Embarque

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A estação de trem estava incrivelmente lotada, homens com câmeras nas costas nos filmam de vários ângulos, alguns deles jogavam a câmera para cima, fazendo-a abrir pequenas hélices, entrar em pleno voo e sair dando voltinhas sobre a gente. Em uma tela pequena nas costas de um dos homens eu vejo um garoto de olhos penosos, ombros caídos e punhos cerrados, ao seu lado uma garotinha esbanja felicidade, acenando para uma câmera e mandando beijinhos para outra, o garoto sou eu. Eu é quem estou parecendo a criança de doze anos, com o medo estampado no rosto. Respiro fundo, dou o sorriso mais forçado da minha vida e balanço a mão para algumas câmeras.

Ficamos um longo tempo na porta do trem enquanto as câmeras devoravam nossas imagens. Eu bem que poderia fazer como uma vitoriosa do nosso Distrito, a Johanna Mason, fingir ser fraco chorando pelos cantos. Mas quando chegar na arena matar muitos da forma mais brutal, mas eu tenho certeza de que todos já desconfiariam. Aceno para mais duas câmeras e as portas do trem se abrem, assim que entramos as portas se fecham e o trem entra em movimento.

A velocidade do trem é incrível, no começo eu fiquei tonto e quase vomitei, mas em seguida eu voltei à minha estabilidade. O hall de entrada era de longe mais bonito que a sala em que estávamos no prédio da justiça, as paredes verdes de veludo ficavam amareladas no topo, um lustre de cristais vermelhos caia sob o teto, e os moveis de madeira emitiam um aroma especial de carvalho. Eu conheço o cheiro de carvalho perfeitamente, é minha árvore favorita, e além do mais, perto da minha casa, depois de um pequeno riacho é possível encontrar uma floresta repleta dessas enormes árvores.

Uma voz feminina rompe de algum lugar do teto.

— Sejam bem vindos ao expresso dos Jogos Vorazes, trem do Distrito 7. Vocês devem se dirigir ao corredor da direita, nele vocês encontrarão portas com seus nomes, entrem em seus respectivos quartos, banhem-se, se vistam e vão até a sala de jantar, lá o mentor estará esperando. Boa noite! — quando a voz cessa, tudo fica em silêncio e nós seguimos para o corredor da direita.

Cada um de nós recebe um aposento com um quarto, um banheiro e um vestíbulo. Em qualquer canto que você olhe no vestíbulo é possível ver gavetas repletas de roupas, ou até mesmo manequins vestindo roupas de lenhador. Abro algumas dezenas de gavetas até encontrar o par de roupas perfeito: Uma camisa verde de lã, uma calça preta e um sapato. Dispo a roupa que minha mãe tanto ama e tomo uma chuveirada, em seguida me visto.

Na saída do quarto Celly me espera ao lado de Circe para me acompanhar até a ceia. Passamos por um longo corredor até chegar a uma sala enorme revestida de madeira, no meio da sala se encontra uma mesa de vinte lugares repleta de pratos incrivelmente brancos e quebrantes, mas só tem cadeiras suficientes para quatro pessoas, em uma das cadeiras da ponta está sentado o nosso mentor, um homem alto e forte. Ele foi o nosso último vitorioso e por isso tem que nos ensinar como é e como sobreviver na arena.

— Oi, Ethan! — disse Celly balançando a mão e sentando na cadeira oposta — Podem sentar crianças, — Ela aponta para as cadeiras — fiquem à vontade!

— Olá, Celly! — Ele responde esticando os braços atrás da cabeça.

— Bem, hoje o dia foi realmente exaustivo — Ela aperta algo embaixo da mesa e esfrega as mãos — Onde está o jantar? Sorte que depois do atraso infernal do ano passado, ficou apenas uma representante para cada Distrito, pois se não eu ainda teria que partir para mais cinco... — Ela olha o prato vazio — Onde está o jantar? — e aperta novamente algo embaixo da mesa.

Em seguida, não menos de um minuto, um batalhão de pessoas entra no salão e serve a refeição. Pratos com camarão e peixe deslizam pela mesa, uma bandeja de arroz colorido é pousada no centro e as nossas taças são preenchidas com vinho tinto, ou no caso da Circe, suco de morango.

Na mesa tinham tantos talheres e tantas taças que eu não sabia qual usar, minha sorte foi que minha mãe sempre nos ensinou etiquetas, ela queria que fossemos uma família feliz e unida. E educada. Então, por via das dúvidas, eu usei o garfo médio e sua respectiva faca, a taça, eu bebi na que tinha o vinho.

O jantar inteiro eu não abri a boca, até porquê a Celly e o Ethan não paravam de falar, bem, na verdade a Celly é quem não parava de falar, o Ethan só fazia confirmar com a cabeça ou olhar as horas em seu relógio. De vez em quando a Celly nos olhava e perguntava coisas do tipo: "Aqui no Distrito 7 não tem um ensopado de lêmure desse jeito, não é?", "Por que você não experimenta o pudim de leite do Distrito 10?'', ou até mesmo: "Não se preocupem, todos os dias vocês terão jantares assim!". Fora isso, o jantar foi bom.

Depois do jantar nós fomos para o vagão de entretenimento para assistirmos a reprise da abertura dos jogos vorazes e conhecer nossos oponentes na arena. Tudo começou com o pronunciamento do presidente Snow, um cara não muito simpático, mas bastante elegante, depois veio o hino de panem, e a colheita em cada Distrito. O primeiro Distrito nem precisou de sorteio, como sempre, eles mesmo se voluntariaram, isso também aconteceu no Distrito 2, o quarto Distrito também teve um voluntário, um cara que resolveu ir no lugar de um garoto de doze anos, no Distrito 5, um Tributo com braço mecânico com suas engrenagens todas expostas, no 6 um par de crianças de doze anos e, enfim, o meu Distrito.

O emblema do Distrito 7 paira na tela e, rapidamente, ele é substituído pela imagem do presidente começando o seu pronunciamento, depois ele apresenta a Celly e ela vai até o pódio, coloca a mão na bola de vidro repleta de pássaros, e diz o nome da minha irmã, a câmera acompanha o voo do pássaro e filma a Circe balançando o braço, em seguida é a vez do Tributo masculino, a Celly vai novamente até a bola, pega um papelzinho e diz meu nome, senti calafrios nessa parte, a câmera acompanha novamente o voo da pequena ave e me visualiza. Para não ver minha cara de "caramba, eu vou pra arena, certamente eu vou morrer" eu olho para um canto da enorme tela e vejo tudo que eu menos queria ver: a morte do meu pai.

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