XXII

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— Fico contente por ter acreditado em mim. — Falei olhando minhas unhas.

— Tudo que você me falou pareceu tão verdadeiro, seu jeito. Eu não podia não acreditar. — Olhei em sua direção e ele deu um sorriso de lado.

— Tudo o que disse foi verdade? — Perguntei. — Sobre sentir algo por mim.

— Com toda a certeza. — Sorriu. — Tirei uma folga do trabalho hoje. Descanso para mim é algo bem raro, vivo para trabalho, o trabalho vive por mim.

A forma como ele silabava as palavras eram idênticas a de Augusto.

Lancei um sorriso tímido.

Logo Luisa apareceu. Olhou para nós como uma expressão assustada.

— Hum... Oi? Estou atrapalhando, né? Desculpe... — Disse colocando uma bolsa sobre o móvel.

— Não. — Disse Pedro. — Estávamos esperando você. — Sorriu.

Ela lançou um olhar desentendido em direção a mim.

— Pedro está disposto a me ajudar. Me ajudar a voltar. Então, ele descobriu uma casa pertencente a família Soteli. — Falei por fim.

— Flora, não te comprovo que seja. É de uma família tradicional daqui. Mas pode ser que seja. — Pedro me corrigiu. — Você vai conosco? — Lançou o olhar a Luisa.

— Sim, sim. Que horas? — Perguntou Luisa.

— Agora. — Falei apressada.

— Tudo bem, mas primeiro você vai tomar esse comprimido que eu trouxe. — Disse me entregando.

— O que eu faço? — Perguntei confusa.

Ela foi à cozinha, pegou um copo de água e me entregou.

— Coloque o comprimido na boca e em seguida beba a água. — Falou.

Fiz o que ela pediu e fomos no carro de Pedro. Me sentei ao seu lado e Luisa na poltrona de trás.

Percorremos por um longo percurso. Essa cidade era enorme.

Acabei adormecendo, talvez por conta do remédio.

— Flora, acorde! Chegamos. — Disse Pedro me cutucando.

Lancei um sorriso coberto de emoção.

Saímos do carro. A casa ficava em um lugar afastado. Era realmente um casarão.

Pedro olhou com um olhar diferente quando viu o local.

— Que sensação estranha. — Comentou ele depois de observar o local.

O casarão não parecia nada com as casas presentes nesse século, pelo contrário, parecia ser do meu verdadeiro século.

Pedro permanecia hipnotizado olhando para o local.

— Está tudo bem? — Perguntei depois de um tempo.

— Sim. — Concordou ele.

Abrimos o grande portão que cercava a residência. Em seguida Pedro bateu na grande porta.

Aguardamos um pouco, até que surgiu uma moça com olhos azuis como os de Augusto. Sua aparência lembrava muito a de Pedro. Eu e Luisa arregalamos os olhos completamente impressionadas. Ele também observou. Mas não disse nada.

A moça nos olhou buscando uma explicação por estarmos ali.

— Olá, essa casa é pertencente à família Soteli? — Pedro tratou de perguntar.

A moça lançou um sorriso ao rapaz.

— Sim, por quê? O senhor é um Soteli? — Perguntou amigavelmente.

— Não, a gente gostaria de ver documentos, fotos, explicações sobre a família. É para minha amiga. — Apontou para mim. — A família dela possuiu fortes laços com os Soteli. — Pedro falou simpaticamente.

A moça com aparência simpática lançou um outro sorriso. E assentiu.

— Entrem! — Disse se afastando da porta.

Pedro foi na frente e eu e Luisa o seguimos.

A casa possuía uma poltrona um tanto antiga e nos sentamos nela.

Na parede havia um retrato de Augusto. Meu corpo gelou. Meu olhar congelou e comecei a tremer. Começaram a escorrer lágrimas de meus olhos. Cutuquei Pedro e Luisa, e apontei.

— É ele! — Minha voz soava tremula.

A moça parecida com Augusto lançou um olhar desentendido.

Pedro olhou para a pintura incrédulo assim como Luisa. Que deixou escapar um "O". A moça fitou Pedro por um tempo.

— Você é idêntico ao Augusto. — Disse a moça enquanto o olhava.

Limpei as lágrimas pensando: "O que será que aconteceu?"

Pedro estava estático.

— Provavelmente sou um Soteli. — Falou ele por fim.

A moça concordou. E disse que ia pegar alguns documentos da tradicional família.

Pedro se curvou e colocou as mãos em suas cabeças. Estava incrédulo.

— Flora, no que nos metemos?

Olhei para ele e não respondi. Eu não estava louca.

Luisa olhou para mim.

— Eu acredito em você, Flora. — Falou ela por fim.

— Nós acreditamos. — Disse Pedro dando ênfase na palavra "nós".

Olhei para eles com os olhos cheios de lágrimas.

— Sou muito grata a vocês. — Falei baixinho.

Então a moça chegou com várias caixas que aparentavam estar velhas por conta do tempo.

— A gente chegou aqui e nem perguntamos seu nome. — Falou Luisa para a moça.

— Ana. — Falou educadamente a moça com aparência semelhante a de Augusto (e Pedro).

Ficamos em silencio enquanto Ana nos mostrava fotos. Fotos de várias gerações daquele família. Várias delas tinham Augusto.

— Vocês são muito parecidos. Eu poderia dizer que são idênticos. — Disse Ana para Pedro.

Ele lançou um sorriso e ficou observando atentamente assim como eu.

— Augusto possui várias anotações, ele diria que eram "cartas". Vou mostrar para vocês. — Falou a moça.

Meu coração disparou, eu necessitava lê-las.

— Já volto, vou buscá-las. — Falou levantando-se, em seguida ouvi seus passos subindo os degraus.

Parecia uma eternidade esperá-la, até que ela surgiu com uma maleta. Sentou-se e a abriu.

Pedi para que me entregasse. Ela assentiu e me entregou.

Folheei as páginas.

"  Rio de Janeiro, 6 de janeiro de 1832.

Cara Flora;

Minha vida é movida por pesares, tais eles que me mantém distantes da senhorita.
Fico incrédulo ao ver que me tornei um homem que é apaixonado por uma jovem de dezessete anos, a qual ainda possui a imaturidade, característica da idade. Não que a senhorita seja imatura, mas ainda possui a inocência e traços de uma imaturidade. A explicação é confusa. Mas não, não estou a ofendendo. Pelo contrário, estes traços a tornam mais doce, e mais você.
Meus pais ficariam desonrados se descobrissem que sou enamorado pela senhorita. Me sinto melhor escrevendo essas cartas, já que não posso expressar meu amor para a senhorita diretamente. A senhorita me acharia um monstro. Sou uma vergonha para mim, minha família, sua família, para a senhorita. Eu deveria apenas te dar aulas, não enamorar.
Perdão.
  Augusto Soteli. "

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