Capítulo 1

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EM RECONSTRUÇÃO 

O vento lá fora assobiava como uma melodia, as pingas de água cutucavam no chão ao escorrerem pelas caleiras do cimo do telhado, as árvores roçavam umas nas outras numa dança dessincronizada, alguns carros passavam na estrada projetando água em várias direções numa espécie de leque, o ar condicionado do meu quarto estava ligado no quente e mesmo começando a sentir o ar abafado, continuava embrulhada até à cabeça no meu cobertor cinza.

Estava deitada há mais de uma hora, os meus olhos estavam pesados e prestes a fechar completamente. A única claridade que tinha no quarto, era proveniente da lua pouco visível, escondida pelas escuras e densas nuvens naquele céu negro. 

Sempre tive dificuldade em adormecer rápido, não existia consistência, por norma ficava horas a fazer scrol infinito, com o algoritmo a mostrar-me cada vez mais conteúdo prazeroso ao meu cérebro, quando dava por mim estava super entranhada num vídeo de duas horas, a aprender como se fazia uma piscina usando apenas as mãos e o melhor, no meio do deserto, certamente um dia poderia vir a necessitar de tal aprendizagem. 

Nestes dias tudo se dificultava. O inverno tem uma capacidade extraordinária de trazer à tona o pior de mim. Quantas vezes podemos sentir o nosso coração a partir em mil pedaços e continuar aqui, em silêncio, apenas a sentir tudo, imóvel, porque é a única coisa que o teu corpo te permite fazer, ficar sossegada a sentir, a existir.

Estava perdida no meio dos meus mil e um pensamentos aleatórios, quando no meu campo de visão passa uma pequena luz. Poderia ser um carro a passar lá fora, mas não.

Aconcheguei-me aos lençóis, mudei finalmente de posição já com um braço dormente, respirei fundo, na esperança de que ele se cansa-se, virei-me para o outro lado e tapei a cara, até que ouço uns rápidos passos e reviro os olhos. 

Pedi-o durante anos aos meus pais, no natal, na páscoa, como prenda de aniversário, como prenda de final de ano, sonhei com ele noites a fio. Quando finalmente terminei o meu curso e arranjei a minha própria casa, a minha jovem independência, meio que me esqueci da ideia de poder algum dia ainda, vir a ser uma irmã mais velha. Mas parece que os meus pais se sentiram demasiado entediados e sentiram que ainda não seria a altura certa deles, para a paz e o sossego, para a harmonia, para as manhãs de fim de semana plenas, as séries já estavam todas em dia, os bons empregos proporcionavam-lhes longas e boas férias para que fossem passadas apenas a dois. Inicialmente pareceu-me uma alucinação, onde me agarrei ao peito à gargalhada, como poderiam eles, ter tamanha inocência, ao pensar que eu acreditaria uma brincadeira dessas aos meus vinte e poucos. Mas a barriga da minha mãe não parou de crescer durante os próximos nove meses e quando dei por mim, estava a pegar num pequeno ser de três quilos e pouco, com as unhas mais pequeninas que alguma vez pensei ser possível ver. Atentei a todos os pormenores e mesmo antes de ver aqueles pequenos faróis azuis a observarem-me, já o amava com tudo de mim. Bom trabalho pais, foi uma boa jogada, por uns belos anos não irei pensar em fazer de vocês avós.

- Pára com isso... - resmungo entre dentes, com a voz mais ridiculamente fraca imaginável e quase me deixo rir por me surpreender com algo assim saído de mim. Há quantas horas estaria eu aqui deitada sem falar, parece que por momentos me tinha esquecido de como se fazia. Ele não iria parar.

Quando vou fazer uma tentativa de me sentar na cama a luz encandeia-me por completo deixando-me cega por momentos. - Isaac.. - as suas gargalhadas inocentes ecoam pelo corredor enquanto ele corre nunca tentativa mal sucedida em que eu faça o mesmo.

