Capítulo 1

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04 de Novembro.
Corredor da ala leste, Colégio Rodrigues Alves, 16h03min.

Era final de primavera e o verão parecia não querer esperar, os últimos dias tinham sido de um calor intolerável, independentemente de qualquer critério. Alguns minutos atrás eu estava metaforicamente morrendo de fome (muita fome), mas de repente isso tinha perdido completamente a importância. O meu corpo estava caído no chão e algum lugar nas minhas costas estava sangrando.

A situação era delicada e parecia exigir alguma atitude providencial, mas eu simplesmente não
conseguia me mexer, não conseguia pensar em nada. Toda a minha atenção estava concentrada nos esforços que eu fazia para conseguir respirar.

Embaixo de mim - no chão - formava-se uma poça de sangue que timidamente (aos poucos) ia crescendo.

A dor que eu estava sentindo era demasiada intensa. A minha vontade era de arrancar as minhas costas do resto do meu corpo. Gritar aliviava a dor apenas por alguns segundos, não era suficiente (e dificultava ainda mais a já difícil tarefa de respirar).

Na minha frente, há apenas alguns passos de distância, três indivíduos me observavam. Olhavam o meu corpo lambuzar o chão de sangue. Os três paralisados, não conseguiam reagir, não conseguiam sair do lugar. Estavam em estado de choque, perplexos com o que acabara de acontecer.

Igor, o menino mais bonito da escola (e provavelmente o mais inteligente também, pelo menos em minha opinião), encontrava-se parado em pé com as mãos na boca.

Tiago, com a pele pálida, estava ajoelhado no chão com as duas mãos em cima daquele boné azul horrível e a boca aberta.

Alice estava em pé e me olhava com igual desolamento com que outros dois me olhavam.

Os três se encontravam em um estado de transe. Eu ali no chão, precisando de ajuda, e eles não faziam nada. Pareciam preferir não acreditar que tudo aquilo era real.

O revolver estava jogado num canto do corredor.

De quem era a culpa?

Veio correndo Santiamem, o dono da cantina, ele provavelmente tinha escutado o barulho do disparo da arma.

- Vocês já ligaram para a ambulância? - ele perguntou

Ninguém respondeu, os três estudantes continuavam paralisados. Ele então se virou para Igor.

- Me dá seu celular, rápido garoto! - esbravejou ele, fazendo com que Igor saísse do transe.

O menino assentiu e entregou o celular com a mão tremendo.

Santiamem discou para a emergência e em seguida se agachou próximo a mim.

- Vai ficar tudo bem, a ambulância não vai demorar a chegar, agüente firme.

Uma pequena multidão de pessoas foi se formando no corredor em volta do meu corpo. Alunos, professores e funcionários atraídos pelo estrondo do tiro que ecoara por toda escola.

- É melhor levarmos ele para a entrada da escola, a ambulância não conseguirá chegar até aqui. - sugeriu Santiamem.

- Não acho uma boa idéia. - alertou Vanderlei (professor de educação física quetambém estava ali próximo). - se o garoto estiver com uma lesão na coluna, nóscorremos o risco de provocar alguma paralisia nele, é melhor esperar osparamédicos, eles vão saber imobilizar o corpo para colocá-lo na ambulância.

Santiamem concordou.

- Tente manter a calma. - disse Vanderlei para mim. - procure não fazeresforço.

Eu comecei a me sentir fraco. As vozes a minha volta começaram a ficaremboladas, de repente tudo parecia um grande murmúrio. Vi dois paramédicosvirem correndo em minha direção. Senti meu corpo sendo colocado na maca. Emseguida eles colocaram o colar cervical em mim para imobilizar o meu pescoço eforam me carregando em direção à ambulância. As pessoas seguiram atrás,curiosas e apreensivas.

Antes de entrar na ambulância, minha visão começou a ficar embaçada, dei umaúltima olhada de canto de olho naquele monte de gente que me cercava. Conseguidistinguir os vultos de Igor, Tiago e Alice. As portas da ambulância sefecharam e eu escutei o barulho da sirene começar a tocar. Neste instantecomecei a lembrar de tudo que havia acontecido na minha vida nesses últimostempos e o porquê de um daqueles três ter me acertado um tiro nas costas.

Ano de 2005.

Foi um dos mais turbulentos em minha vida, naquela época eu tinha 17 anos. Gostava de garotos, mas nunca tinha feito nada! Morria de timidez em relação a esse assunto e tinha muito medo que alguém descobrisse isso e tornasse minha vida um inferno.

Eu era um garoto popular no colégio. Assumir que eu gostava de garotos significaria abrir mão da minha popularidade, coisa que eu não queria de jeito nenhum.

