Chantagem e Consequência...

Capítulo 26

Peguei o chip no chão e comecei a ler o bilhete.

"Gustavo,

Não sei bem como dizer isso.

As pessoas às vezes sonham, e às vezes escolhem o pior caminho para realizar esse sonho. Eu já quis, um dia, ser popular na escola, sabe.
No começo desse ano eu recebi uma noticia terrível que virou minha vida de cabeça para baixo. Eu descobri que tinha câncer.
A única coisa que eu conseguia pensar era que eu tinha que realizar meus sonhos antes de morrer.
Quando eu assisti aquele vídeo de você e Igor, vi uma oportunidade de conseguir minha popularidade através de você.

Só que as coisas pioraram. Com o tempo, o meu câncer foi evoluindo. E ai eu comecei a fazer a pior coisa que alguém poderia fazer, comecei a descontar toda minha frustração com a doença em você, que não tinha nada a ver. E comecei a piorar as chantagens. Quis loucamente transformar sua vida num inferno pior do que aquele que eu estava vivendo.

Sei que você pensará que agora é tarde demais para eu escrever isso. Eu também acho que é tarde.
Mas mesmo assim decidi escrever. Você está livre, livre para viver o seu amor feliz e em paz e sem preocupações.

No que eu puder ajudar para esclarecer as coisas com o Igor, você me fale.

Eu morreria sem me perdoar se eu soubesse que vocês não voltaram.

Peço desculpas por tudo. Sei que será difícil perdoar. Eu tenho passado  por momentos difíceis nesta última semana que estão me fazendo olhar a vida de um modo diferente. Não vale a pena ficar nutrindo rancor e ódio.

Sinceramente quero me entender com você. Peço para que tenha o coração aberto.Quero esquecer as lembranças ruins do passado, gostaria que você esquecesse também.

Estou te devolvendo o chip da câmera e queria dizer que estou muito envergonhado de tudo que fiz.
(se você puder manter segredo que eu tenho câncer)

Tiago"

Depois que li aquela carta,um sentimento de culpa invadiu minha mente.
Começaram a descer lágrimas dos meus olhos, por incrível que pareça. Eu deveria ter vontade de berrar "bem feito" na cara dele. Mas não era esse o meu sentimento.

Eu estava com pena de Tiago. Ele estava com câncer, poxa, isso não era qualquer coisa. Por que eu não tinha lido o bilhete antes? Nada do que acontecera no anfiteatro precisava ter acontecido... Tiago devia estar morrendo de ódio de mim agora...

Eu tinha exposto ele na frente do colégio todo. Eu comecei a chorar de arrependimento. Tudo acontecera rápido demais.

Quem é o homem que eu vejo
Onde eu deveria estar?
Eu perdi meu coração
Eu o enterrei bem fundo
Embaixo do mar de ferro

Dormi pensando em como eu ia conversar com Tiago no dia seguinte.

De manhã no colégio só se falava no fato de Tiago usar peruca, algumas pessoas fazendo piadinhas de mau gosto, risadinhas abafadas etc. Não consegui achar Tiago em lugar nenhum, mas consegui o telefone da casa dele a duras penas comum colega da sala dele.

De tarde liguei para a casa dele e quem atendeu foi a empregada, ela me perguntou se eu era algum colega de Tiago e eu disse que sim, então ela medisse que ele estava no hospital. Depois que eu muito insisti, ela acabou me falando que hospital que era.

Resolvi ir no tal hospital, falei pra minha mãe que tinha um colega internado lá e então ela me levou de carro.

Chegando no hospital, perguntei na recepção sobre Tiago e a mulher me disse  em que ele estava.

No corredor do quarto dele, virei pra uma enfermeira que estava ali e perguntei se ele podia receber visitas. Ela olhou a ficha do quarto e me disse que sim,depois continuou seu caminho indiferente.

Bati na porta e entrei.

Tiago estava deitado na cama jogando Game Boy Color. Não usava boné nem peruca,estava ali careca, o rosto pálido... 

   Ele me olhou assustado. Eu então falei:

- Tiago, acho que eu preciso me explicar pra você, véi.

Contei chorando o que tinha acontecido. Ele assentiu com a cabeça, sereno e calmo, não era o mesmo Tiago que brigava com todo mundo e fazia confusão, era outro Tiago. Um Tiago que eu nunca tinha visto antes. Ele fez sinal para eu assentar numa poltrona que havia ali no quarto.

- Está tudo bem, Gustavo. Eu não quero morrer com ódio e rancor no pensamento, quero minha mente em paz quando eu partir dessa vida. - ele disse dando um sorriso sem graça.

- O quê você está falando, Tiago? - eu disse desesperado.

- Hoje, eu vim no hospital fazer uma sessão de quimioterapia. Daqui a pouco eu vou voltar para casa. Mas eu sei que eu terei que voltar aqui de novo. Eu estou com o que os médicos chamam de sarcoma de Ewing, é uma espécie de câncer - ele disse triste. - Eu estou sendo tratado com quimioterapia, por isso que meus cabelos caíram.

- Mas então, agora você vai ficar bem, certo? - eu perguntei.

Lagrimas começaram a escorrer no rosto de Tiago.

- Eu não sei, sabe - ele dizia chorando e soluçando. - Meu quadro piorou. Eu tô com medo de morrer ow. Ninguém nesse hospital me dá as noticias direito, sabe, meus pais falam comigo como se tudo estivesse bem, mas eu vejo a tristeza nos olhos deles. Eu só queria saber a verdade sobre o que vai acontecer comigo.

Ele continuou falando:

- Tinha tanta coisa na vida que eu queria ter feito. Tanta coisa que eu adiei, falei que fazia depois e agora não tem mais jeito. Desculpa eu estar desabando com você, mas você foi o único a me visitar tirando a minha família, e eu não queria que eles me vissem triste porque sei que eles ficariam péssimos com isso, não quero que eles sofram mais.

As palavras agora saiam embaralhadas com o choro, Tiago continuou falando.

- Dói muito não saber o que vai acontecer ow. Dói demais ver nos seus pais tristeza quando eles olham pra você. Se eu morrer, o que vai acontecer comigo? Sabe, o que foi que eu fiz pra merecer isso ow? Eu sei que eu não sou a melhor pessoa do mundo, poxa, mas sei lá, sabe. Eu só queria ter uma vida normal como qualquer outro. Eu não vou saber o que é casar... o que é ter filhos... o que é criar adolescentes... dar conselhos pro filho sobre garotas...   

    Nesse momento eu já tava chorando igual a um bebê também, agachei do lado da cama e segurei a mão de Tiago.

- Vai ficar tudo bem Tiago, vai ficar tudo bem, eu prometo... Desculpa-me por tudo que eu fiz a você. – eu falei para Tiago que estava assentado na cama do quarto do hospital.

- Eu é que tenho que pedir desculpas. Você e Igor já se acertaram? – Tiago me perguntou.

- Ainda não, mas vou resolver isso hoje. Quando ele terminar o treino de natação no final da tarde, eu vou estar lá para conversar com ele.

Tiago concordou com a cabeça.

Eu e Igor não estávamos nos falando desde o dia em que ele havia me pegado no vestiário supostamente pagando um boquete para o Tiago, mas tudo tinha sido apenas um plano vingativo que Tiago tinha feito.

Voltei pra casa, de ônibus. Um sentimento triste em mim. Fiquei no quarto deitado na minha cama pensando em como eu estava levando a minha vida. A resposta não era boa.