Capítulo 8

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Depois que ele falou isso de mansinho, sorrindo, pensei que talvez a minha visão anterior de que ele era um cara sem-graça, fechado e frio mudou um pouco. Talvez ele não fosse assim tão tímido e sozinho. Meus pensamentos estavam borbulhando depois da nossa conversa e ele passava a mão no cabelo, tentando ajeitá-los, depois regulava o volume da música, depois ficava com um tique nervoso no pé, balançando-os sem parar e enquanto isso, não havia conversa alguma.

De repente ele se levantou e recolheu as garrafas de cerveja, perguntando se eu gostaria de beber algo mais e eu neguei. Quando voltou da cozinha, decidi que era a minha hora de perguntar algo, de conhecê-lo mais, de desfazer ou confirmar minhas "certezas" sobre ele.

- Então, você já sabe muito sobre mim. Deixa eu te conhecer. Fale de si, da sua vida. – ri.

- Sobre o que quer saber? – perguntou.

- Sobre as mesmas coisas que já sabe de mim... Por exemplo, no que trabalha? – perguntei sorrindo.

- Eu sou editor. Trabalho numa empresa de edição de livros, pela manhã. – respondeu Oliver.

- Poxa, que legal. Parece que o seu trabalho é bem mais interessante que o meu. – falei.

- Não, eu não acho. O meu trabalho é bom sim, eu gosto. Mas o seu também é interessante, você tem um contato maior com o público, você organiza as prateleiras muito bem, sabe onde está cada livro, tem uma ótima memória, diferente de mim. E apesar de gostar do que faço, tenho uma carta na manga, ainda há algo que gosto mais ainda.

- E o que é? – perguntei.

- Gosto de pintar... A minha arte é bem singela, bem simples. Eu não pinto em tela. Faço tudo num tipo de papel mais grosso, resistente, com aquarela, depois passo uma caneta permanente preta, bem fininha, que aí cria o movimento e o sentimento da obra. Algumas vezes eu as vendo, quando alguém se interessa. – falou, enquanto mexia em uma pulseira preta que estava em seu pulso.

- Isso é demais. Eu gosto dessas artes simples e cheias de sentimentos. Gosto dos detalhes, das obras que mesmo silenciosas, parecem incrivelmentes gritantes. – revelei a Oliver.

- Isso é bom... Qualquer dia desses eu vou te mostrar meus desenhos.

- Eu adoraria. – sorri.

Oliver, sem sair da poltrona, esticou-se e desligou o som, fazendo o ambiente estremecer em um silêncio tremendo. Ele esfregou os olhos e pareceu estar com sono. Vi que em seu relógio digital, ao lado da televisão, marcava meia noite e quinze.

- Tá cansado? – perguntei.

- Não, só um pouquinho. – respondeu Oliver.

- Entendi...

- Aliás, eu tenho que te falar que essa coisa de você não ter um nome me deixa muito encabulado. Isso não entra na minha cabeça, na verdade. Eu realmente preciso te dar um nome. – falou Oliver, com toda a seriedade do mundo.

- Como assim? – perguntei sem entender nada.

- É, sei lá. Eu preciso te chamar de alguma coisa, não consigo ficar falando com você sem, no meio do assunto, falar seu nome. – riu ironicamente.

- Tá, escolhe um nome aí. – falei.

- Mas não vai ser um nome universal, já que você não quer ter um. Mas é assim que vou te chamar. – explicou Oliver.

- Ok. – concordei.

Oliver se ajeitou na poltrona, apoiou os cotovelos na coxa e as mãos em sua cabeça, parecendo pensar profundamente em nomes que ele poderia me chamar. Muito tempo se passou, muito mesmo, e eu já estava quase caindo de sono, mas ele continuava ali, matutando.

- Eu já sei! – berrou Oliver.

- Diga. – falei, abrindo os olhos que já estavam se fechando sem querer de tanto sono.

- As pessoas às vezes te chamam de "ela", não é? – perguntou.

- Sim. – confirmei.

- E que tal se o seu nome for Ella? Mas não "ela" normal, com dois "L". Se eu não me engano, a minha mãe conheceu uma menina que se chamava Ella, e perguntou o significado, a menina respondeu que significa "outra". Que tal, você gosta? – perguntou Oliver, animado.

- Eu não sei. O que "outra" tem a ver comigo? – perguntei levantando as sobrancelhas.

- Sei lá. Achei que seria legal. – riu.

- Tá, aceito.

- Ok, Ella. – falou Oliver, depois de esbanjar um sorriso sedutor e engraçado ao mesmo tempo.

- Nunca vou me acostumar. – ri.

Oliver riu e eu sabia que já era hora de ir. Estava ficando cada vez mais tarde e ele precisava trabalhar pela manhã. Eu me levantei e disse:

- Bom, então eu acho que já vou, tudo bem?

- Tudo sim. Boa noite, Ella. – brincou. Talvez ele também não estivesse acostumado a me chamar assim.

- Boa noite, Oliver. – eu disse.

E nos abraçamos, dessa vez mais devagar do que na primeira vez, e eu senti que não queria sair dali.




Minha Querida Sem Nome IIOnde histórias criam vida. Descubra agora