O som das sirenes cortava o ar da noite, ecoando pelas ruas enquanto as luzes vermelhas e azuis piscavam intensamente, iluminando o caos que se desenrolava à frente. O incêndio tomava conta de um prédio residencial, as chamas subindo vorazmente pelos andares, enquanto a fumaça espessa obscurecia o céu noturno.
Clara estava de plantão no hospital quando o alerta chegou. O som das sirenes trouxe consigo um peso familiar, um nó de preocupação que se formava em seu estômago sempre que algo assim acontecia. Ela sabia que Luísa estava trabalhando, e em situações como essa, a linha entre o pessoal e o profissional se tornava dolorosamente tênue. No entanto, a médica em Clara sabia que precisava focar em seus pacientes. O amor por Luísa pulsava no fundo de sua mente, mas a urgência do dever a dominava naquele momento.
Quando os primeiros pacientes começaram a chegar ao hospital, Clara estava preparada. Queimaduras de todos os graus, inalação de fumaça, fraturas — o caos estava instalado, e ela, junto com sua equipe, se movia com rapidez e precisão. Cada segundo contava, e Clara mergulhava de cabeça no trabalho, tentando controlar a onda crescente de adrenalina.Mas então, uma imagem perturbadora capturou sua atenção. Luísa entrou pela porta da emergência, andando de forma instável, o rosto manchado de sangue. O corte em sua testa parecia profundo, e o sangue escorria pela lateral de seu rosto, pingando no chão. O uniforme de bombeira estava sujo, desgastado, e Clara sentiu seu coração parar por um momento ao vê-la assim. O instinto era correr até ela, mas Clara sabia que não podia. Havia outros pacientes em situação crítica que precisavam de sua atenção imediata.
– Luísa! – Clara exclamou, seu coração disparado, mas sua mente lutando para manter o foco.
Luísa tentou sorrir, um gesto fraco e desajeitado, enquanto segurava o lado da cabeça, onde o sangue fluía. Ela acenou para Clara, tentando mostrar que estava bem, mesmo quando seus passos estavam vacilantes. Clara queria desesperadamente correr até ela, mas ao mesmo tempo, viu o olhar implorante de uma mulher que acabara de chegar com queimaduras graves nos braços. Ela tinha que fazer uma escolha.
– Você precisa ser atendida! – Clara disse, tentando não deixar sua voz tremer.
– Estou bem... – Luísa começou, mas sua voz foi abafada quando uma das médicas do plantão, a Dra. Helena, aproximou-se rapidamente. Helena era uma médica experiente, com uma postura firme e confiável.
– Eu cuido dela – Helena disse, lançando um olhar compreensivo para Clara. – Vá cuidar dos outros pacientes.
Clara hesitou por um segundo, o coração apertado pela preocupação. Seus olhos encontraram os de Luísa, uma mistura de desespero e confiança passando entre elas. Com um aceno relutante, Clara voltou-se para os outros pacientes, deixando Luísa aos cuidados de Helena. Cada passo de volta para a linha de atendimento parecia um peso insuportável, mas Clara sabia que era a coisa certa a fazer.
Helena conduziu Luísa para uma das salas de atendimento, fazendo-a sentar-se na maca enquanto inspecionava o corte na testa.
– Isso parece profundo, mas vamos cuidar disso – disse Helena com calma, pegando o material necessário para estancar o sangramento.
Luísa fechou os olhos por um momento, tentando processar tudo. O incêndio havia sido devastador, e o calor das chamas ainda queimava em sua memória. Ela havia conseguido salvar muitas vidas, mas um pedaço de concreto havia caído do teto enquanto ela ajudava uma família a sair do prédio. O impacto fora forte, deixando-a desorientada. Agora, o cansaço e a dor começavam a se manifestar enquanto a adrenalina diminuía.
Helena limpou o ferimento com cuidado, o toque gentil contrastando com o que Luísa havia enfrentado há poucos minutos. O som distante das vozes no hospital, o cheiro de antisséptico e o brilho das luzes fluorescentes criavam uma atmosfera surreal.
– Você teve sorte – disse Helena, concentrada enquanto suturava o corte na testa de Luísa. – Mais alguns centímetros, e poderia ter sido muito pior.
Luísa abriu os olhos, focando-se em Helena, mas sua mente estava em outro lugar. Estava em Clara, cuidando de pacientes, mantendo o profissionalismo mesmo quando tudo dentro dela provavelmente gritava para correr até Luísa. A força de Clara era algo que Luísa admirava profundamente, e naquele momento, sentiu-se ainda mais conectada a ela, mesmo sem palavras.
Quando Helena terminou, ela colocou um curativo sobre o ferimento e observou Luísa com um olhar clínico.
– Você precisa descansar, está exausta – recomendou Helena. – E nada de voltar para o trabalho agora, entendeu?
Luísa tentou protestar, mas seu corpo traía seu cansaço. Ela apenas assentiu, ciente de que, por mais que quisesse voltar para o campo, não estava em condições de fazê-lo.
– Obrigada, doutora – Luísa murmurou, sua voz suave, enquanto Helena dava um tapinha em seu ombro e saía da sala.
Sozinha por um momento, Luísa fechou os olhos e respirou fundo. A imagem de Clara ainda estava viva em sua mente, e o desejo de vê-la era esmagador. No entanto, sabia que Clara estava onde precisava estar, e isso era algo que ela respeitava profundamente.Quando Clara finalmente encontrou tempo para verificar Luísa, ela entrou na sala com o coração acelerado. Lá estava Luísa, sentada na maca, mais pálida do que o normal, mas com um sorriso fraco no rosto.
– Você está bem? – Clara perguntou, aproximando-se rapidamente, os olhos cheios de preocupação.
Luísa assentiu, estendendo a mão para segurar a de Clara.
– Estou bem agora – respondeu, apertando suavemente a mão de Clara. – Você fez o que precisava fazer, e eu estou aqui... inteira.
Clara suspirou, o alívio finalmente tomando conta de seu corpo. Ela inclinou-se e beijou Luísa na testa, bem ao lado do curativo.
– Eu estava tão preocupada... – sussurrou Clara, sentindo a tensão começar a desaparecer.
– Eu sei – Luísa respondeu com um sorriso. – Mas você foi incrível lá fora, como sempre.
Clara sorriu, sentindo o calor das palavras de Luísa. Apesar de tudo o que havia acontecido, ali estavam elas, juntas, mais fortes do que nunca.
Enquanto o som das sirenes ainda ecoava do lado de fora, Clara e Luísa se abraçaram em silêncio, cientes de que, por mais difícil que fosse a realidade que enfrentavam, elas tinham uma à outra para suportar qualquer tempestade que viesse.O hospital ainda estava em estado de alerta, mas naquele pequeno momento, tudo ao redor parecia se acalmar.
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À Prova de Fogo ( ROMANCE LESBICO )
RomanceClara: Uma médica recém-formada de 26 anos, que acabou de começar sua residência em um hospital público de uma grande cidade. Clara é dedicada, metódica e tem um coração enorme, mas a pressão da medicina e a constante luta para equilibrar vida pesso...