Charles fechou as portas atrás de si, encarando os olhares ainda estupefatos na sala de jantar.
- Parece que tudo estava realmente premeditado. - ele disse, rompendo o silêncio sepulcral. - As malas de Cleide sumiram, bem como todos os seus pertences. Creio que aí cabe um processo por abandono de emprego...
- Isso nem passou pela minha cabeça, Charles. - Cindy pareceu recuperar a lucidez, ainda que meio relutante. - O que aconteceu aqui foi tão fora do comum que a última coisa que eu quero é me envolver, entende? Provavelmente a Cleide não vai voltar a pôr os pés aqui nem pra receber o que ainda lhe devo pelos seus serviços. Vamos tentar esquecer esse imbróglio, ok?
- Que coisa, não? - Jim tentou, por um segundo, fingir solidariedade pela situação constrangedora de Cinderela. - Mas antes de fazer essa cena lamentável, a Cleide chegou a comentar conosco, na piscina... Disse que teríamos uma prova surpresa hoje à noite.
- Quer dizer que, além de se demitir da maneira mais bizarra possível, ela ainda ousou interferir no andamento do jogo? - pela primeira vez naquela noite, Cindy sorriu. - Ela não mentiu. Tenho mesmo algo prepardo pra depois do jantar. É um teste super básico, não se preocupem.
Neste momento, Nice chegou com uma nova bandeja. Desta vez, os pratos traziam algo comestível - e surpreendentemente apetitoso, levando-se em conta o improviso.
- Não quero me meter, dona Cinderela, mas tenho uma sugestão. - Charles aproximara-se da ponta da mesa, onde Cindy ostentava seus longos cabelos castanhos. - Por que não fazer o teste durante o jantar? Creio que todos nós estamos algo exaustos com os acontecimentos do dia, e isto encurtaria a noite...
- Tem razão, Charles. - ela concordou, determinada. - Traga as fichas.
Os jogadores seguiram o rastro de Charles para fora do cômodo, tomados pela curiosidade. Em poucos minutos, o mordomo estava de volta, carregando uma caixa preta envolta por um laço de fita dourada.
- Bom, se estão dispostos a casar comigo, é porque devem me conhecer, não é? - Cindy tomou-lhe a caixa delicadamente. - Ou pensam que conhecem. E é exatamente para sanar a dúvida que elaborei um pequeno quiz. Ora, não me olhem assim, babes. Tenho certeza de que vão se sair bem.
Um sorriso sádico atravessou o belo rosto de Cinderela, fazendo com que todos engolissem em seco involuntariamente.
- Manuel, vamos começar com você. - ela disse, retirando a primeira ficha da caixa. - E a primeira pergunta é: "Com quantos anos perdi meu primeiro dente de leite?".
O pagodeiro engoliu em seco imediatamente, acuado pelos olhares que se lançaram sobre ele.
- Mas... mas isso é mesmo importante? - ele gaguejou para Cindy. - Quer dizer, acho que eu não tenho como saber disso.
- É mesmo, Manuel? - a voz de Cindy respondeu, docemente irônica. - Pois eu me lembro perfeitamente de ter comentado essa história com você quando a gente namorava. Lembra da Fada dos Dentes?
Manuel sentiu o sangue subir-lhe para as bochechas. Tentou puxar pela memória, mas o dente de leite não estava em lugar algum, muito menos a fada. Chegou a cogitar que Cinderela estivesse blefando. No entanto, quando sentiu o tempo se esgotando, chutou uma resposta.
- Seis? - ele evitou olhar nos olhos da ex-namorada. - Acho que foi isso.
- Não. - Cindy fez cara séria, mas no fundo se divertia com a situação. - Foi no dia do meu aniversário de sete anos! Eu me preocupei, me desesperei, achando que ficaria feia e "banguelinha" pra sempre. - ela riu. - Super normal, afinal, todos os meus amigos ainda conservavam todos os dentinhos de leite. Pra me consolar, e evitar que eu ficasse birrenta na minha própria festinha, meus pais disseram que a Fadinha dos Dentes iria me trazer uma grande recompensa no dia seguinte. E trouxe mesmo: quando acordei, havia uma réplica dos sapatos de rubi da Dorothy (de "O Mágico de Oz") debaixo da minha cama. Lógico, não eram de rubi, mas eu não me importei. Acho que foi aí que esse meu vício em sapatos começou.
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Gato Borralheiro
Ficção GeralUma metrópole qualquer, 2013. Cinderela Ramos de Moraes - ou simplesmente Cindy - é uma jovem rica, linda e independente. Presidente da Cristal Calçados, a empresa da família, tem paixão assumida por sapatos e popularidade entre os funcionários. Pa...