CAPÍTULO QUARENTA

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MANUELLA

Estaria mentido se dissesse estar desconfortável. Mesmo com a roupa diferente do habitual, a farda pesada, o vestido curto e apertado não me incomodava. Dei um passo para dentro do baile e senti a eletricidade da música. Fazia muito tempo. Tanto tempo que por alguns instantes me senti fora do ar, como se eu fosse um expectador no meio de tanta gente e tanta luz. Senti o esbarrão antes que eu pudesse me virar, duas minas entraram gargalhando e eu me encostei na parede lateral deixando mais pessoas passarem.

Suspirei tentando colocar a minha mente no lugar e encarei o palco. Dali, de onde estava, podia ver o "garoto" cantando. Ele não deveria ter 16 anos, era magro e coberto de tatuagens e a voz inundava as caixas de som numa melodia até que afinada. Respirei fundo algumas vezes e atentamente deixei que meus olhos mapeassem o local. Era a mesma coisa de antes, quase da forma em que eu me lembrava, a única diferença era que ao invés de ter apenas uma área para camarote, havia duas, deixando o palco do MC e a pista, no centro, e os bares embaixo dos camarotes.

Respirei fundo novamente, dessa vez tentando acalmar as batidas descontroladas do meu coração. Tirei as mãos da parede e dei um passo, e mais um... e outro. Parei no meio do baile, onde quase não dava pra me mover, onde a galera gritava e dançava. Era uma sensação boa, antiga e quase normal.

Fechei os olhos enquanto a música alta me fazia sorrir. Era a primeira vez que entrava sozinha num baile, sem Luana, sem PL ou qualquer ligação com o crime. Apenas eu. Segui a música, levantei os braços e deixei que a melodia alegre levasse o meu corpo... minha mente viajou sem que eu pudesse impedir. Lembrei das noites passadas com a Luana, nossa parceria inabalável, nossa cumplicidade no meio da confusão e dos riscos. Uma saudade dolorida tomou conta de mim.

O Rosto da Sofia entrou em foco e vi o seu sorriso, o dia que fomos a praia, os dias de baile, as brigas com o Conan e a forma carinhosa e amorosa que sempre foi. As batidas da música aumentaram e ouvi o PL, suas crises de ciúmes, a forma engraçada e exagerada, os nossos momentos de amor e carinho... seu toque.

Abri os olhos, sentindo uma mistura de nostalgia e uma pontada de tristeza. Havia abandonado tanta coisa, tantas pessoas que marcaram minha vida. E ali, no meio daquele baile, tudo parecia voltar com uma força ferrada! Olhei novamente para o MC, ele cantava sobre o crime, sobre o arrependimento. O toque não só "me" levava, levava automaticamente todos a minha volta, como se a gente estivesse ligado num fio invisível na direção das batidas.

Fechei os olhos e, de repente, senti alguém esbarrar em mim novamente, dessa vez de forma mais gentil. Virei-me... E lá estava ele, não me olhando, mas bebendo e encarando o palco, como se estivesse ali por acaso. Sorri. E ele me encarou. O PL era um homem que chamava atenção, as tatuagens que cobriam seus braços e pescoço eram algo para serem admiradas e que compunham o poder que ele emanava. Seus olhos, de um castanho profundo, eram tão hipnotizantes quanto perigosos, brilhando com uma intensidade que sugeria uma mente sempre alerta e estrategicamente calculista.

— A Sofia mudou o plano?

— E tu decidiu vir sem roupa? — Sorri e olhei pra frente.

Os olhares já estavam sobre nós. A música já não tinha mais tanto efeito quando antes, o casal estranho no meio do baile era uma atração melhor do que as batidas do funk.

— Gostou? — Ouvi sua risada.

— Pra caralho. Não viu os olhares desses cuzão na tua direção? — Continuei a sorrir.

— Não quero saber deles, tem alguém mais interessante do meu lado. — O encarei novamente e seus olhos ainda me devoravam.

— Só temos um b.o. — Concordei e ele sorriu.

— Já imaginei.

— Geral acha que matei a minha de fé... queimada.

— Dizem que eu atraio o perigo. — Ele riu alto.

— A fofoca vai correr solta, tá ligada nisso? — Concordei. — Vão achar que tu é a próxima.

— Eu sei... — Ele sorriu e desejei beijá-lo, assim eu poderia lembrar do nosso primeiro encontro. — E o que a gente faz?

— Dança?

— Quer dançar comigo, PL? — Seus olhos saíram dos meus e foram até a minha boca.

— Queria te beijar e te foder.

O Crime Perfeito - Livro 4Onde histórias criam vida. Descubra agora