O Bilhete

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Eu sonhei. Dessa vez não foi com lagoas, roupas lavadas, armas e meu pai. Dessa vez eu estava em um longo campo verde, a grama era linda e se espalhava por todos os lados. Eu estava correndo de algo. Mas não era correndo de medo. Era correndo em uma brincadeira de criança. Realmente eu era uma criança, eu tinha sete anos, havia faltado aula para ir tomar banho na lagoa, meus amigos e eu estávamos correndo para ver quem chegava em primeiro, e eu, como ótimo corredor que sou, estava em último. Então, como a lagoa já estava em plena vista, apertei meu passo, pois os da frente já haviam reduzido, devido ao cansaço, e ultrapassei todos. Joguei minha mochila no chão, em euforia, tirei os sapatos e a camisa. Continuei correndo até o lago, onde eu dei um pulo de bomba e explodi em felicidade dentro daquela água plácida e transparente, lá embaixo, eu com as bochechas inchadas de ar, via os bagres e os salmões nadando, se arrastando entre as algas. Eu ouvia o barulho dos outros meninos caindo na água, pareciam pedras, todos com os joelhos encolhidos, e os braços envolta do corpo, os mais principiantes seguravam o nariz com a mão, para a água não entrar. Sete alunos fujões. Esse foi um dos melhores dias da minha vida, todos os meus amigos sorrindo e se orgulhando de mim por ter chegado em primeiro, todos jogando água na cara um do outro. Todos felizes.

Quando acordei o dia estava lindo. Todos estavam dormindo, inclusive o Kyle, que deveria não estar o fazendo. Ao meu lado repousava uma caixinha cinza com um paraquedas. Patrocínio. Ao lado da caixinha estava escrito no chão com letras de forma: ME ACORDE QUANDO FÔR ABRI-LO, QUERO ABRI-LO JUNTO COM VOCÊ. Com certeza foi a Zoe que escreveu isso.

Me levantei com a mão na coluna. Dormir a noite inteira em uma mesma posição não é bom. Olhei para cima, a posição do sol revelava que eu havia dormido oito, ao invés de sete horas. Parabéns, Arion! Pensei. Andei até o saco da Zoe e empurrei suas costas com o pé.

— Zoe!

Ela murmurou e se virou, colocando a palma da mão na cara para tapar o sol.

— Zoe, — repeti — Acorda!

Ela abriu os olhos devagar e me olhou. Ela sorriu.

— Você me acordou mesmo, — ela abriu o saco e esfregou os olhos — Que bacana!

Ela se esticou um pouco e pegou a caixinha dela marcada com: ZOE UNIQUE, D2. Olhei a minha caixa para ver se eu encontrava o meu nome, e realmente encontrei: ARION AXEMAN, D7.

— Você sabia que na caixinha havia o nosso nome? — eu perguntei.

— O tempo todo. — ela respondeu.

Fiquei olhando para a caixinha, incrédulo de como eu nunca havia reparado nisso.

— Você vai ficar o dia todo olhando para a sua caixa, ou vai abrir? — ela perguntou com um tom irônico — Eu garanto que não tem o seu endereço nela.

Me sentei ao seu lado.

Girei a tranca, e a caixa com meu nome abriu, revelando cinco latinhas de sopa de legumes.

— Comida! — exclamei com o sorriso nos lábios. — Era o que precisávamos.

— E o bilhete? — Zoe perguntou.

— Ah, deixa eu ver.... — puxei o bilhete e ele veio, todo azul e com letras douradas — Coma tudo, ou reparta com seus aliados. – Celly e Ethan. — vou dividir, claro! — Aqui tem cinco sopas, e cinco Tributos! — olhei para a caixinha dela — O que tem aí?

— Vou olhar! — ela respondeu.

Ela girou a tranca, e caixa abriu em um ruído. Dentro dela haviam dois cantis de couro e plástico.

— Estão com água? — ousei perguntar.

Ela sacudiu um, depois sacudiu o outro.

— Aham. — ela respondeu.

— O que tem no bilhete? — ousei perguntar outra vez.

Ela tateou em busca ao bilhete, e o encontrou arqueando as sobrancelhas.

Ela se encostou na parede e o leu silenciosamente. Quando terminou, ela olhou para mim com os olhos arregalados.

— Leia! — ela disse.

Peguei o bilhete e li. AO CONTRÁRIO DE ONTEM, HOJE HAVERÁ MORTES NA ARENA. DEÊM O SEU SHOW! – PRESIDENTE SNOW. Fiquei sem o que falar, o que será que Snow teria guardado para nós. O dia perfeito estava virando trevas.

Acordei todos, um por um, e disse que era melhor tomarmos café e sairmos dali o quanto antes. Mostrei o bilhete e todo mundo ficou chocado. Distribuí as sopas, todos comeram. Arrumamos as coisas e partimos para o lado oposto ao que viemos.

O sol queimava as nossas costas. O Vento era quente demais, para uma manhã. O calor estava insuportável. Em menos de uma hora, nós cinco secamos o primeiro cantil.

— Que calor horrível! — disse Vênus — É melhor descansarmos um pouco. — ela se sentou no chão, à sombra da enorme e fria parede de pedra que constituía o labirinto.

Fizemos o que Vênus havia dito e comemos o resto dos cereais que havia sobrado.

Misty ficou olhando para ela com a cara de: Quem é você para nos dar ordens?

Ela se sentou ao lado de Kyle, segurando o braço dele.

— O que é que você tem, Misty? — Kyle perguntou.

— Nada, Kyle. Porque?

— É que você está estranha desde que a Vênus entrou no grupo.... — ele virou o queixo dela, para que eles se olhassem nos olhos — Se você estiver com ciúmes, é melhor se lembrar que ela tem apenas treze anos, — ele apontou Vênus brincando com o cantil, que ela disse, momentos antes, que parecia uma galinha — e que eu não trairia você, nunca! — ele beijou ela — Isso que você está fazendo, está me deixando mal. Desconfiando de mim... — ele se levantou e foi para onde nós estávamos.

Ele deixou ela lá, sozinha. Afogada em seus pensamentos, sentindo ainda os lábios dele na boca dela.

— O que aconteceu? — perguntei. Vi Misty lá atrás, tentando conter as lágrimas.

— Miss, com os ciúmes bestas dela... — ele respirou fundo — Parece até que ela não confia em mim.

Eu cruzei os braços, e fiquei olhando para a Zoe brincando com Vênus.

— Eu não sei nem o que dizer, Kyle...

— Tudo bem! — ele disse — De vez em quando ela tem esses surtos de ciúmes, não é a primeira vez...

O estouro do canhão reverberou bem nos nossos ouvidos, algum Tributo morreu por perto.

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