Expresso para a Capital

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No canto da enorme tela, próximo ao brasão da TV CAPITAL, eu vejo um homem gordo se levantando, gritando e descendo as escadas da arquibancada empurrando pessoas e pacificadores, uma mulher de meia idade o seguia tentando acalmá-lo e fazendo esforço algum para conter as lágrimas, de repente um pacificador aparece, ele segura o tumultuador pelo pescoço e o faz olhar em seus olhos, ele fala algo e cospe no rosto do pacificador que o solta e limpa a face com as costas da mão, enquanto o homem gordo parte descendo as escadas, até que é parado por um tiro que o pacificador disparou em sua nuca. O homem gordo cai. E a cena muda, na tela aparece uma foto do meu pai com a seguinte frase: "Capital justa: Homem é punido por tentativa de rebelião. Não deixemos o filho bastardo se voltar contra seu próprio pai".

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A noite passou muito devagar no meu cômodo, ás vezes eu olhava pela janela e via pequenos vilarejos iluminados serem engolidos pela escuridão da noite, ao meu lado, no meu criado mudo, o pequeno pássaro que me acompanhou repousava e tentava dormir, estendi o braço, e ele subiu em minha mão, arrumei os travesseiros de uma forma em que eu ficasse sentado e repousei o passarinho em meu colo, fiquei o acariciando enquanto eu olhava a vasta escuridão da noite pela janela.

Eu acordo com um leve bater na porta do meu cômodo, em seguida uma folha azul é empurrada por baixo dela, jogo os lençóis e corro até a porta, pego o envelope azul e o abro, nele está escrito com letras cursivas o que eu devo fazer hoje: "Após se levantar, tome banho e se vista, em seguida encaminhe-se até o vagão-jardim, lá todos o estarão o esperando para um saudoso café-da-manhã, chegaremos à Capital por volta das nove horas da manhã, é bom que você ande logo. Da sua querida Celly Winterfield.", amasso o envelope e o jogo na lixeira, mas antes mesmo que ele possa encostar nela, ele se desintegra e sai do quarto por um duto de ventilação, coisas da Capital. Entro no banheiro e a banheira já está preenchida com água morna e sais de banho.

Eu não sei como ir até o vagão-jardim, então eu fico sentado no corredor esperando alguém passar, até que aparece uma garota de aparentemente 18 anos vindo do vagão de alimentos com uma cesta cheia deles, ela era loira e seu vestido era verde e emaranhado de raízes marrons, onde deveria estar sua boca, está uma faixa esverdeada que sobe e se trança ao seu cabelo amarelado. Eu a paro e pergunto onde fica o tal vagão, mas ela não responde, simplesmente fica me olhando.

— Ah, já sei, deve ser essa fita em sua boca que não a deixa falar — me aproximo dela e tento retirar a fita, mas ela dá um grito mudo, como aqueles que você dá de boca fechada — Ei, eu só vou tirar essa fita de sua boca, calma. Você sabe onde fica o vagão-jardim?

Ela balança a cabeça negando e sai correndo derrubando alguns rabanetes e alfaces, ao longe é possível ouvir o barulho dos seus sapatos— que também são verdes — ecoando por todo corredor.

Depois de um minuto, o pássaro que dormiu comigo e que agora o chamo de Bill — Em homenagem ao pobre gato que fora morto pela minha irmã — aparece no corredor e pousa em meu ombro, logo depois ele levanta voo e fica me encarando, o sigo. Não demora muito até que cheguemos ao tal vagão, no caminho encontro várias daquelas mulheres mudas, vejo até rapazes limpando janelas, ou lustrando um dos lustres do corredor.

O lugar era lindo, era o último vagão do trem, e sim, era um jardim, o teto era de vidro e era possível ver o céu azulado, haviam trepadeiras que se espalhavam por todo lugar, flores e pequenas árvores frutíferas eram dispostas em diversos locais, no meio, na sombra de duas grandes árvores, estava uma mesa arredondada com quatro lugares, dois deles estavam ocupados, um pela Celly e o outro por nosso mentor, a Circe estava brincando com os pássaros.

— Oh, Arion, até que enfim! — Disse Celly se levantando e vindo até mim — Você nos fez esperar... deixe me ver— Ela olha o relógio —, cinco minutos e vinte e nove segundos — Ela chega até mim e me beija nas duas bochechas, passa seu braço por dentro do meu e saímos andando — Um atraso infindável — Abro a boca para pedir desculpas, mas sou imediatamente interrompido —, não precisa se desculpar, eu te entendo. Agora sente-se, vamos tomar café. — Ela se vira para a Circe — Circy querida, venha comer! E deixe meus pássaros em paz. — Ela olha para mim — Vejo que vocês se deram bem — Ela aponta para mim e para o Bill.

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