Penúltimo capítulo

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Tiago saiu de baixo de mim e se ajoelhou ali perto, com o corpo todo tremendo, espantado.

Era final de primavera e o verão parecia não querer esperar, os últimos dias tinham sido de um calor intolerável, independentemente de qualquer critério. O meu corpo estava caído no chão e algum lugar nas minhas costas estava sangrando.

A situação era delicada eparecia exigir alguma atitude providencial, mas eu simplesmente não conseguiame mexer, não conseguia pensar em nada. Toda a minha atenção estava concentradanos esforços que eu fazia para conseguir respirar.

Embaixo de mim, no chão, formava-se uma poça de sangue que aos poucos iacrescendo. 

   A dor que eu estava sentindo era demasiada intensa. A minha vontade era de arrancar as minhas costas do resto do meu corpo.


Na minha frente, há apenas alguns passos de distância, três indivíduos me observavam. Olhavam o meu corpo lambuzar o chão de sangue. Os três paralisados, não conseguiam reagir, não conseguiam sair do lugar. Estavam em estado de choque, perplexos com o que acabara de acontecer.

Igor, o menino mais bonito da escola (e provavelmente a mais inteligente também, pelo menos, na minha opinião), encontrava-se parado em pé com as mãos na boca.

Tiago, com a pele pálida, estava ajoelhado no chão com as duas mãos em cima daquele boné azul horrível e a boca aberta.

Alice estava em pé e me olhava com igual desolamento com que os outros dois me olhavam.

Os três se encontravam em estado de transe. Eu ali no chão, precisando de ajuda, e eles não faziam nada. Pareciam preferir não acreditar que tudo aquilo tinha sido real.

O revólver estava jogado num canto do corredor.

Santiamem, o dono da cantina, veio correndo, ele provavelmente tinha escutado o barulho do disparo da arma.

- Vocês já ligaram para a ambulância? - ele perguntou.

Ninguém respondeu, os três estudantes continuavam paralisados. Ele então se virou para Igor.

- Me dá seu celular, rápido, garoto! - esbravejou ele, fazendo com que Igor saísse do transe.

O menino assentiu e entregou o celular com as mãos tremendo.

Santiamem discou para a emergência e em seguida se agachou próximo a mim.

- Vai ficar tudo bem, a ambulância não vai demorar a chegar, agüente firme.

Uma pequena multidão foi se formando no corredor em volta do meu corpo. Alunos, professores e funcionários atraídos pelo estrondo do tiro que ecoara por toda escola.

- É melhor levarmos elepara a entrada da escola, a ambulância não conseguirá chegar até aqui - sugeriuSantiamem.
- Não acho uma boa ideia - alertou Vanderlei (professor de educação física quetambém estava ali próximo). - Se o garoto estiver com uma lesão na coluna, nóscorremos o risco de provocar alguma paralisia nele, é melhor 

esperar os paramédicos, eles vão saber imobilizar o corpo para colocá-lo na ambulância.

Santiamem concordou.

- Tente manter a calma - disse Vanderlei para mim. - Procure não fazer esforço.

Eu comecei a me sentir fraco. As vozes a minha volta começaram a ficar emboladas, de repente tudo parecia um grande murmúrio. Vi dois paramédicos virem correndo em minha direção. Senti meu corpo sendo colocado na maca. Em seguida, eles colocaram o colar cervical em mim para imobilizar o meu corpo e foram me carregando em direção à ambulância. As pessoas seguiram atrás, curiosas e apreensivas.

Antes de entrar na ambulância, minha visão começou a ficar turvada, dei uma última olhada de canto de olho naquele monte de gente que me cercava. Consegui distinguir os vultos de Igor, Tiago e Alice. As portas da ambulância se fecharam e eu escutei o barulho da sirene começar a tocar. Senti meus olhos se fecharem.

