Despertado

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Uma risada maníaca, impossível de ser ouvida, ecoou na pequena sala.

Qualquer observador, incluindo os futuros profanadores de seu pequeno e torturante templo, enxergaria apenas o coelho animatrônico, fortemente danificado, de cor amarelo manchado. Sua orelha direita, danificada, tinha alguns fios saltando para fora.

O corpo, inteiramente rasgado e esfarrapado, tinha buracos expondo mecanismos e fios por todas as partes. Embora ambas as mãos estivessem intactas, suas pernas estavam totalmente à mostra, do meio da canela para baixo, expondo o seu endoesqueleto e seus fios. No rosto, tinha esboçado um largo sorriso de dentes deteriorados.

O que ninguém conseguiria desconfiar era a existência do corpo mutilado, sepultado e mumificado dentro do animatrônico, há mais de três décadas.

As órbitas na máscara de Spring Bonnie, depois de anos paralisadas, se moveram pela primeira vez.

A múmia contraiu-se, fazendo estremecer os membros decompostos e ressecados.

O espírito de Purple Guy finalmente voltara ao seu invólucro carnal.

E, ao contrário dos espíritos que criara, sabia muito bem o que ocorrera no passado.

As lembranças sacudiram-se em sua cabeça, e as vozes, há tanto caladas, finalmente ressurgiam.

Seu corpo estremeceu, quanto se recordou de sua morte.

Quando se recordou de tudo.

Lembrou das lâminas recortando sua pele, arrancando-a da carne. Seus ossos e músculos fundindo-se com as barras de metal. A dor que o incendiara, qual chama infernal, que só foi apagada quando a vida deixou seu corpo destroçado.

Tudo por culpa delas.

Havia matado aquelas irritantes e desprezíveis crianças.

E então, elas haviam tomado os corpos dos animatrônicos para si, provavelmente á procura dele, como confirmou ao destruir as diabólicas carcaças possuídas.

Os espíritos tentaram acuá-lo, e foi aí que Purple Guy tentara se refugiar no traje de Spring Bonnie.

Mas ele não tinha recordado como aquela coisa maldita funcionava. E o que deveria ter sido seu escudo tornou-se seu túmulo eterno.
A dor além da dor. Encerrado dentro do próprio corpo, foi posto para apodrecer por trinta miseráveis anos, onde nada nem ninguém se daria conta de sua existência amaldiçoada.

Baixou os olhos animatrônicos em direção ao chão, vendo os pequenos ossos coalhando a sala. Tantas décadas depois, sem nada que os protegesse do clima e dos insetos, nada sobrara dos pequenos cadáveres que ali haviam jazido um dia, exceto uma ou outra vertebrazinha, facilmente confundidas com sobras de uma refeição no chão sujo e empoeirado.

Já o seu... sim, ele não desaparecera. Ressecara e apodrecera ali. Protegido pelo demoníaco traje, não pudera descansar como o resto dos corpos. Intacto, até onde se poderia saber, e para sempre amarrado ao de Springtrap.

Um som rouco e grave, como o grunhido de uma pantera moribunda, escapou dos dentes apodrecidos da múmia de Purple Guy, saindo pela mandíbula travada do animatrônico.

Para a perplexidade do espírito incubado, outros sons se seguiram ao seu gemido, completamente novos, soando pela primeira vez desde que despertara. Todo aquele tempo sem ouvir o som humano tornou as vozes ainda mais perturbadoras.

- Ajude aqui, Welsh!

Ouviu-se o som de algo forçando a porta da Safe Room, seguido de mais vozes.

- William, segure as fitas. Cara, esse lugar fede muito.

- O que queria? Esse lixão está abandonado há quase meio século! Se acharmos mais alguma coisa, vai ser muita sorte. Na pior das hipóteses, a gente arranca essas decorações da parede e enfeita os corredores de lá.

- Colocar a guarda noturna pra andar fantasiada de ciborgue não cola, então? – uma das vozes disse, rindo - ei, estou brincando!

Irrequieto de início, Springtrap voltou a paralisar-se, quando a porta cedeu, caindo com um estrondo diante da sala secreta.

A poeira levantou-se do chão, esfumaçando-se no ar e fazendo os três homens que entraram ali tossirem e espirrarem. William soltou a sacola, empunhando-a no pulso, cobrindo a boca.

- Não disse? Só poeira! – engasgou-se Welsh, abarcando o rosto com a mão, com os olhos lacrimejando.

- Ei, esperem! – engrolou Sam, apontando para o fundo da sala, embora quase não visse nada na penumbra – tem alguma coisa ali!

Os três avançaram, ainda cobrindo os narizes, e recuaram, pasmos, ao focalizarem o animatrônico esverdeado, caído contra a parede.

- Meu Deus – Welsh arregalou os olhos – ele é... é um... será que é mesmo...?

Sam soltou uma gargalhada maravilhada.

- Não é apenas... um, cara – o rapaz sorriu, animado – eu... acho que é ele. Acho que é o primeiro da franquia.

- A primeira pizzaria?

O rosto de Sam refletia uma completa excitação, como um garotinho que ganhara uma bicicleta nova.

- Não. Minha nossa. Acho que é do primeiro restaurante. Family Diner.

William soltou um palavrão, embora seu sorriso minimizasse o efeito grotesco do xingamento.

- Eles vão enlouquecer – arfou Sam, ajoelhando levemente na direção de Spring Bonnie, olhando-o como se reverenciasse uma jóia rara – Fazbears Fright vai ter um animatrônico. Um animatrônico de verdade! Cara, isso é sensacional!

- Deixe a gatinha da noite saber disso – William fungou, rindo.

- Ei, tarado de plantão. A mulher tem dono.

- Sonhar nunca matou ninguém – desdenhou o homem, fazendo os outros dois rirem, enquanto segurava os ombros de Springtrap – me ajudem a levantar esse carinha aqui.

Em alguns minutos, após quase cinqüenta anos de reclusão, o traje de Spring Bonnie via a luz do dia mais uma vez, enquanto era transportado para o caminhão com os demais adereços recolhidos da Freddy Fazbear's Pizza.

Em poucas horas, o animatrônico já estava em seu novo lar. E o empresário da Fazbears Fright, empolgado, agora tinha certeza absoluta do sucesso de sua atração.

- Abriremos em breve – havia dito aos demais, com um brilho de expectativa no olhar – essa empreitada já tinha oportunidade de ser fantástica. Mas agora... ela será inesquecível.

Não sabia, apenas, que a recém-desperta mente doentia, dentro de sua casa de horrores, concordava plenamente com seu planejamento.

Tornaria sua presença ali algo que jamais nenhuma pessoa iria esquecer.

Podia ter sido um assassino em vida.

Mas, agora, seria um pesadelo em morte.

Ele era Springtrap. E havia retornado para ser um demônio sobre a Terra.



Five Night's At Freddy's: A OrigemOnde histórias criam vida. Descubra agora