilibrar vida pesso...