07 - Surpresa!

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Cindy se divertia com as diferentes reações dos competidores enquanto o jantar era servido. Jim, sempre à espreita, prestava atenção a tudo, menos na comida;  Manuel, constrangido, claramente desconhecia as normas básicas de etiqueta e, portanto, não sabia como agir; Fernando, por sua vez, assumia uma postura discreta e refinada; e Júlio, como o playboy que era, parecia querer apenas aproveitar o gostinho de sentar-se àquela mesa farta e luxuosa.

 - Eu não deveria avisá-los, mas como estamos apenas começando, vou dar uma colher de chá. - Cindy esperou que Charles terminasse de servir o vinho para continuar. - Esta é a primeira fase do nosso jogo. Podemos chamá-la de "Teste do Jantar". Agora, vocês são meus "maridos". Mostrem como se portam à mesa.

- Será mesmo necessário? - Júlio tentou soar sedutor. - Ou você já se esqueceu dos nossos jantares à luz de velas?

Antes que algum dos jogadores protestasse, um súbito estrondo ecoou pela sala de jantar.

- Aí está você! - a voz esganiçada de Gigi gelou os ossos não só de Júlio, como de todos os presentes. - Não sei que bicho te mordeu. Vamos embora, que a minha paciência já esgotou!

Cinderela guinchou, indignada.

- Mas quem foi que deixou essa besta-fera entrar?!

- Fica na sua, ô princesinha pervertida, porque o assunto aqui é entre mim e o meu marido. - Gigi, então, voltou-se para o constrangidíssimo Júlio. - Eu estou disposta a perdoar este seu disparate se voltar pra casa agora e repensar sua atitude.

- Essa mulher é sua esposa, Júlio?! - Cindy sentia-se, ao mesmo tempo, envergonhada e confusa. - Alguém pode me explicar o que é que está acontecendo?

- Calma, Cindy, não é bem assim. - ele finalmente interveio. - Eu realmente estava com a Gigi, mas nosso relacionamento acabou há pouco tempo. Pelo visto ela ainda não conseguiu aceitar muito bem.

- Ele não sabe o que está dizendo! - Gigi respondeu com um sorriso de desdém. - Vamos, Júlio, aquela casa não é a mesma sem você.

Ele a encarou como um serial killer diante da vítima.

- Gigi, você é burra mesmo ou perdeu de vez o juízo?! Eu não vou voltar!

O clima tenso mergulhou o cômodo num silêncio absoluto.

Desmanchando a pose, Gigi começou a fungar como um cachorro chorão e, então, vieram as lágrimas e soluços. Ela correu em direção à porta, abandonando a mansão sem um pingo de dignidade.

Na sala de jantar, todos os olhares convergiram para Júlio, que não sabia onde meter a cara.

 Ruth observava a mãe enquanto mastigava as sobras do almoço.

- Mas isso é doido demais pra ser verdade! - Zilda acabara de ouvir sobre o jogo de Cinderela. - Tem certeza que ela não estava só brincando?

- Tenho, mãe. Mas boca de siri, hein? Se a chefe descobrir que eu ando espalhando essa história, já posso reservar lugar na fila do seguro desemprego. - ela fazia questão de enfatizar o tom de desdém. - A patricinha já tá desconfiando de mim. Não posso dar mole.

- Ela sempre foi uma moça tão centrada...

- Sabe o que é isso? Falta de pais que lhe imponham limites. - Ruth serviu pacientemente um copo de suco. - Você sabe que a Cindy nunca saiu da adolescência. Tendo berço de ouro e recebendo tudo de mão beijada, por que ela se preocuparia com outra coisa além de curtir a vida?

- Não exagere, Ruth. A Cinderela teve pais maravilhosos e uma criação exemplar. Lembro quando vocês duas estudavam lá no colégio. Apesar de você bater o pé e insistir no contrário, eu nunca vi a Cindy tratar ninguém diferente porque tinha mais dinheiro. Ela tinha valores.

- Bem, pelo visto, alguns valores ficam no caminho. - Ruth esfregou as mãos, fingindo despreocupação. - Mas já que estamos falando de pais... E o meu pai? A senhora nunca mais teve notícias dele?

Ela sorriu, satisfeita por chegar onde pretendia.

- De novo essa história, Ruth? - Zilda levantou-se, visivelmente nervosa. - Por que tanto interesse nesse homem? Ele faz alguma falta? Pra mim, não. Eu acho melhor você esquecer esse assunto, de uma vez por todas!

- Que horror, hein, Júlio? - Cindy e os outros retornavam à sala de estar. - Barraco logo no primeiro teste? Isso sem contar que você está, aparentemente, casado. Eu poderia te mandar embora agora.

- Eu nunca me casei. Acha mesmo que eu faria uma coisa dessas? - Júlio sorria, mas estava internamente desesperado com a possibilidade de eliminação. - Meu relacionamento com a Gilda nunca foi oficializado. Melhor assim.

 Cindy virou-se para ele, sorrindo.

- Vou confiar em você. Mas fique ciente que a sua pontuação está negativada. Isso é pra você aprender a resolver melhor seus relacionamentos.

Quando Cinderela acabou de falar, a campainha se fez ouvir.

- Já passa da meia-noite... - Fernando comentou, irônico. - Devemos ir todos embora antes que o encantamento se quebre?

- Charles e Nice já foram se deitar. - Cindy pensou alto, ignorando-o. - Eu não costumo receber visitas tão tarde, mas, em todo caso, tenho quatro bravos cavalheiros para me defender.

Ela foi até a porta e, se tivesse visto pelo olho mágico, talvez a supresa pudesse ter sido menor. Ali estava ele, depois de anos, com o mesmo rosto liso e charmoso, o sorriso tímido, os olhos amendoados e o cabelo bagunçado. Não se encaixava em padrões de beleza, estava até mais cheinho, mas ainda era capaz de lhe tirar o fôlego. Seu cheiro - natural, doce e nostálgico - penetrou o ambiente de imediato.

- Oi, Cindy. - ele disse, sempre meigo e suave. - Tô vendo que o tempo deixou você ainda mais linda.

Ele nunca fora muito bom com palavras, mas naquele momento elas eram simplesmente desnecessárias.

Gato BorralheiroOnde histórias criam vida. Descubra agora