30 - Pitanga dá em árvore?

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- Kellen, você não sabe o que aconteceu ontem – Sarah chegou no escritório a todo vapor.

Jogou sua bolsa na primeira superfície que não estava tomada por papeis, que vinha ser o chão. Elas precisavam urgentemente dar uma organização geral ali. Mas ia ficar para outra hora, porque naquele momento Sarah se adiantava até sua sala para averiguar que diabos Kellen estava fazendo por lá, visto que ela não estava na recepção.

- Sei de um monte de coisas que aconteceram ontem – disse Kellen do banheiro. – Por exemplo, Fábio ficou fazendo massagem nas minhas costas até eu dormir, essa era minha condição pra ele ver uma droga de um jogo de futebol ridículo que ele queria ver. Nem era do flamengo! Não entendo como um torcedor do flamengo quer assistir um jogo que não é do flamengo. Qual é o sentido? Eu perguntei pra ele, ele me veio com essa proposta, deu pra perceber que ele não sabia explicar o sentido, mas você acha que eu me importei? Que eu recusei a massagem? Claro que não! Dormi em cinco minutos! Ando dormindo do nada esses últimos dias. Será que é assim que a pessoa começa a ter narcolepsia? – Sarah não era a pessoa mais indicada para dar essa resposta. – Tenho pra mim que não era nenhum desses acontecimentos que você tinha em mente pra me contar, não é mesmo?

- Não, não era mesmo – com ênfase na questão médica.

Kellen saiu do banheiro, a imagem do bom humor matinal salpicada com palidez. Sarah gostaria de ser um pouco assim. Por outro lado, Deus a livrasse de desejar bom dia a todo mundo que cruzava seu caminho na rua. Tinha gente que tinha horror a isso. Gente como Sarah. Gente que dizia:

- Vou largar a terapia – logo pela manhã.

- Por conta do quê? – dava para ver que por essa Kellen não esperava. – Pensei que estivesse te fazendo bem, que você estivesse chorando suas pitangas pra valer! Juro que tem horas que não te entendo.

- Eu tava mesmo! Imagina você, tinha até começado a chorar umas pitangas cabeludas, daquelas que eu não tenho orgulho nenhum. Mas, como eu deveria ter previsto, ela começou a deixar a desejar, insinuar coisas que não tem propósito nenhum, o que só corrobora com a minha teoria de que não existe ninguém mais nesse mundo para confiar.

Kellen abriu seus olhos de um jeito que dizia como-você-é-extrema, mas não era exagero nenhum. Sarah podia afirmar. Esteve afirmando desde que saiu do consultório.

Re-pe-ti-ti-va-men-te.

Seus dedos coçavam para desmarcar todas as sessões, mesmo as que já estavam pagas. Não importava, ela tinha que deixar pra lá. Pelo bem da sua paz. Não tinha sido para isso que ela tinha entrado na terapia para início de conversa? Se não estava funcionando era hora de deixar para trás, era assim que as coisas deveriam ser num mundo normal.

Sarah tinha ambições de ser a normalidade em pessoa.

- Mas o que foi que ela disse? Você acha que dá processo?

Sarah franziu o rosto todo. De onde aquilo tinha saído? Era zero o estilo de Kellen esse tipo de questionamento.

- Que é? É a pergunta que a família de Fábio sempre faz! É tipo como se fosse o bordão deles – Kellen tentou se defender.

Se Sarah fosse arriscar um bordão para Kellen, seria o bom e velho a-gente-vai-lá-fazer-o-maior-barraco.

- Tá acontecendo alguma coisa que eu precise saber? – Sarah perguntou logo de uma vez.

Porque ela odiava ser a última a saber. Coisa que já tinha acontecido vezes demais com ela. Logo, a qualquer sinal de anormalidade Sarah ligava seu alerta. Kellen falando em advogados era anormal.

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