A minha face pode ter sido um pouco histérica na hora, e sei disso. Felizmente, ele me olhou rapidamente, fechou sua porta e desceu as escadas. Talvez ele não tivesse lembrado de mim e isso seria um tremendo alívio, ao meu ver. Depois de alguns segundos abri a porta, peguei as compras e entrei, jogando-as na mesa de jantar, fechando a porta e indo em direção ao quarto para mergulhar na cama. Eu não sabia a razão de tanto interesse por aquele cara, ele era comum, mas... tinha alguma coisa em seus olhos tão hipnóticos e desejáveis. Permaneci afirmando a mim mesma que era só um cara que vi no bar e que agora é meu vizinho e que por acaso também gosta de Billy Idol.
Cobri o rosto com as mãos e desejei aos céus que ele não fosse real. Bem, mesmo que isso não ajudasse em porcaria alguma, eu poderia fazer duas coisas nessa situação: a primeira, era fingir que nunca nos vimos e esquecê-lo. A segunda, era arrumar uma desculpa interna para conversar com ele, mas conversar não me parecia uma boa opção, afinal, o seu rosto sempre estava com um ar sério e a sua aparência não parecia muito acolhedora, pelo menos não para mim. Então, eu decidi que seria melhor ignorá-lo e deixar de lado toda essa situação, assim, eu não precisaria me preocupar com mais nada nem ninguém.
Levantei-me da cama e preparei a lasanha congelada, liguei a televisão e enquanto almoçava, assisti ao telejornal. Ao terminar de comer, lavei o prato e os talheres e olhei no relógio de parede da cozinha que faltavam poucos minutos para começar a reunião de moradores, então escovei os dentes, fiz uma trança nos cabelos e fui até a sala onde aconteciam as reuniões do condomínio. Chegando lá, as cadeiras estavam organizadas em forma de círculo, segundo o síndico, para que todos os moradores pudessem se olhar nos olhos e debater claramente as ideias. Grande parte das cadeiras já estavam ocupadas, uma delas inclusive, pelo cara do bar. Procurei sentar-me bem distante dele e decidi que não faria contato visual.
A reunião começou e Márcio falou o mesmo de sempre, porém, dessa vez adicionou ao assunto um aviso de que agora, nosso prédio contava com três novos moradores. Seu Márcio pediu que eles dissessem seus nomes e depois, que os antigos moradores se apresentassem. A primeira nova moradora a se apresentar se chamava Carmem e era uma jovem senhora, muito bem vestida e com um ar simpático. A segunda nova moradora chamava-se Aline e parecia uma jovem desleixada e preguiçosa, um pouquinho parecida comigo, talvez. Por fim, o último a se apresentar foi o cara do bar, sem sorrir muito ou esbanjar qualquer expressão disse seu nome em alto e bom tom.
- Me chamo Oliver.
O síndico agradeceu e pediu que cada antigo morador também se apresentasse e cada um deles falou seu nome, menos eu, é claro. A única parte ruim de não ter um nome, é ter que explicar para os que não me conhecem a razão de eu não ter um nome. Demorei cerca de três horas para explicar para seu Márcio, quando vim morar no prédio, que eu não tinha nome. No final das contas ele entendeu a razão e não me obrigou a me apresentar nas reuniões.
Depois das apresentações, Oliver permaneceu olhando para mim com uma expressão confusa, porém pacífica, como se perguntasse com o olhar "e você, não vai falar o seu nome?". Tentei não me preocupar muito com ele e decidi prestar atenção no resto da reunião. Cerca de uma hora e meia depois, a reunião acabou e cada um foi para o seu apartamento. Essa foi a hora mais preocupante para mim, ter que subir dois lances de escada com Oliver ao meu lado. Sem jeito de mudar a situação, saí da sala atrás dele e começamos a subir as escadas, calados. Alguns poucos minutos se passaram até que eu decidi que deveria quebrar o gelo e falar com ele mesmo tremendo por dentro. É, a minha ideia de ignorá-lo acabara de falhar.
- Então você gosta de Billy Idol? – Perguntei com a voz baixa.
- Sim... O som essa noite estava muito alto no meu apartamento? – Ele sorriu de uma forma cativante.
- Não, na verdade não. É que cheguei de um bar e quando fui entrar em casa, escutei a música.
- Ah, claro! Você é a moça que estava ontem no bar que eu fui! – Ele disse parecendo realmente ter se lembrado de mim.
- Pois é. E você é o cara que tanto escrevia num caderninho.
- Isso mesmo. Caramba, somos vizinhos!
- É.
O assunto cessou e nós dois nos preparamos para entrar em nossos respectivos apartamentos. Antes de entrar, ele se virou para mim e desejou uma boa tarde e eu retribuí. Entrei, fui correndo atrás de Zoé e abracei-a fortemente dizendo baixinho:
- Zoé, ele não é tão sério assim!
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Minha Querida Sem Nome II
Romance"Ela", "Você", "Moça" é uma jovem adulta que mora com sua gata Zoé em um apartamento na cidade grande. Ela trabalha em uma biblioteca e gosta de escrever crônicas em seu tempo livre ou então ir a um bar perto de sua casa para beber seu drink favorit...