O ano começou de forma eufórica, eu ia para o segundo ano do ensino médio. "Estude bastante", era o que todo mundo me dizia. O primeiro dia foi àquela agitação né. Uma fofocaiada danada, muitos assuntos para se por em dia.

Os dias foram passando e logo as matérias começaram a ficar perigosamente difíceis. Eu resolvi então passar a frequentar as aulas de reforço à tarde.

Foi num desses dias que vi Igor no pátio. Um garoto de 16 anos. Cruzei o pátio para ir para a sala bem devagar, fiquei observando ele. Igor era lindo, estava com cara que havia acabado de sair da piscina, um cabelo curto preto lisinho bagunçado com aspecto molhado, usava havaianas brancas que me deixou com muito tesão, vestia uma bermuda com o símbolo da Nike atrás e uma camisa regata preta que deixava seus braços fortinhos pra fora.

Assisti à aula de maneira distraída. Eu precisava conhecer aquele menino. No dia seguinte o procurei no recreio de manhã, acabei descobrindo que ele ficava com os amigos perto da cantina.

Tá, mas eu precisava dar um jeito de me aproximar mais.

Um dia veio a ideia de chegar mais cedo para a aula de reforço e ver se Igor estava na piscina, afinal ele estava sempre com um aspecto molhado quando eu via ele de tarde, ele devia fazer natação.

Da arquibancada da piscina vi a equipe de natação do colégio treinando. Vários filezinhos na piscina. Eu também nadava, só que eu era da equipe do clube.

E lá estava Igor nadando com uma sunga preta. Uma delícia!

De repente ele sai da piscina enquanto todos ainda nadavam e foi em direção ao vestiário.

OPA! Minha chance, pensei.

Sai da arquibancada e fui para o vestiário. Na porta, percebi que ele estava falando no celular:

"Eu já saí do treino, porque preciso ir ao dentista, mas vamos fazer a parada no domingo sim e avisa ao Léo."

E aí desligou o telefone.

Eu entrei no vestiário, lá estava ele todo gostoso só de sunga. Fingi que estava indo lavar a mão e fiquei olhando ele no espelho discretamente. Ele tirou a sunga. Fiz força para me controlar. Ele procurava algo na mochila, deu uma coçada no saco que me deixou excitadasso, e então achou o shampoo na mochila e foi para o box tomar banho, mas deixou a porta aberta.

Eu precisava sair do banheiro, senão ficaria na cara, Igor iria desconfiar de mim. Até mesmo para um maníaco por limpeza, eu já estava há muito tempo lavando as mãos ali.

Precisava arranjar outra desculpa para continuar no banheiro, eu não queria sair dali.

Então resolvi ficar arrumando meu cabelo em frente ao espelho, acho que essa era uma boa desculpa. Meu olhos miravam discretamente o box, ou melhor, miravam aquele moleque que estava dentro do Box se ensaboando todo gostoso, seu pau era lindo, todo bonitinho, fiquei imaginando ele duro.

De repente escuto vozes vindo para o vestiário.

O resto da equipe deveria ter acabado o treino, nussa, aquele vestiário ia virar um paraíso.

Os moleques começaram a entrar no vestiário, todos de sunga e chinelos havaianas.
Definitivamente era melhor eu sair dali. Seria muito arriscado continuar alí e não dar na cara. Além disso, já era quase hora da aula.

Minha cabeça estava nas nuvens, eu só conseguia pensar no Igor pelado. Aula de reforço era para quem estava interessado em tirar dúvidas, mas eu estava totalmente desinteressado na aula. Eu ficava passando e repassando a imagem do Igor na minha cabeça.

De repente.

- Gustavo, quem você acha a menina mais bonita do colégio?
[An????] - Que pergunta é essa Paula? - Paula era a menina que assentava na minha frente na aula de reforço, ela também era da minha sala de manhã.

- Não ué, só pra eu saber...
- Ah, a Fernanda. - eu respondi sem pensar muito, a maioria dos garotos tinham essa opinião.
-Ah tá... Mas e a Alice, Gustavo?
-Quê que tem a Alice?
- É que muitos garotos acham ela.
- Bom a Alice é quase tão bonita quanto a Fernanda. E é mais gente fina também.

Estava na cara que havia algo ali. Mas Paula parecia tentar fazer com que parecesse uma conversa normal, "perguntas que se fazem por fazer, sem intenções por de trás".

Depois da aula de reforço eu ia pro clube treinar. Algumas pessoas achavam um completo absurdo eu fazer parte da equipe de natação do clube ao invés da equipe da escola.

Sei lá, eu já estava acostumado com o clube.



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