No Centro da Cidade, últimos suspiros de 2015.
Não tem nada melhor do que trabalhar duro numa coisa e ver tudo dando os seus devidos resultados.
Era mais ou menos assim que Sarah Atelli se encontrava até que o telefone começou a tocar do outro lado da mesa. Ela atendeu só no quarto toque, meio que ponderando se realmente valia a pena se desconcentrar. Geralmente não.
- Kel, o que foi?
- Não foi. É. Uma pessoa. Aqui querendo falar com você – Kellen anunciou na tentativa de ser profissional, sem conseguir atingir o objetivo totalmente.
Como se ela soubesse o quanto aquilo iria irritar Sarah. Na verdade, ela sabia.
- Tem uma pessoa aqui tentando trabalhar. Com prazos! Que precisa não ser incomodada até acabar.
- Mas a pessoa! Foi ela que disse que é urgente! – belo argumento de Kellen, delegar a culpa.
Funcionou. Era duro ter que recepcionar pessoas. Elas tinham vontades próprias. E achavam que tais vontades eram as mais importantes do mundo. Quem estava no lado oposto do balcão tinha que rebolar pra conseguir conciliarem as ordens que foram dadas previamente pelos chefes. Sarah esteve atrás de um balcão por um mês na sua vida, foi o máximo que conseguiu aguentar. Ainda assim, foi o suficiente para criar uma memória duradoura sobre a ocasião, e ter base para se compadecer. De Kellen, não da pessoa. A pessoa teria que esperar.
- Também é urgente que eu termine o serviço. Existem clientes do outro lado do computador, prontos para arrancar meu coro se eu não entregar o esboço em meia hora. Fale para a tal pessoa aguardar uns quinze minutos. Quando eu terminar, dou um toque.
A verdade é que Sarah terminou o serviço em dez minutos. Com o tempo restante se deu o luxo de revisar o texto no corpo do e-mail antes de mandar para o cliente. Aproveitou também para pegar uma caneta de ponta grossa e riscar bem forte aquele projeto da lista de fazeres do dia.
A lista contava com cada pequeno detalhe das atividades que ela tinha que desempenhar, incluindo comprar shampoo para cabelos secos e condicionados para cabelos oleosos. Sem deixar de passar na loja especializada para pegar o seu reparador para cabelos cacheados. Às vezes dava mais trabalho fazer a lista do que as atividades contidas nela. Mais uma mania decorrente do seu comportamento neurótico.
Mas quem em sã consciência não era um pouco assim? Organizar e controlar o ambiente à sua volta era uma atitude apenas louvável. Tomar cuidado redobrado para não cometer erros, seja em textos de e-mails, na combinação de cores para um projeto, ou até na escolha de uma roupa adequada para certa ocasião, era direito de cada um que quisesse savaguardar sua integridade. Isso não queria dizer que ela não tivesse comprometido sua integridade no passado. Porque claramente comprometeu. E muito.
E por pensar no assunto, só pensar no assunto, se materializou no umbral da sua porta o maior erro que ela já cometeu. Não deu nem tempo de xingar internamente, nem de se perguntar que tipo de bruxaria era aquela. Oliver Timber já se aproximava com seu andar gatuno da mesa que ela estava.
Sem nem pedir licença.
- Sarah, preciso da sua ajuda,
- Não – foi sua resposta imediata.
- Preciso, sim. Preciso mesmo.
- Não – ela falou na mesmíssima entonação. Estava na ponta da língua.
- Você não sabe o que me aconteceu – ele falou em tom de derrota colocando as mãos sobre a mesa.
- Sei, sim.
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O mundo dá voltas
ChickLitSarah Atteli está de bem com a vida. Dona do seu nariz, dona da sua pequena empresa, dona do seu corpo. E é assim que ela pretende permanecer. Não é nenhum Oliver Timber querendo uma vaga de emprego na Atteli Comunicações que vai mudar alguma coisa...