Capítulo 1.

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Capítulo 1.

-Por favor Sara, vamos. -Sophia insistia para que fossemos á uma festa.

Sophia é bem diferente de mim, enquanto eu amo preto, ela ama rosa, enquanto eu me corto quando necessário, ela coloca um sorriso no rosto; enquanto ela namora e se apaixona, eu faço o amor ficar em últimos planos, além do mais, nunca dei ligança pro amor. Não é que eu nunca tenha beijado na vida, é que eu não me importo com isso mesmo, tenho coisas mais importantes para me preocupar.

-Não Sophia, não estou no clima. Vai chamar aquelas suas amigas purpurina. -Revirei os olhos e me joguei no sofá.
-Aí credo, que animo. Vamos, hoje é sexta. Por favor só hoje. Além do mais o Eduardo vai esta lá, é só um evento beneficente. -Ela me olhava com uma cara de cachorro abandonado.
-Eu não ligo. Vai ter muitas crianças lá, famílias e tal. Cê sabe como me sinto. -Disse me sentando no sofá, ao me lembrar de que eu não tinha família.
-Mas, você não deve se privar disso. Você tem um pai ou uma mãe. -Ela se sentou ao meu lado e colocou sua mão direita sobre meu ombro.
-Tenho um pai e uma mãe que não ligam para mim. -Suspirei e revirei os olhos.
-Você não sabe os motivos deles...-Ela tentava me acalmar ou tirar todo peso na consciência que eu sentia por ter nascido.
-Ah é ? E o que foi ? Eles eram pobres ? Ah, eu não ligava em ficar debaixo de uma ponte com eles, pelo menos eu tinha um pingo de amor e carinho e agora o que tenho ? Só você Soph! -A abracei mas não chorei, nunca chorei na frente dos outros não vai ser agora.
-Olha, eu também não tenho família, mas eu gosto dessa vida. Aah, ela é mais permititiva sabe ?-Ela me jogou uma piscadela e selou minha testa com um beijo.
-Mas eu não, essa vida é um saco. Pessoas se amam, e isso me dá nojo, me repugna, não quero encontrar meus pais nunca na minha vida. -Cuspi as palavras - E outra, você se da bem em tudo Sophia, você é linda, no colégio é popular, não leva apelidos tais como "songamonga", "inergumina", "best cão" e dentre outros né ? Tudo pra você é fácil, amar alguém pra você é o que ? Fácil! Ser amada pra você é o que? Fácil! Você já teve várias chances de ser adotada, só que desistiu por causa de mim, trouxa você hein ?! -Cuspi as palavras sem pensar em como ela ficaria, eu estava de saco cheio da Sophia me dizendo que tudo iria ficar bem, passei a minha vida escutando a mesma frase, e nada mudou. Agora eu cansei de vez, nunca tive pacto com o que é ruim, só que a cor preta me atrai, não sou de falar com ninguém, só que todos acham que é por que o cão não me permite, nunca fui de amar, pois se amor de pai e mãe eu não tive, quem dirás de terceiros.

- Poxa Sara, precisava ter falo isso tudo ? Eu larguei aquele orfanato de merda só pra ficar com você, por que ? Por que eu te amo, mas não, você só sabe enxergar os lados negativos, só por que tenho um corpo legal, e os caras chegam em mim primeiro, só por que eu fui escolhida várias vezes por famílias ricas e você, nem as pobres te quis, já eu ? Ah, eu sempre fui a melhor, agora conforme-se. -Ela olhava em meus olhos e dizia tudo aquilo, estava me magoando muito ouvir tudo aquilo dela, mas eu não arredaria o pé um segundo se quer, sou orgulhosa e não ligo.-E que você se dane, por mim você corta até seus braços e caí dura aí no chão.

Dito isso ela se levantou, abriu a porta da sala e saiu.

Quando completamos 16 anos, pedimos para o Padre do orfanato fazer a liberação, pois em breve já faríamos 18 anos, daí trabalharíamos e etc... Nosso pedido foi logo concedido, por que a Sophia é mais velha, tinha 17 anos na época e seu aniversário estava logo próximo, só que ela não liga pra trabalhos, só quer saber de farra, aí quem tem que trabalhar e estudar sou eu.
Eu e a Sophia sempre trocamos farpas, mas dessa vez foi pior, eu nunca tinha dito isso tudo a ela, e nem ela tinha me dito isso tudo antes, mas, enfim, não sou de pedir perdão.

Quando a Sophia saiu, fui no meu quarto, eu ia sair também, eu ia surfar, eu amo surfar, abri meu guarda roupa, mas, quando abri a caixa de fotos minha e da Sophia caiu, e foram sendo espalhadas milhares de fotos pelo chão, vi uma de quando estávamos no orfanato, outras quando chegou uma bebê no orfanato, de quando saímos de lá, enfim, de momento por momento tinha foto nossa. Aquilo me trouxe um aperto no coração, me senti culpada. Culpada por ter dito aquilo tudo a ela, mas é verdade tudo aquilo que ela disse, eu não tenho um corpo legal, nenhum garoto nunca se apaixonou por mim, não que eu me importe mas sempre bate aquela "bad", eu nunca recebi um pedido de adoção e dentre outros, sofro bullyng no colégio todo dia, por ser gorda, eu peso 76, e isso me compromete em muitas coisas. Não quero ser anoréxica, mas as circunstâncias pedem isso.

Ao me lembrar disso tudo, corro no banheiro abro o expositor e pego minhas gilete, me sento no chão e passo a mesma sobre meus pulsos, fundo, não dói mais. Já me acostumei com os cortes, o máximo de tempo que eu consigo ficar sem os cortes são 2 dias, e isso ainda é o máximo, eu me sinto só.

Quando eu vi que já estava sem espaço pra cortes, me levantei e lavei a gilete. Fui pro quarto e guardei as fotos, me joguei na cama e pluguei minhas músicas preferidas.

Os Últimos Cortes.Onde histórias criam vida. Descubra agora