Cap. 33

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Quando a aeronave fez sua curva sobre o lago Paranoá pude ver as casas lá em baixo. Lembrei do rosto do Guto que ao me abraçar na entrada do satélite do aeroporto de Brasília disse: “Claudinho, não me pergunta mais nada o que posso te dizer é que Marcello precisa de você hoje em São Paulo e é só”.

Não entendi nada naquela hora, pensei que Marcello pudesse ter se machucado, mas descartei a ideia, Guto não seria irresponsável de saber disso e nada me falar. Pensei em mil coisas e todas me pareceram perfeitamente desconexas e confusas.

O que eu estava fazendo ali? Na manhã seguinte deveria ir trabalhar, um mundo de responsabilidades me esperavam, contudo a senha que me faz de tudo esquecer foi dita por Guto às 13h30min, de domingo; “Marcello precisa de você”.

Acho que a lasanha do almoço não havia alcançado meu duodeno quando, como num sonho, mecanicamente juntei uma calça, uma cueca, uma camisa; enfiei tudo numa mochila e apanhei o cartão de crédito. Guto a todo tempo me falava coisas que eu não prestava atenção alguma, sua lembrança não foi mais que um vulto que dizia coisas incompreensíveis num idioma que eu desconhecia. “Você me leva até o aeroporto?” Perguntei a ele que respondeu “ eu vim aqui para isso”.

Não escovei os dentes e ao cruzar a sala, minha mãe ficou sem resposta ao constatar a mochila e inquirir onde eu ia. Um beijo em sua face a calou e ela permaneceu estática com a xícara de chá de carqueja em sua mão, ela o prefere sem açúcar. Meu pai se limitou a um “Veja se liga”. Acho que ele intuiu que eu iria longe. No trajeto até o aeroporto ouvia Guto dizer coisas, porém nada me parecia relevante a não ser o que poderia ter ocorrido com ele.

Precisar de mim? Teria sido assaltado? Santo Cristo, ferido talvez? “Deus de toda vida, não deixe que mal algum se acerque dele” Pensei. Apertava a aliança como se isso o mantivesse longe de todo mal .

Ao descer do carro corri ao balcão da gol, foi o primeiro que vi. “Cláudio, aqui está o localizador do seu voo” Disse Guto me apresentando um papel o qual segurei tentando entender.”Como assim?” O questionei. Havia uma reserva para mim? Limitei-me a perguntar se o voo era para São Paulo.

Guto respondeu que sim e disse outras coisas que importância alguma dei. Fui ao balcão da Gol e fiz o check in. Inacreditavelmente o laço mal feito da atendente me incomodou sobremaneira e me aborreci com o fato dela me perguntar sobre eu ter bagagem ou não. Agia como um títere, movimentos mecânicos, pensamentos em outro lugar.

Deus Santo, como está Marcello? Seu telefone não respondia e pela décima vez tentava contato. “Guto o que está ocorrendo? Porque Marcello não responde?” Perguntei a ele que disse que quando chegasse a São Paulo eu entenderia. Ao me despedir de Guto na entrada de onde ficam os fingers, dele recebi um beijo na testa e ouvi, “fique calmo!”.

Seria possível ficar calmo? Uma semana de espera e agora isso. Tentei perguntar mais coisas, ter uma direção do que ocorria, em vão. “Marcello precisa de Você hoje em São Paulo” por si só se explicava. Sei que minha mãe estranhou o fato de Guto haver aparecido sem avisar neste domingo e sei que estranhou mais ainda eu sair sem dar direção, mas não pensei sequer um segundo em explicar o que quer que fosse.

“Deus que nada haja ocorrido com ele, que nada haja ocorrido com ele” Eu repetia isso baixinho como num mantra falado por um catatônico cujo mundo à volta nada significa.

“Santo Cristo, se ele quiser me deixar, pois que me deixe, mas não permita que coisa alguma o machuque. Deus Santo, tudo que estiver escrito para ocorrer de ruim com ele que ocorra comigo” Coisas assim pensei durante todo o voo.”Senhoras e senhores sejam bem-vindos a São Paulo a temperatura local é de...” Enquanto a voz do comandante sumia abri o envelope que Gustavo havia me entregue pouco antes de nos despedirmos e que insistira que eu só o abrisse no momento em que sobrevoasse a cidade.

O namorado da minha amiga.Onde histórias criam vida. Descubra agora