A primeira acusação de que algo estava errado foi o cheiro – um odor úmido, estranho, com uma acidez pesada, quase sufocante. Abri os olhos lentamente, piscando contra uma escuridão densa, que parecia absorver qualquer vestígio possível de luz.
Eu estava deitado sobre algo frio e rígido, e meu corpo parecia estar envolvido por um silêncio opressor e a estranheza da sensação nada acolhedora que pairava pelo ar. Quando me sentei, ainda meio atordoado, percebi que o chão era de pedra, mas de um tipo que jamais vira antes: de cor preta e levemente cintilante, entrecortada por pequenas fissuras que simplesmente respingavam filetes de uma luz fosforescente.
Meus sentidos ainda tentavam se ajustar àquele ambiente inóspito. Ao meu redor a névoa espessa e densa dançava no ar, flutuando como se fosse dotada de vida própria, e o calor era incomum, como se cada respiração me queimasse levemente a garganta. Eu me levantei devagar, deixando que meus dedos tocassem aquela rocha fria e tentando organizar minha mente. Onde eu estava?
Foi quando ouvi o som – um farfalhar suave, como o movimento de algo cortando a água. Virei-me na direção do som e, então, o avistei.
À minha frente, o rio, vasto e sombrio, cortava o horizonte em uma faixa de águas negras, espessas, que refletiam vagamente as luzes fantasmagóricas da escuridão ao redor. A superfície do rio era quase imóvel, mas o barulho das águas ecoava em meus ouvidos, como se cada onda sonora emitida fosse um lembrete de algo que eu deveria temer, embora não soubesse bem o quê.
Aquele rio parecia vivo, como se as águas escondessem segredos há muito esquecidos, mistérios que ninguém jamais deveria descobrir. Cada ondulação sutil parecia um sussurro, palavras abafadas que me chamavam para mais perto, quase como se o rio desejasse me engolir. A tensão não era palpável, contendo de uma presença invisível, uma força primitiva e opressiva que parecia pulsar junto com o movimento das águas, como se o próprio rio estivesse vivo, respirando em um ritmo sombrio.
E ali, parado em pé dentro de um pequeno barco de madeira velha e estilhaçada, estava ele. O homem alto, esguio e encapuzado, com os pés descalços firmemente plantados no centro da embarcação. Seu rosto estava oculto pela sombra de seu capuz, mas eu podia ver o brilho peculiar de seus olhos – uma luz gélida e desconcertante. Era Caronte. O barqueiro do submundo, eu concluo. Seu silêncio era quase uma presença tangível, e eu sabia que, de alguma forma, ele esperava por mim.
Por mais surreal que aquilo fosse, agora eu sabia exatamente onde estava.
E estar ali me causava a cada vez mais uma sensação tão intensa que parecia penetrar na minha pele, como se tentáculos invisíveis me puxassem para a escuridão. As sombras ao redor se mexiam, dançando em um ritmo que eu não consegui entender, como se tudo ao meu redor estivesse me testando, esperando para ver esperando para ver se eu tinha coragem de dar o próximo passo.
Havia algo de ameaçador na expectativa silenciosa na qual eu me encontrava. Um teste que eu não entendia, mas sabia que era inevitável. O próprio ambiente me proporcionava uma prova de meu achismo, uma prova de que eu realmente estava nesse lugar, mesmo que tudo dentro de mim gritasse que eu não deveria estar ali.
Algo estava errado.
As sombras ao meu redor começaram a pulsar, mudando de forma, quase como se esperneassem pela própria vida, e cada uma delas parecia carregar um fragmento de lembranças antigas, de almas que tinham suas marcas no tempo, memórias distorcidas de quem outrora também cruzara esses limites. Cada sombra parecia conter um pedaço de história, de dor, de despedidas não ditas, de promessas quebradas e esperanças desfeitas. Era como se todo o lugar estivesse impregnado com os ecos das vidas que tinham passado e se perdido, agora confinadas nesse submundo, assim como eu.
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A Queda de Eros | Minsung
FanfictionEros, o cupido, cuja existência era proveniente do poder inestimável do amor, já não acreditava mais que tal força existisse dentro de si, uma vez que suas flechas já não surtiam mais o efeito que deveriam. Quando as madeixas douradas e cintilantes...