24 - Encontros e Despedidas

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Charles e Nice adentraram o quarto cheios de um estranho pesar. As paredes brancas do cômodo pareciam refletir a paz absoluta - e incômoda - que tomara o ambiente desde que Manuel saíra para visitar a família, levando toda a animação da casa consigo.

- Confesso que isso é realmente uma pena. - murmurou Nice, suavemente, enquanto o marido girava a chave do guarda-roupas. - Manuel foi um dos poucos exemplos de decência e bondade que pisaram nesta mansão em meses. Vou sentir falta dele.

- A Cinderela sabe o que está fazendo. - Charles abriu as portas do guarda-roupa e demorou-se um momento a contemplar seu interior. - E era exatamente isso que todos nós queríamos. Que ela tivesse plena consciência de seus atos. Depois de ver aquela garota crescer, amadurecer e ganhar o mundo de um jeito inesperado, pelo menos para mim... É difícil não se envolver. É quase impossível não criar laços. - ele olhou por sobre o ombro. - É tão bom poder ver aquele sorriso, sentir que ela está mais perto da felicidade. Ela tem esta certeza, e consegue trasmiti-la sem muito esforço. Me diga você, não se sente bem por ela?

- Claro que sim, Charles. Nossa afilhada merece ser feliz, como qualquer mortal. - Nice colocou duas malas vazias sobre a cama. Com a ajuda de Charles, começou a enchê-las com as coisas de Manuel. - Só não tenho certeza de que ela está no caminho certo. A Cinderela já se enganou tantas vezes, foi tão iludida... se estivesse no lugar dela, eu já teria desistido. Iria abaixar a cabeça e aceitar minha sina de solteirona.

Ele não conteve uma risada, seguida de um curto suspiro. Por um momento silencioso, refletiu sobre as palavras da esposa. Mais cedo, Cindy lhes dera instruções claras para fazer as malas de Manuel. Ela era adulta e presidia uma das maiores empresas de moda do Brasil. Sua fortuna era tão grande que permanecia eternamente em sigilo. Mesmo jovem, tinha considerável experiência de vida. Ela provavelmente sabia o que estava prestes a fazer. Se não soubesse, teria de arcar com as consequências, mais uma vez. Já não caberia a Charles e Nice responder por qualquer que fosse sua decisão.

Gigi atravessou a rua de paralelepípedos com uma calma atípica, alisando o vestido de saruel vermelho, o olhar oculto pelas lentes escuras de seus óculos Armani. A tarde de domingo era agraciada por um grande sol resplandescente, cujos raios cintilavam na superfície do mar.

Ela caminhou ao largo do píer, observando a fileira de veleiros que balançavam ao sabor das ondas. Uma excitação juvenil percorreu-lhe o corpo, deixando-a completamente arrepiada. Por um segundo, pensou ter sentido uma lufada do perfume amadeirado de Jim contra seu rosto.

- Gigi! - o modelo, de repente, saltou do último veleiro. Seu sorriso era branquíssimo, e ele parecia fazer questão de exibir a pele bronzeada, exposta pela camisa parcialmente desabotoada. Gigi sentiu o perfume dele novamente, desta vez mais forte. - Pensei que tivesse dito para você me esperar no seu apartamento.

- Jura? - ela aparentou confusão por um momento. - Desculpe, não foi o que eu entendi. Peguei um táxi e vim o mais rápido que pude. Estava ansiosa para descobrir o que você anda aprontando. Na verdade, ainda estou.

- Bom, não importa. O importante é que você está aqui. - ele caminhou em sua direção, esfregando as mãos e esboçando um sorriso sedutor. - Eu queria lhe fazer uma surpresa.

- É mesmo? Pensei que iríamos falar sobre o Júlio, novamente.

- Não, já disse tudo o que precisava ser dito. - Jim estava perigosamente próximo, trazendo consigo uma onda de calor humano. - Ele nunca te mereceu, Gigi. É horrível ter que falar mal de um amigo, mas eu não poderia permitir que ele a enganasse novamente. Só quero que você saiba que, quando se trata de mulheres, o Júlio não vale um tostão furado. E é por isso que estou aqui. Para proteger você das garras de aproveitadores como ele.

Gato BorralheiroOnde histórias criam vida. Descubra agora