Apesar de abalado com a (aparentemente) visão que tive segundos atrás, foi inevitável não ficar curioso. Lia não aparentava ter mais que oito ou nove anos, uma criança magra e pequena para a idade, a despeito dos olhos, que carregavam um ar de medo e insegurança.
Lembrei-me das palavras do doutor Sanchez, no dia em que impedimos que Shin a matasse:
Aquela menina perdeu os pais num suposto acidente horrível, no qual apenas ela sobreviveu. E, para finalizar o trabalho, aquele garoto veio matá-la.
A dor que senti ao perder o meu pai quase me fez desistir de tudo. Eu nem queria imaginar qual seria a sensação de perder também a minha mãe. Pensando nisso, um sentimento de pena pela garota fez o meu coração afundar. Era apenas uma criança, e que já havia perdido os pais. Graças aos malditos da Eclipse do Caos, pelo que parecia.
— Conversar em particular? — eu finalmente disse.
Os olhos verdes da garota viajaram por todos os meus amigos, mas eu percebi que permaneceram uma fração de segundos a mais em Riku, que apenas mantinha-se mudo.
— Só nós dois — repetiu Lia, voltando a me olhar. Ela pegou na minha mão e se virou. — Vem!
Ainda olhei significativamente para os meus amigos, que deram de ombros, e sentamo-nos numa das mesas do canto. Lia ficou de frente para mim, com uma aparência tão inofensiva que era difícil de acreditar que aquela pequena garotinha tinha o poder de prever o futuro.
Esperei que ela tomasse a iniciativa. Mas Lia mantinha-se quieta, um tanto tensa, como se não soubesse por onde começar. Notei que sua aparência estava melhor que na época em que a vi pela primeira vez, dormindo naquela cama de hospital. Lia não estava mais tão pálida, o que indicava que alguém estava cuidando bem dela. Ela até cheirava a morangos.
— Eu sonhei com você matando aqueles homens-ninjas — disse para a minha surpresa. — Só que isso foi antes de... você sabe... acontecer. Foi horrível! Você estava todo vermelho, parecia ter sido queimado vivo... Os seus olhos brilhavam... Não doía?
Apesar de aparentar ser uma criança mais esperta que qualquer outra de sua idade, Lia ainda era uma criança, eu notei com certo alívio. A inocência com que falava era o suficiente para frisar que, embora fosse uma mística, não deixava de ser uma menininha curiosa.
— Hã, é complicado falar sobre isso — encontrei-me dizendo. — Eu meio que... estava dormindo, sabe? Mas o que você viu, exatamente?
Lia desviou o olhar. Parecia apavorada. Eu sentia que ela poderia chorar a qualquer momento.
— Você era assustador — disse com voz fraca. — Lembrava um animal assassino... Eu via muito sangue, muitos homens morrendo. Mas você estava fazendo isso por causa do seu pai. Eu vi ele morto. — Seus olhos retornaram aos meus. — Até o avisei.
— Espera um pouco! Você está dizendo que o meu pai sabia o tempo todo o que estava prestes a acontecer?
Lia fez que sim, ainda assustada. Com o meu pequeno momento de indignação, pareceu até acuada, como uma criança que acabou de fazer uma travessura e foi descoberta pelos pais.
— Eu não entendo... — falei pensativo. — E por que ele não se preparou melhor? Sei lá, poderíamos ter evitado ficarmos sozinhos...
Então, finalmente, ela disse uma frase com uma seriedade que contrastava com a voz de uma criança:
— O destino não pode ser mudado, e o dele era morrer naquela noite.
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Caçador Herdeiro (3) - Relâmpago Vingativo | COMPLETO
PertualanganLivro 3 da saga CAÇADOR HERDEIRO. Ser um Caçador de Vampiros pode ser mais complicado do que parece, visto que a qualquer momento um ente querido seu pode partir, e Diogo Kido descobre isso da pior forma possível. Os vampiros não são os únicos inimi...