XVII

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Nossos olhares se cruzaram em meio a multidão. Ele me olhava de uma forma estranha, como se no fundo soubesse quem eu era, que pertencíamos um ao outro. Ele me olhou por um tempo e veio andando em minha direção. Minhas lágrimas pararam de cair. Deixando meus olhos inchados e vermelhos.
— Olá, Flora. - Deu aquele sorriso que eu conhecia muito bem. Mas logo sua cara se tornou um misto de surpresa e preocupação. — O que houve? Está chorando.
— Eu estou perdida. Perdida em tudo. No momento não sei nem é o endereço da residência na qual eu estava. — Falei secando minhas lágrimas e olhando para o chão envergonhada.
Ele então sorriu sem mostrar os dentes e me lançou o olhar que eu conhecia. Era ele.
— Posso te ajudar. Você se importaria de ir comigo à minha casa? É próxima daqui. O hospital fica longe daqui. Então, ligo para lá e peço o endereço de sua ficha.
Eu então me levantei e somente assenti.
Andamos um pouco. Eu o seguia e vez ou outra nossos olhares se encontravam. Céus! Em qualquer século, planeta, lugar; ele me fazia sentir que eu era dele. Eu o amava.
Entramos em o que deduzi ser um prédio, assim como o meu, pois segundo Luisa, um prédio era um conjunto de casas, mas todas como
se fossem uma só, separadas por uma parede e uma porta.
Fomos então para o que seria um elevador, o qual senti medo na primeira vez que vi. O dia que vim para este século. Dessa vez não temia.
Nossos olhares se cruzaram e ele foi se aproximando. Colocou a mão em meu rosto. E logo estávamos com os lábios atados. O beijo dele fazia eu esquecer que estava literalmente perdida. Era o mesmo beijo, o mesmo gosto. Era como se não mudasse.
Logo ele se afastou se desculpando.
— Perdão, eu... Eu perdi o controle. — Disse com as mãos em sua face, arrependido. — Não devia fazer isso com uma paciente. Droga! Agora o que vai pensar de mim? — Seu olhar se resumia em culpa. — Não quero que ache que costumo fazer isso com minhas pacientes... — Justificou.
— Não, não há problema. — Disse envergonhada. — Não precisa pedir perdão. Foi recíproco. — Dei um sorriso constatando que estava tudo bem.
Então a porta do elevador se abriu e ele saiu, dando a entender que eu deveria seguí-lo. O segui. Até que ele destrancou a fechadura e virou a maçaneta. A residência era linda. Porém com um toque moderno. Havia o que deduzi ser uma televisão enorme.
Ele então pediu que eu me sentasse. Me sentei.
— Está desde que horas? Digo, perdida. — Me olhou.
— Eu não sei. — Falei envergonhada. — Faz muito tempo. Lembro que havia acabado de amanhecer. O céu estava um pouco escuro ainda. Com indícios de uma manhã.
Ele me olhou assustado.
— Tem alguém na sua casa?
— Luisa. Aquela mulher que me acompanhou ao hospital naquele dia.
— Vou colocar uma lasanha no microondas para você enquanto ligo. Você deve estar faminta. Fique aí, já volto.
— Obrigada.
Ele então saiu do cômodo. Permaneci sentada. Pensando no beijo, algo nos atraía. Mesmo não sendo ele, ainda era ele.
Angelina, minha amiga, me disse uma vez que havia beijado alguns rapazes em sua vida. E disse que, percebemos a diferença quando há amor e quando não há. Realmente era verdade. Beijos são diferentes dependendo do sentimento.
Fiquei perdida em meus pensamentos enquanto ele chegou com um prato e talher. Além de um outro objeto que eu desconhecia, porém permaneci quieta e peguei o prato que ele havia me entregado.
Eu estava com uma fome intensa e mesmo assim comia com delicadeza. Não podia desfazer meus bons modos.
— Você gosta de lasanha? — Ele perguntou.
Eu não podia negar, era muito boa.
— Sim. Obrigada, está ótima. — Sorri sem mostrar os dentes, pois minha boca estava cheia de comida.
Ele então disse:
— Consegui o número que estava em sua ficha. Vou ligar para os números que estão presentes lá.
Assenti.

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