Sarah não apareceu pra pegar o sanduíche. Oliver não podia dizer que ficou surpreendido, estava resignado de que ela não ia aparecer para nada. Por isso, seguiu dando continuidade ao seu treino enquanto o almoço não ficava pronto.
Foi só quando ele estava muito concentrado desenhando a volta de um "A" que ela resolveu dar as caras. Nem parecia que ela tinha dormido metade de um dia inteiro, tinha olheiras, um semblante cansado e os cachos bagunçados no alto da cabeça. Ele torcia para que pelo menos daquela vez ele não fosse o motivo daquilo tudo.
- Você deve saber o que está fazendo, usou a melhor marca – ele colocou a embalagem que tinha achado mais cedo em cima do balcão.
- Não acredito que já chegamos ao ponto em que você revira meu lixo – Sarah desfaz seu coque e o refaz logo em seguida, uma mania que ela tem quando está alterada.
Oliver até que queria alterá-la. Mas não dessa maneira.
- Não estava no lixo, tá bom? Estava próximo.
- Isso não faz de você menos intrometido.
- Mas foi pro seu bem.
Sarah abaixou a cabeça devagarzinho até encontrar o balcão da cozinha. Oliver foi mexer o molho que borbulhava na panela. Torcendo para que a receita desse certo, fazia muito tempo que ele não se arriscava a executá-la. Faltavam motivos para cozinha comemorativa ultimamente.
Não tinha nada de muito elaborado em macarrão com molho branco, mas tampouco existia sentido em fazer uma panela inteira de comida para ele comer sozinho. Ele sempre tentava manter a forma. As ondas precisavam dele o mais leve possível para poder voar nelas.
- O que é isso? – Sarah estava com o papel dele na mão.
- Meu treino das letras, você tem visto? Mando todo dia as fotos para Kellen, já que você me bloqueou em tudo que é lugar. Tenho treinado em vidro também, você viu? Imagina a janela de um café escrita com umas letras assim! Vai ficar irado, não?! Pode ser naqueles quadros de aviso também. Vão chover clientes atrás da gente pra fazer isso! Os vidros estão lá trás, na horta, vou buscar. Vou trazer meu caderno também pra você ver.
Ele disparou da cozinha, cheio de energia. Sarah deu mais uma olhadinha no papel antes de deixar a cabeça tombar novamente na superfície fria do balcão.
Os desenhos estavam bons e ela se sentia mal. Num dia como aquele, não se havia nem a possibilidade de rastrear com precisão qual era a razão do seu mal estar. Se era o excesso de tequila ou o desempenho absurdo dele nos desenhos.
Sua cabeça pulava de pensamento em pensamento sem se prender a nenhum. Como ele tinha voltado a ficar bom assim tão rápido? Ela tinha que parar de beber desesperadamente assim. A dor estava atravessando seu crânio. Também seria uma boa se ela checasse como andava seu estoque de camisinha.
Oliver voltou a todo vapor, deslizando um caderninho para ela pelo balcão, logo depois levantando dois pedaços de vidro na altura dos seus olhos. Os vidros estavam repletos de desenho e letras. Era muita informação. Ele estava sorrindo. Droga, tudo estava muito bonito. Ela era sensível à beleza. Ele estava ciente disso. Também sabia o quanto o talento dele poderia ser útil para a empresa. E o quanto a empresa poderia passar a depender disso. E como ela não queria aquilo.
- Ficou animal, né? Olha esse "Atteli" que eu escrevi aqui. Você gostou desse "A"? Fiquei tentando melhorar no papel...
O "A" estava bom. Tudo estava bom. Aquele era o problema. Ela não podia recusar uma coisa que não tinha defeitos. Ainda não estava louca. Mas só ainda. Louca ela ficaria se voltasse a depender dele.
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O mundo dá voltas
ChickLitSarah Atteli está de bem com a vida. Dona do seu nariz, dona da sua pequena empresa, dona do seu corpo. E é assim que ela pretende permanecer. Não é nenhum Oliver Timber querendo uma vaga de emprego na Atteli Comunicações que vai mudar alguma coisa...