Passaram-se exatamente três meses até ser o dia em que vamos apresentar a peça de teatro. Durante todo esse tempo algumas coisas mudaram, e outras mantiveram-se exatamente como estavam.
Uma das coisas que mudou foi a minha relação com o Sheldon. Em vez de nos aproximar, a ameaça da diretora acabou por nos deixar ainda mais afastados que antes.
Ele continuou a vir ao nosso quarto todas as segundas-feiras, mas sinto que passou a ser mais uma obrigação do que propriamente uma forma de me proteger.
Era praticamente inevitável as coisas entre nós não mudarem. O medo de nos perdermos um ao outro levou-nos a não querer arriscar mais. O facto da aluna não se lembrar de nós só acabou por piorar tudo. Ambos sentíamos que a situação era demasiado complexa para sermos capaz de a resolver.
As palavras da Mila perseguiram-me todas as noites. Ela tinha razão quanto a não podermos desistir, mas só nos faltava a coragem para tal.
Talvez o que nos faltasse em coragem tínhamos em sensatez. Não arriscar a lá ir a baixo pode ter-nos salvo de sermos expulsos nestes últimos meses, mas éramos incapazes de não pensar quase todas as noites no quanto podia haver alguém a precisar da nossa ajuda.
Acordei esta manhã cheia de nostalgia dos meus primeiros dias nesta escola. Era tudo tão novo e distante que continuava a perguntar-me constantemente se não estaria num sonho. Com o tempo, percebi que a minha idealização do que seria uma vida em Inglaterra não correspondia assim tanto à realidade. De facto, houve momentos que desejei por tudo não ter vindo para cá.
Para alguém que viveu a maior parte da vida num país considerado quente, a Inglaterra e todo o Reino Unido faziam-me sentir que estava no Ártico.
Como hoje é o último dia antes das férias, não há aulas. A maioria dos alunos está neste momento a arrumar as mochilas para levar para casa hoje à noite, contudo eu continuo na cama, aborrecida e sem entusiasmo nenhum para a peça de teatro.
A Mila acordou mais cedo que eu para ir para o auditório preparar-se para a peça, por isso ainda não a vi.
Os últimos ensaios foram os mais intensos. Apesar de não ter pedido, nem falado nisso, a Mila e o Sheldon prometeram-me que só se iam beijar na peça. Honestamente, não me importava que se tivessem beijado nos ensaios, ou onde quisessem. Não tenho direito nenhum de os proibir, principalmente quando o Sheldon tem sido o mais distante possível comigo. Não o censuro por isso, porque talvez também o tenha sido para ele. Prefiro que este assunto se desenvolva a seu tempo sem ninguém o forçar.
O teatro vai começar às oito horas da noite, e às sete começa o jantar colectivo no pavilhão, que inclui todos os alunos da escola, mas como somos do teatro não vamos jantar com eles, portanto jantamos mais cedo.
Visto-me e vou até aos camarins para ajudar na preparação dos cenários e dos trajes. Assim que chego, já lá estão a maioria dos alunos que vão participar na peça e os coordenadores. Os atores principais estão no palco, por isso não os vejo. Procuro o Rúben e o Danny por entre as salas e encontro-os aos dois num dos camarins, enquanto o Rúben está ao telefone.
— Sabem a que horas vêm os alunos da outra escola? — pergunto em voz baixa, referindo-me às crianças do outro internato que vão fazer o papel de talheres na peça.
— Vêm à tarde — informa-me o Danny. — O Rúben está a ligar para pedir pizzas.
— A sério?
— Sim, a professora de teatro disse-nos que é tradição e que a escola é que paga, por pediu-nos para fazermos a encomenda.
Quando finalmente termina a chamada, pergunta-me se os quero ajudar a preparar os adereços que faltam do cenário, e aceito.
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O Mistério do Internato
Mystery / ThrillerDaniela vê-se aos 16 anos obrigada a emigrar para Inglaterra e a estudar num internato. Porém, no meio de novas amizades, novas paixões e revelações, percebe que há algo de diferente naquele lugar. E tudo passará a ser posto em causa a partir do mom...