Acordei e eu ainda estava na ambulância, eu ainda não estava morto. O barulho da sirene estava ligado. E eu percebi que o carro estava em alta velocidade. Havia um paramédico ali comigo e a professora Maria José estava ali, me acompanhando. Fiquei quieto, só observando as coisas. Ela soltou uma exclamação quando viu que eu estava com olhos abertos.

- Ele acordou – ela disse se levantando.

O paramédico fez um sinal para ela se conter e então ela se assentou de volta.

O que será que iria acontecer comigo?

Chegando no hospital, me colocaram numa maca. E ai eu vi várias coisas que nem tem como descrever. Eu naquela maca olhando para o teto. Então chegou um médico, deu várias instruções para um cara que eu acho ser um residente do hospital e ai eu fui para uma sala.

Eles fizeram o sangue estancar. A bala não tinha entrado no meu corpo. Eles teriam que fazer um pequeno enxerto. Mas eu ficaria bem.

Eu teria que ficar quatro dias de recuperação no hospital, depois eu teria alta para ir para casa, mas mesmo assim eu deveria ficar quietinho, sem fazer muitas coisas bruscas.

Lembro quando meus paischegaram onde eu estava. Eu recebi um abraço muito gostoso dos dois. Um abraçocomo eu há muito tempo não recebia deles. Acho que foi o abraço mais gostosoque já tinha recebido deles. Eles estavam chorando. Eu acabei chorando tambémvendo eles chorarem. Eu nunca vou esquecer daquele abraço.

Alice e a família dela vieram me ver também. Acho que ela já tinha contado paraos pais que a gente tinha terminado. Ou pelo menos parecia. A visita deles não demorou muito.


Depois foi Igor. Ele trazia um peso de culpa no olhar.

- Gustavo. Desculpa. Alice me contou o resto da história que você não tinha me contado. Eu não sabia. Eu já me acertei com o Tiago, pedi desculpas para ele e ele aceitou. Mas eu nunca vou me perdoar de ter acertado o tiro em você. Dei um tiro na pessoa que eu mais amo – ele disse.
- Guin, esquece! Eu vou ficar bem. Relaxa.

Nessa hora eu tive a impressão que tudo ficaria bem mesmo. E dessa vez eu não estava enganado.

Igor me deu um abraço. Ah, eu nem acreditava que eu poderia ficar em paz com ele. Depois de tudo pelo qual eu tinha passado. Será que era um final feliz?


Recebi várias cartas dos meus colegas me desejando melhoras e eles vieram um dia todos juntos me ver. Foi nessas pequenas atitudes que eu me senti especial. Eu estava feliz. Eu estava muito feliz. Só havia um detalhe que impedia a minha felicidade plena, a doença de Tiago. Ele tinha que sarar sô!

Eu recebi alta do hospital numa segunda-feira. Faltei à escola o resto da semana, o pessoal ia me ver lá em casa. João, que era um dos cdfs da sala e que era meu amigo, me trazia suas anotações e dava tipo uma aulinha sobre a aula do dia.

Eu e Alice, graças a deus, ficamos numa boa. Ela soube respeitar a gente e não contou para ninguém sobre eu e Igor. Eu e Igor continuávamos a namorar escondidos. Mas tínhamos planos de contar para nossos pais, mas preferimos esperar mais.

Tiago ainda lutava contra o câncer. Ele agora estava internado no hospital. Eu e Igor o visitávamos pelo menos duas vezes por semana, e entre umas risadas e outras, aos poucos fomos nos tornando grandes amigos, por incrível que pareça. Tudo que a gente tinha vivido, tinha mexido muito com a gente.

Chegou dezembro e as aulasacabaram. Aquela emoção de fim de ano, que se tornou maior ainda porquerecebemos a noticia que Tiago tinha conseguido vencer o câncer. Os médicos deTiago tinham implementado a radioterapia e o corpo dele reagira melhor a essetratamento do que a quimioterapia.

    

Chantagem e Consequência...Onde histórias criam vida. Descubra agora