20 - Caindo Na Noite

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Cindy sorriu para a multidão embasbacada quando Elton abriu a porta do banco de trás. De braços dados com Jim e Manuel, ela lançou um breve olhar para Beto, que vinha logo atrás, enquanto se aproximava da longa fila na entrada da Fever Nite.

As batidas eletrônicas já podiam ser ouvidas ao longe, mas, para Cinderela, os murmúrios de admiração, perplexidade e inveja é que eram música para seus ouvidos. Por incrível que parecesse, ela não esperava causar tanto - nem tão cedo.

Depois de um tempo razoável de espera, o quarteto bombástico já se encontrava no interior da casa noturna. Uma confusão de fumaça, luzes coloridas e corpos jovens enchia o ambiente, dominado pela classe "A". Nada que fosse estranho à Cinderela ou Jim, mas não se podia dizer o mesmo dos outros.

- Rapaz! - Manuel olhou boquiaberto para o pequeno palco, sobre o qual diversos instrumentos esperavam pelo grupo que se apresentaria em instantes. - Onde eu estive a minha vida toda?

- Calma aí, Manuel. - Beto riu ao dar um tapinha amigável no ombro dele. - A noite está apenas começando.

Ao pôr os pés na cozinha, Ruth congelou. Ela olhou para a mãe, debruçada sobre a mesa com um jornal em mãos, tentando decifrar o que aquilo significava. Era quase meia-noite. Aquilo não fazia nenhum sentido.

- Também não consegue dormir? - dona Zilda voltou-se para ela, plácida, pegando um copo do que parecia ser água com açúcar. - Junte-se ao bando.

- O que aconteceu, mãe? - Ruth aproximou-se, fechando o robe de veludo em torno da cintura. - Insônia?

- Exatamente. - Zilda sorriu. - Engraçado como a vida às vezes nos deixa tão cansados de certas coisas, que nem por um decreto conseguimos descansar.

Ruth arqueou uma sobrancelha, intrigada.

- Quer conversar sobre isso? - ela puxou uma banqueta ao lado da mãe. - Alguma coisa tá te deixando preocupada?

- Nada de especial, não. - Zilda pigarreou e bebeu um novo gole. - Mas algo me diz que quem está meio perturbada ultimamente... é você.

- Perturbada, eu? - Ruth parecia confusa. - Acho que não sei do que a senhora tá falando...

Zilda sorriu, suspirando.

- Você não acha que pouparia um bom tempo confessando em vez de tentar se fazer de desentendida? - ela pousou a mão delicadamente sobre o braço estendido da filha. - Ruth, você está estranha desde que aquele rapaz voltou. Não negue que ele mexe com os seus sentimentos. Eu sou sua mãe.

- O Beto não "voltou", mãe. - Ruth desviou o olhar. - Nós sempre mantivemos contato depois do colégio. Até alguns dias atrás, a gente jogava conversa fora pela internet. A senhora não acha que, se eu estivesse mesmo apaixonada pelo Beto, isso não teria vindo à tona antes?

- Talvez, com a possibilidade de perder o rapaz para a sua ex-melhor amiga mais uma vez, você tenha percebido o quanto ainda gosta dele. - Zilda sorriu tristemente. - Você nunca superou aquela história toda, não é?

Ruth levantou-se e começou a andar em círculos pela cozinha.

- É isso o que a senhora quer ouvir? - ela disse de repente, estancando. - Tudo bem. Talvez... talvez eu esteja mesmo interessada no Beto. E não sei dizer se isso é bom.

Manuel quase se debruçava sobre o palco, quando sentiu um cutucão - que não era devido ao empurra-empurra na pista de dança.

- Não vai se perder, hein, Manuel? - Cindy deu um risinho. - Algum problema?

Com um resmungo, ele apontou para a banda, que acabara de tocar sua última música e preparava-se para deixar o palco. Cindy não precisou de muito tempo para entender a deixa.

Gato BorralheiroOnde histórias criam vida. Descubra agora