Ruth e Cindy se encararam por um longo momento.
- Não, você não vai ser demitida. - a empresária suspirou. - Embora a sua traição me doa e desperte em mim um tipo de fúria que há muito não sentia, eu serei sensata. Não vou denunciar ninguém por injúria e difamação, já tenho muita burocracia com que me ocupar.
Ela se levantou, passou por Ruth sem fazer qualquer contato visual e abriu a porta.
- Aliás, trabalho é o que não falta nesta empresa. - ela continuou, convidando-a a se retirar. - O assunto aqui está encerrado.
Ruth pigarreou, o semblante abatido. Fingindo arrependimento, lançou um olhar meio suplicante para a chefe antes de se retirar. Internamente, no entanto, torcia para que o circo pegasse fogo de vez.
- Omelete? - Jim contorceu os músculos faciais assim que a mesa foi servida.
- Algo contra, Jim? - Júlio percebeu que iria gostar de provocá-lo. - Seus pais nunca lhe ensinaram que não se reclama da comida em casa alheia?
Preocupado com a imagem, o modelo rapidamente voltou-se para Nice.
- Não é nada disso. - e deu uma nova olhada no prato. - É que eu tô tentando evitar frituras. Você não teria um pãozinho integral pra mim, talvez um iogurte?
- Se a "modelete" não pode abrir mão da dieta em nome da Cindy, então acho que deveria pedir pra sair.
Júlio sorriu diante do olhar injetado do adversário.
- Deixa o cara, meu. - Manuel finalmente se pronunciou. - Será que a gente não pode nem tomar café em paz?
- Qual é, rapaz? - Júlio se exasperou. - Fica na sua, se sabe o que é melhor pra você. Aliás, eu não sei o que foi que deu na Cindy no dia em que ela deu trela pra um garçonzinho de boteco!
Manuel levantou-se de supetão, grunhindo ameaças ao se lançar sobre Júlio.
- Mas o que é isso?! - Fernando olhou desesperado para cada um dos presentes. - Parem já com essa briguinha desnecessária!
Com a ajuda de Charles e Nice, Fernando arrancou Manuel de cima de Júlio e olhou para os dois com reprovação.
De seu lugar na extremidade da mesa, Jim se rendia às gargalhadas.
Ruth abriu a porta lenta e timidamente.
- Com licença. - ela disse com suavidade, introduzindo Deborah no gabinete.
A designer avançou alguns passos, mas esperou que a secretária se retirasse. Então, olhou para frente e pigarreou, mas Cindy não se moveu - continuou de costas, colada à janela, observando o trânsito.
- Cindy, eu trouxe a nova versão daquele modelo. Espero que goste. - Debby aguardou por um silencioso instante. - Cindy?
- Pode deixar em cima da mesa. - a empresária virou-se, cruzando os braços. - Vou dar uma olhada assim que minha cabeça estiver mais fresca.
- Você está obviamente tensa, minha amiga. - Debby aproximou-se sem hesitar. - Tudo isso é por causa do trabalho?
- Não quero falar sobre isso agora.
- Não tô te reconhecendo. - Debby puxou uma cadeira. - Eu sou sua amiga. Você pode desabafar.
- Tô uma pilha de nervos! - Cindy debruçou-se sobre a mesa. - E não é só por causa do trabalho, não. A minha vida pessoal nunca esteve tão atribulada. Acho que eu tô até ficando louca...
- Credo, mas por quê?
Cindy suspirou.
- Deixa pra lá. - ela pegou os papeis que a designer trazia e os examinou rapidamente. - As mudanças foram realmente positivas. Mas, sorry, eu não tô com cabeça pra isso agora.
Debby arqueou as sobrancelhas, recusando-se a receber os papeis de volta.
- Ok, eu entendo, só que não vou sair daqui até que você me explique direitinho o que é que tá acontecendo.
Pela expressão de Cindy, ela percebeu que deveria ter saído à francesa.
- Se você não quer sair, saio eu! - afirmou a empresária, caminhando a passos firmes em direção à porta. - Eu estava mesmo precisando de um cafezinho, daqueles bem fortes.
Cindy bateu a porta atrás de si e Debby permaneceu ali, estupefata, encarando o vazio.
- A Cindy nunca fica desse jeito, nem de TPM. - ela se pôs de pé, conjecturando. - Tem alguma coisa muito estranha nessa história. - e sorriu. - Aposto que tem a ver com um cara. Ela nunca comentou sobre a própria vida amorosa, talvez nem tivesse... É isso aí, minha amiga tá apaixonadinha. Logo ela, a "Miss Independent"!
E deixou a sala com um sorriso de comercial de pasta de dentes, como se dali saísse diretamente para o tão aguardado casamento de Cinderela Ramos de Moraes.
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Gato Borralheiro
Narrativa generaleUma metrópole qualquer, 2013. Cinderela Ramos de Moraes - ou simplesmente Cindy - é uma jovem rica, linda e independente. Presidente da Cristal Calçados, a empresa da família, tem paixão assumida por sapatos e popularidade entre os funcionários. Pa...