A Ordem Sangrenta

Capítulo 23

NOS CAPÍTULOS ANTERIORES, Todd, que sempre tenta mas falha impressionar o pai, é convocado por este para cumprir uma missão muito importante: sequestrar Shirley Ghuven. Entretanto, ao tentar fazer isso numa noite cheia de reviravoltas, Todd acaba ajudando a garota a escapar das garras de Harold Pittorch. Agora, sua confiança no pai começa a se abalar: Por que a menina era tão importante? O que eles queriam fazer com ela? O que será que Todd irá descobrir sobre sua família e aonde essa descoberta o levará no futuro?

Boa leitura!!

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CAPÍTULO 23: O SALÃO DOS SABRES

(escrito por BERNARDO CORRÊA)

Todd estava tão confuso que demorou 2 dias para voltar para casa. O Paço do Cervo, mansão tradicional construída num pico conhecido como Lebreau Peak, era só silêncio e solitude em seus 3 andares de pedra cinzenta, as enormes colunas de mármore sustentando todo aquele peso de medo e desolação. Daqui do alto, como as estrelas eram mais próximas, não era necessário tanto gasto com lampiões e balões a gás, o que aumentava a sensação de frio, conquistada a partir dos astros acima. Uma névoa branca pairava perto do chão, como resquício de fantasma, escondendo os pés do garoto conforme ele subia aquelas escadarias íngremes, os paralelepípedos úmidos com o sereno. Na retina de Todd, aquele braço demoníaco e todo o poder dantesco de Pittorch não saíam, presos ali como se tivessem sidos maçaricados, coexistindo em perfeita simbiose com a atmosfera gélida no pico. Tudo continua igual, mas parece estranhamente diferente, refletiu o rapaz, soltando um suspiro. Tudo parece ter mudado.

No momento em que saiu de um banho quente no chuveiro magicamente aquecido, o vampiro vestiu suas roupas comuns ― calça jeans, camiseta branca e jaqueta de couro ― e desceu as grandes escadas do hall principal, seus passos ecoando em meio ao silêncio. Fazia alguns meses que não pisava em Lebrau Peak, não apenas por causa da mudança para Fangstone com Any, mas por uma inquietação que simplesmente o impedia de retornar ao velho lar. Sempre ficava nervoso pensando não pertencer àquela mansão, imaginando não merecer acesso a lugar tão sagrado à história de sua família, a qual o garoto só servia para envergonhar. Eu não sou feito da mesma coisa que estas paredes, observava, notando cada sorrisinho convalescente nas pinturas dos antepassados Dernot, penduradas nas paredes como relíquias eternas. Eu não sou feito da mesma coisa que todos vocês.

A verdade era que Todd havia falhado. Que grande novidade, não é? Seu trabalho era apenas um e muito simples, mas ainda assim o garoto havia encontrado uma maneira de colocar tudo a perder, o que atrasara ainda mais sua decisão de voltar ao Paço do Cervo. A garota estava tão, tão perto, lembrava com tristeza, sentindo uma raiva incendiar suas veias e artérias. Mas, ainda assim...

Se alguém fosse pedir, ele não sabia explicar direito o que havia acontecido em Crow Woods. Afinal, o que Harold Pittorch queria com a tal vampira Shirley? Era uma pergunta que levava a outra série de indagações que começaram a martelar na cabeça de Todd, que se pegou cada vez mais divagante. Lembrava do Retta ter mencionado algo sobre uma Bênção ou um poder extraordinário e fazia sentido essa teoria, levando em conta tudo que aquela menina franzina havia sido capaz de fazer. Nunca Todd havia visto tanta força vindo de alguém tão pequeno e isso era um pouco assustador. Era aquilo que ele era pra ser capaz de conter, então? Papai não quer que esse poder ande solto pelo Submundo, tentava raciocinar, apelando ao bom senso. Por isso ele pediu que eu a trouxesse. Só pode ser isso, não é?

Eis outra questão que nascia. O garoto tinha ido à floresta exatamente com o mesmo objetivo de Pittorch, embora suas motivações fossem um pouco mais nebulosas. Se Shirley era mesmo descendente dos Ghuven, então fazia sentido querer contê-la, certo? Afinal, essa era uma família notoriamente perigosa que havia cometido muitos crimes no passado. Entretanto, em momento algum Shirley convenceu Todd como sendo uma pessoa má, muito pelo contrário. Em todos os momentos em que ele a vira, ela estava defendendo o idiota do rato como se este fosse a pessoa mais importante do mundo, o que contrastava inteiramente com as informações que eram sabidas sobre a ideologia de gente como os Ghuven. Por que uma Ghuven protegeria um Retta como Ryan?, era a questão. Por que papai me mandaria sequestrar uma garota inocente?