Capítulo Vinte e Dois

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Emily chegou em casa murmurando um xingamento já no corredor de seu andar. Fazia semanas que a fechadura de sua porta estava com defeito. A chave sempre emperrava e precisava de uma manobra especial - que envolvia forçá-la para cima e girá-la - para funcionar. Mas Emily sempre se esquecia do modo certo de executar o truque e, como consequência, passava sempre uns dez minutos tentando abrir a própria porta.

Esse tipo de problema já teria sido resolvido se Lana ainda estivesse vivendo ali. A amiga era sempre aquela que se lembrava de consertos, reparos, manutenções e essas coisas relacionadas à administração de um apartamento. Não era à toa que Lana fosse uma organizadora de casamentos tão boa - ela tinha memória para detalhes, tanto quanto tinha criatividade para decorar festas. Emily só tinha criatividade. Sua memória para algo além de bolos e doces era medíocre.

Quando, finalmente, ela conseguiu entrar no apartamento, largou a chave no aparador e seguiu para a cozinha, descarregando o conteúdo de sua bolsa reciclável.

Para aquela noite, como o noivo estava de plantão no hospital, fazendo algo útil e ajudando a salvar vidas, e a melhor amiga agora morava na parte nobre da cidade, vivendo o próprio conto de fadas, Emily planejara uma noite de inutilidade em casa, entupindo-se de rocambole que ela fizera no trabalho e vinho que ela comprara na sua delicatessen favorita.

Aquela seria uma noite solitária.

Resignada, Emily deixou sua refeição na bancada da cozinha e foi para o quarto preparar o próprio banho.

Quando passava em frente ao quarto de Lana, porém, ouviu um barulho do lado de dentro e resolveu investigar. Ao abrir a porta, encontrou a melhor amiga sentada na cama, observando a televisão ligada com um olhar distante.

- Lana?

Ela fitou a amiga. Não tinha percebido que Emily chegara, nem que ela entrara no quarto.

- Oi, Emily. - Lana tentou um sorriso, colocando a televisão no mudo.

Emily se aproximou, pouco convencida com o sorriso que a outra esboçara, e sentou na cama. Ela observou Lana. Uma olhada na amiga e sabia que havia algo errado.

- O que aconteceu? Por que você está aqui?

Lana moveu os ombros.

- Eu precisava ficar sozinha.

- Você e Malcolm brigaram?

- Não foi uma briga. - refletiu Lana, abraçando as pernas dobradas e apoiando o queixo nos joelhos. Ela fitou a televisão, agora emudecida, mas não estava prestando atenção ao que passava ali. - Eu descobri certas coisas sobre Malcolm - coisas sérias - e precisava de algum tempo para processá-las.

- E você já conseguiu? Processá-las, quero dizer.

- Não. - Lana meneou a cabeça, os olhos distraídos, distantes. - Ainda me sinto confusa. Como se não compreendesse minha própria reação.

Emily segurou a mão de Lana, encontrando os olhos dela quando ela a fitou.

- Quer conversar sobre essas coisas sérias? - propôs. - Estou aqui para isso, se você quiser. Ou posso simplesmente ficar aqui, em silêncio, com você. Só me diga o que você quer fazer e nós faremos.

Lana sorriu em agradecimento. Ela e Emily não mantinham segredos uma da outra, lembrou-se. Levara bastante tempo até confiar na amiga o suficiente para lhe contar sobre seu passado e, mesmo quando resolvera contar, Lana não tivera garantias de que atitude Emily tomaria.

Mas a amiga se mostrara compreensiva, solidária até, demonstrando a mesma lealdade silenciosa que Malcolm demonstrava quando dizia que acreditava que Lana se tornara uma pessoa melhor e, por isso, merecia uma segunda chance.

Sombras no SolOnde histórias criam vida. Descubra agora