Perdido

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Eu já estava cansado de pegar lenha. O dia de trabalho foi pesado. Trabalhei mais que o normal, já estava quase no meu limite e no limite territorial do Distrito, eu andei bastante por toda a floresta, pegando galhos do chão, arrancando galhos das árvores mais baixas, afim de transformá-los em lenha para alguma fábrica, qualquer que seja. Eu não tinha sinal do meu pai, eu tinha me distanciado muito. Estava eu, com dez anos, perdido no meio de uma floresta repleta de ursos e sabe-se mais lá o quê.

Depois de oito horas de trabalho, finalmente o som mais belo e puro de se ouvir soou ao longe, a sirene de fim de expediente. Um sorriso meigo brotou em meus lábios. Segui caminho de onde o som vinha. Eu não estava mais perdido.

Parei no meio do caminho para amarrar o cadarço do meu tênis de escalada, repousei a lenha no chão e me curvei até o sapato. Um passa por baixo do outro, faz orelha de elefante, um passa por baixo do outro, de novo e aperta o nó, regra fundamental para um bom cadarço amarrado. Enquanto eu recitava a oração do cadarço, um rugido fraco soou a minha direita, me virei rapidamente para ver que, de onde vinha o rugido, um enorme urso-pardo estava lá, com todo o seu tamanho e garras, ele me fitava e vinha andando, um tanto rápido demais, em minha direção. Ele rugia na vontade de proteger o seu território. Para ele eu era mais um animal idiota invadindo o espaço alheio. Para mim ele era um enorme urso-pardo querendo matar garotinhos por puro esporte.

Soltei a lenha por completo no chão e comecei a correr. Ao me ver correr, ele também correu. E não pense que por que ele é um urso enorme que pesa um monte de toneladas que ele vai correr devagar, muito pelo contrário, ele estava correndo demais para alguém tão grande, e eu, correndo demais para alguém tão pequeno. Eu não queria gritar, algo dentro de mim dizia Arion, não grite, se você gritar, você vai morrer! Então eu comecei a gritar e correr e derrubar todo e qualquer galho que estivesse em minha frente.

Vi que eu estava um tanto distante do urso. Parei e comecei a subir em uma árvore, um Carvalho ainda pequeno. Em menos de um segundo o urso já estava lá, no pé da árvore, rugindo e esticando suas patas repletas de garras na tentativa de me puxar, mas eu era rápido em uma coisa chamada: escalar árvores, e o urso não era páreo para mim com aquele peso todo, ele até tentou subir, mas sem sucesso.

Eu ainda permanecia amedrontado, subia os galhos sem nem perceber que eu estava os tocando. Só subia e subia. Então um Clec! De um galho que eu me segurara me fez acordar do pavor e sentir. Sentir eu e todo o meu pesinho descer e descer, eu sacudia os braços na vã tentativa de me segurar em algo e o mundo ao redor girava. E eu só descia, sem perceber os galhos que batiam em mim, nos meus braços, na minha cabeça. Só descia e descia.

Depois do último galho me acertar em cheio na barriga, eu caí feito um garoto de dez anos no chão. A cabeça, as costas, as pernas... tudo doía e sangrava, eu sentia que sangrava, eu sentia o meu corpo arder e latejar, em um ritmo que não tinha ritmo era uma dor desajeitada doía tudo ao mesmo tempo. Meus olhos entreabertos fitavam os poucos raios de sol que entravam pela densa camada de folhas da copa das árvores.

Uma enorme sombra pairou acima de mim. Me cheirando e olhando, era o urso que viera visitar o meu cadáver. Foi aí que eu soube que ia morrer. Eu permaneci imóvel, nem que eu quisesse, eu conseguiria me mover. Ele virou o meu corpo com o focinho e continuou me cheirando. Depois soltou um grunhido forte e saiu.

Eu fiquei fitando o chão. As formigas carregando folhas verdes, o vento balançando as árvores, o som distante de galhos se quebrando com os passos do urso. Fechei os olhos.

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Acordei com o som distante das cigarras, o sol poente, as nuvens arroxeadas pairando acima de mim. A sensação de enjoo ainda permanecia, e o sabor amargo do sangue do bestante ainda estava em minha boca. Tentei me levantar, mas não consegui, me apoiei na parede atrás de mim. Misty e Zoe vieram correndo me ajudar.

— Melhor você não ficar em pé ainda. — disse Zoe me segurando pelo braço — Tome, —ela me entregou uma garrafa — beba um pouco de água e se sente.

Me sentei no chão com as costas apoiadas na parede, peguei a garrafa e bebi. O sabor amargo do sangue do escorpião desceu goela à baixo, fazendo a minha garganta arder, o que me fez beber, pelo menos, mais dois goles de água.

— Quanto tempo eu passei desmaiado?

— Umas duas horas, mais ou menos. — respondeu Zoe.

— Nossa! — retruquei — Minha cabeça está doendo muito, e eu acho que ainda estou tonto...

— Você deve ter tido uma concussão. — respondeu Zoe com tom intelectual — Das fortes, por sinal, pelo tempo que você passou dormindo...

— Beba este remédio para dores físicas que eu achei na maleta e descanse. — indicou Misty.

Botei o comprimido na boca e o ingeri com um gole rápido de água. Ao longe, cerca de cinco metros, eu vi o corpo do escorpião estirado no chão, em baixo de suas pinças, uma poça de baba misturada com o sangue viscoso.

— O que aconteceu depois que eu desmaiei? — falei com a voz rouca e pouco audível, mas elas entenderam.

Elas se colidiram quando foram falar, mas Zoe deu a vez para a Misty.

— Depois que você caiu, nós vimos que o escorpião iria te atacar. Então Kyle correu com a espada em mãos, pulou nas costas do bicho e enfiou ela bem na cabeça dele.

— Ah, sim! — disse — E cadê ele?

— Ele voltou para buscar as flechas.

— Há quanto tempo? — perguntei.

— Há um bom tempo... — ela olhou em volta com ar de preocupação como se estivesse procurando algum sinal do Kyle.

Fechei os olhos e senti o vento que vinha pelo corretor nos atingir suavemente, a brisa balançava meus cabelos negros que o meu irmão teimava em bagunçá-los mais ainda toda vez que me via. Nesse momento eu senti a falta do meu irmão, da minha mãe e do meu pai. Meu pai. A última vez em que eu o vi, ele estava sendo morto, ao vivo, para toda Panem ver. Apertei meus olhos e senti uma coceirinha embaixo do meu nariz, típico de quando eu quero chorar, mas não preciso.

Misturados aos meus lamentos, eu pude ouvir, mais uma vez, o som do canhão reverberar. Mais um Tributo morto.

— Não pode ter sido ele. — disse Zoe. Abri meus olhos. Ela estava segurando e tentando acalmar Misty.

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