- Mãe! - ele guincha por entre risos ao descer as escadas de madeira escura, que dão para o andar de baixo e corre em direção ao enorme sofá preto da sala escura, onde ela está deitada também embrulhada numa manta, a ver pela milésima vez aquele romance piroso com os olhos em lágrimas, enquanto o meu pai lhe afaga os cabelos, como se fosse a primeira vez.

Levanto-me a custo com um gemido involuntário, parece que também deixei de saber como andar e isso refletiu-se ao descer o ultimo degrau, onde as minhas meias deslisam e fazem com que um dos meus pés escorregue e caiu redonda do chão. Fiquei surpreendida por saber que ainda chego com o calcanhar ao rabo.

- Eleanor? - vejo os olhos da minha mãe pousarem em mim enquanto eu mordo o meu lábio inferior numa tentativa falhada de não deixar escorrer uma minúscula lágrima. O meu irmão arregala os olhos e esconde-se no meio das pernas dela por baixo das mantas, na inocência dele eu não o conseguia ver.

- Estás bem? - pergunta o meu pai, inclinando-se para a frente sem grande preocupação, aceno que sim com a cabeça enquanto fungo e limpo o nariz à manga do pijama. Mais um dia normal do meu quotidiano, onde confirmei a minha fraca capacidade de me mover como uma pessoa normal.

Perdi a conta de quantas vezes suspirei neste curto espaço de tempo. 

- Já tens tudo arrumado para amanhã? - questiona a minha mãe. Esta tinha sido uma visita de médico para o seu aniversário, parece que estes três dias tinham passado a correr e que pouco tinha aproveitado para matar as saudades, mas a vida de adulto era assim, o tempo ia encurtando e as saudades aumentando, mas a correria das novas rotinas pouco nos deixava já pensar muito no assunto e no final do dia sabíamos todos o quanto nos amávamos e estava tudo bem.

Subo as escadas lentamente ainda queixosa pela minha queda e assim que entro no quarto volto a encolher-me toda por baixo daqueles quilos de roupa quente. Planeava já com a minha ansiedade antecipada, a que horas iria acordar para tomar banho, provavelmente numa casa já vazia pois amanhã seria dia de trabalho e de escola para aquela pulga chata e acordar cedo não era o meu forte por mais que fosse a minha vontade de me despedir deles. Mas era algo tonto com o qual tínhamos há muito acordado, não fazer despedidas, chamem-lhe superstição ou não, mas seguíamos mais plenos assim. Não duraram nem dois minutos para ouvir o trinco da porta a abrir.

Dirigi o meu olhar à porta e vi aquela figura diminuta com os seus grandes olhos oceano postos em mim. Sei que ele espera a minha aprovação para saltar para o meio destes cobertores e dormir aconchegado pelos meus braços. Faço-lhe sinal de aprovo com um sorriso nos lábios e lá vem aquela amostra pequena de cabelos encaracolados bastante loiros aos pulos na minha direção. Estico a mão até à sua para o conseguir puxar de arrastão, porque subir sozinho ainda é algo que não o assiste.

- Ely... - ele murmura na sua voz de criança. - Está-te a doer? - pergunta num tom triste e eu esforço-me para não rir. - Desculpa, não volto a chatear-te com a luz, mas não vás embora amanhã... - puxei-o fazendo-o subir para o meu colo e apertei-o com força num confortável abraço. Sei o quanto ele me ama e o quanto o amo de volta e amo ainda mais a sua inocência, em que amanhã ele vai estar tão disperso com os amiguinhos da escola, que vai perguntar aos pais se a mana já está na casa dela, eles vão responder que sim e que logo volta para o ver e isso irá ser o suficiente para confortá-lo por um bom tempo. 

Podemos ter vinte anos de diferença mas não gosto tanto de ninguém neste mundo como gosto dele. Desde que ele nasceu à cinco anos atrás, que tudo mudou. Tornou-se em parte, a minha terapia, que não me interpretem mal. 

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Hii there! 

Espero que gostem tanto de ler a minha história como eu gosto de a escrever.

Vou tentar publicar regularmente. 

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Boas leituras! 

Sarry, xx 

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