Acordei, mas fui esperta o suficiente para não abrir os olhos. Papai e Tia Sarah estavam em mais uma daquelas conversas engraçadas deles. E se eles vissem que eu estava acordada com certeza iriam suavizar o tom e me incluir na conversa.
Eles sempre faziam isso. Era por essa razão que sempre que podia eu fingia que estava dormindo só para ouvir a real conversa deles. E eles nunca desconfiavam.
Como eles eram bobos!
- Nada disso estaria acontecendo se você tivesse comprado o remédio que eu te pedi. Eu estaria dormindo, na maior paz, igual Alicia.
- Sar, quantas vezes eu vou ter que falar? Me desculpa, eu esqueci.
- De comprar bala e chiclete você não esqueceu, né? Eu precisava muito do remédio, Oli, agora eu vou ficar toda confusa com o fuso horário.
- São só duas horas de diferença, Sar. E Alicia ficou me perturbando pra comprar o chiclete em forma de band-aid. Aliás, você quer um?
Isso era mentira, eu pedi só uma vez. Ou duas. E meia. Mas não tinha sido por isso que ele tinha se esquecido de comprar o remédio de dormir da Tia Sarah.
Ele esqueceu porque ele quis.
E porque comprou outra coisa no lugar.
Remédios e farmácias eram coisas que eu não entendia, tudo tinha nomes complicados demais e eu não conseguia diferenciar um do outro. Era um saco. Eu preferia prestar atenção na parte de balas, que foi justamente onde eu achei o tal chiclete com forma de band-aid.
Queria poder colocar um na boca agora, mas isso iria estragar o meu fingimento.
Papai disse que mascar chiclete é bom para desfazer a pressão no ouvido quando o avião sobe ou desce. E pelo visto o avião estava prestes a descer, era por isso que Tia Sarah estava nervosa daquele jeito.
Ela tinha sonhado que o avião iria cair. E acordou convencida de que aquilo era verdade. Contou isso para o papai logo cedo da manhã, antes de a gente ir para o aeroporto, passar na farmácia e todas essas coisas. Assim que entramos no avião ela ficou brava por papai não dar a devida atenção à premonição dela.
Papai me explicou, na hora em que a gente foi à farmácia, que Tia Sarah tinha medo de avião, mas que ela nunca iria admitir isso. E depois comprou pra mim o chiclete em forma de band-aid em troca da minha promessa de que eu não riria do medo da Tia Sarah.
Nem falaria sobre o tal remédio.
Eu prometi. Primeiro porque não tinha prestado atenção do que era a outra coisa que ele tinha comprado e segundo porque eu realmente queria muito o chiclete.
Mas o chiclete podia ficar para outra hora.
- Não, não quero – minha tia parecia muito firme na decisão de recusar o chiclete. – O que eu quero é um copo de vinho daquele que a aeromoça estava oferecendo e você me interrompeu na hora de pegar.
- Mas ela tinha aquele chazinho que você gosta! – papai argumentou. – Ninguém em sã consciência desperdiça a oportunidade de tomar seu chazinho preferido, né? Não tem porquê.
- Porque estamos a quilômetros e quilômetros do chão e eu não gostaria que a última coisa que eu ingerisse na minha vida fosse um chazinho, soa como uma boa razão pra você? – Tia Sarah perguntou.
- Então você preferia que fosse um remédio? Que tem gosto ruim? – papai rebateu.
Ele era o melhor nos argumentos sem sentido.
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O mundo dá voltas
ChickLitSarah Atteli está de bem com a vida. Dona do seu nariz, dona da sua pequena empresa, dona do seu corpo. E é assim que ela pretende permanecer. Não é nenhum Oliver Timber querendo uma vaga de emprego na Atteli Comunicações que vai mudar alguma coisa...