Pran
O despertador toca com um som estridente, quase desesperador, que ecoa pelas paredes sem ter para onde ir, tento alcançar ele enquanto amaldiçoo o momento em que aceitei a oferta do meu tio de usar o seu porão como quarto. Pareceu uma boa ideia não precisar pagar aluguel e ter alguém conhecido por perto, mas eu me arrependo, não apenas pelo porão sem janelas, frio, sombrio e claustrofóbico, mas também por ter voltado, devia ter ficado em Connecticut com os meus alunos e amigos.
Chuto o cobertor fino para longe e levanto, ficar me lamentando não vai me fazer voltar no tempo, muito menos ajudar no que está por vir.
Tomo banho, me troco e vou para a cozinha, o meu tio deixou café pronto pra mim, mas apenas isso, vou ter que comprar alguma coisa pra comer no caminho.
Confiro o horário e respiro fundo, ficar me enrolando também não vai me ajudar a voltar no tempo, então é melhor ir trabalhar de uma vez.
Chego na escola sendo perseguido pelos olhares cheios de julgamentos das funcionárias que cuidam da limpeza, elas provavelmente tem uma opinião parecida com as mães dos meus alunos.
Estou tentando não deixar nada disso me afetar, prometi para a minha mãe que voltaria para casa e seguiria o meu sonho aqui, mesmo depois que ela faleceu eu quis fazer isso por ela, para honrar o seu nome. O meu pai foi contra, ele me levou para os Estados Unidos quando ainda era jovem e nunca mais quis voltar, odeia esse país e qualquer coisa relacionada a ele, incluindo a minha mãe.
Entro na minha sala e olho em volta, tudo está perfeitamente organizado, se não fosse pelo desenho que o Dean fez ontem poderia dizer que alguém esteve limpando, mas não, a sala só é um lembrete do que aconteceu, os pais indo embora com os seus filhos, aquele único rapaz me defendendo, aquela criança esperta e adorável que me fez companhia e desenhou um céu com nuvens que parecem algodão doce para me animar. Ele me contou a sua história, a mãe o abandonou quando ainda era um bebê, ela queria ser atriz e foi atrás do seu sonho. O pai não fala sobre ela, mas isso não impede que as outras pessoas contem para ele coisas que são pesadas demais para alguém da sua idade.
O menino idolatra o pai, ele me pareceu uma pessoa interessante, um pouco peculiar, com uma mente simples, quase infantil, mas, pensando bem, quando ele me defendeu de forma corajosa e imponente deu pra ver que não é assim.
Sorrio vendo a nuvem que pensei ser um algodão doce e lembro do menino que falava sem parar, misturando a sua curiosidade sem fim com fatos da sua vida. Penso em pendurar o papel na parede, mas mudo de ideia, dobro e guardo na minha carteira, afinal o garoto desenhou para mim.
O sinal toca me assustando e eu tento me preparar para o que está por vir, a diretora pediu para eu ter paciência, os pais valorizam muito a educação para deixar os filhos fora da escola, então as crianças aos poucos vão aparecer, mas não posso deixar de me sentir culpado e injustiçado por toda essa situação.
Paro ao lado das professoras que estão conversando, uma delas olha para trás, sorri e fala alguma coisa para as outras que sorriem também.
- Ele é muito lindo!
A professora mais jovem olha na mesma direção que a outra e fala isso um pouco mais alto, acho que dessa vez a intenção era ser ouvida, procuro pelo alvo dessa afirmação e vejo o Dean parado de frente para o pai que está abaixado conversando com ele. O rapaz levanta e eu tenho que rir, ele pode não ter uma mente infantil, mas a alma com certeza é. O pai do menino está com uma pantufa que é a cabeça de um dinossauro, um calção jeans manchado de tinta e a mesma camiseta rasgada que usou ontem, os pequenos buracos no seu peito e barriga não deixam muito para a imaginação, ele tem um corpo bem definido e tenho que concordar com as professoras, ele é muito lindo.
O garoto me vê, começa a pular no lugar acenando pra mim e gritando.
- TITI! TITI!
O seu pai o pega no colo e vem na minha direção conversando com o filho, acho interessante que ele sempre mantém o foco no Dean, mesmo com toda a atenção que está recebendo, tanto das professoras quanto de mães que parecem gostar dele tanto quanto gostam de mim.
- Ele não é seu tio, Goldinzinho, é seu professor.
O menino revira os olhos e responde confiante.
- Eu sei, pai, é assim que chamam os professores de onde ele vem, titi.
Eu dou risada fazendo os dois olharem pra mim.
- Teacher, Dean, é assim que se pronuncia.
Ele me olha confuso, acho que não vê diferença. Estendo a mão e ele se inclina na minha direção, o pai o puxa de volta, beija o seu rosto, então dá dois passos parando bem na minha frente.
- Bom dia, professor!
- Bom dia, pai!
Sinto o cheiro forte do seu perfume quando ele se inclina para colocar o filho nos meus braços, as suas mãos me tocam despreocupadamente, primeiro no cotovelo, depois o braço se certificando que o menino está seguro, então sorri. O meu rosto esquenta quando o formigamento na minha pele denuncia o quanto gostei do seu toque, dou dois passos para trás me afastando e tento me concentrar no menino.
- Temos que esperar as outras crianças aqui, Dean.
- Tá!
- Pode ficar parado ali.
Ele vai para onde eu mandei e fica de frente pra mim, é realmente um garoto esperto.
- Você está bem, professor?
- Eu?
- Sim, sobre ontem... Eu sei como as pessoas daqui são...
Lembro dele falando sobre ser julgado por ser pai solo, deve ser muito difícil manter esse sorriso passando por situações assim todos os dias.
- Eu estou bem, obrigado.
Ele acena como se a minha resposta fosse suficiente para o convencer que está tudo bem e olha para o filho que está no mesmo lugar esperando. De repente escuto aquela professora falando mais uma vez sobre a sua beleza, dessa vez ele olha na sua direção e para de sorrir, isso me surpreende, mas não tanto quanto as palavras que vem a seguir.
- Você não é daqui, não é? Quer sair beber?
- O que?
- Eu faço bico de garçom em um bar, hoje vou trabalhar, aparece lá, eu te mostro a cidade, mas já vou avisando, não tem muito pra ver.
Estou pensando em uma forma educada de recusar quando uma mulher se aproxima com uma criança, viro para a cumprimentar a mãe que não parece muito feliz ao me ver, o rapaz bate no meu braço e fala enquanto se afasta sorrindo.
- Te vejo a noite, Teacher!

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Daddy
FanfictionPat, um pai solteiro que enfrenta as dificuldades de criar seu filho sozinho, e Pran, um professor primário recém-chegado que luta para ser aceito em seu novo emprego, têm seus caminhos cruzados quando Pran começa a dar aulas para o filho de Pat. Em...