12 - Segredos

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- Com licença, seu Jorge. - Zilda emergiu de trás da porta.

O diretor baixou o jornal e arqueou as sobrancelhas desgrenhadas.

- Pois não, dona Zilda... - e pôs-se de pé. - Entre.

Ela pôs os pés na sala com seus modos tímidos e hesitantes de sempre. Aproximou-se de Jorge Torquato e, sem talento para rodeios, comunicou-lhe.

- É que... as meninas e eu já terminamos por hoje. Me pediram pra vir falar com o senhor, já que talvez a gente pudesse sair mais cedo...

- Claro, dona Zilda. - ele sorriu. - Vocês merecem. Não se preocupem, não vou descontar do salário de ninguém. Sei que o colégio deve estar um brinco.

Zilda era uma pessoa de natureza retraída. A presença do diretor do Colégio Libertae fazia-lhe tamanha pressão involuntária que ela sequer conseguiu dizer "obrigada". Buscando desviar as atenções, pousou o olhar sobre o jornal do dia.

 - Deseja alguma coisa? - Jorge quebrou o gelo. - Dona Zilda...?

- Esta é a coluna do Lucas Taveirós?

- É, sim. - ele riu. - A vida das celebridades não me interessa. Pode levar o jornal, se quiser.

Ela fez um gesto de agradecimento e se retirou, os olhos fixos na matéria. De repente, antes de cair e si, sentiu os mesmos olhos lacrimejarem. Uma lágrima lhe escorreu furtiva pelo rosto e molhou o papel.

- Canalha! - Zilda cuspiu sobre a foto de Lucas no topo da página e, tomada por uma erupção de raiva e ressentimentos, amassou o jornal, enfiando-o na lixeira mais próxima.

"Ele não te ama como eu, te quer mais do que eu / Duvido que ele faz amor gostoso como eu..."

Cindy se aproximou furtivamente de Manuel, que se preocupava muito mais com a afinação do que em regar as flores.

"Eu sou o cara pra vo..." - Manuel petrificou ao dar de cara com a ex-namorada, que não se conteve e riu.

- Oi, Cindy. - ele tentou passar por cima do próprio constrangimento. - Há quanto tempo você tá aí?

- Tempo suficiente pra constatar que meu ex-namorado canta muito bem. - ela arqueou as sobrancelhas. - Tô surpresa.

- Sério?

- Não é o meu tipo de música, mas o seu talento é indiscutível. - Cindy cruzou os braços e virou o rosto ao perceber que Manuel a olhava nos olhos. - Já pensou em seguir carreira?

Ele esvaziou o regador com um sorriso tímido.

- Posso te contar um segredo? - e olhou em volta. - Eu tenho algumas gravações.

Agora era a vez de Cinderela ser pega em sua distração. Ela fitou Manuel, como que pedindo por mais informações.

- Eu tenho um CD demo com algumas regravações e três composições minhas... Não são lá grande coisa, mas espero que algum dia me impulsionem. Não dizem que a esperança é a última que morre?

 Cindy não se conteve e deixou escapar um guincho. Riu, e em seguida implorou para que ele lhe mostrasse as tais gravações. Manuel, por sua vez, hesitou, coçou a cabeça e, por fim, suspirou.

 - Segredo de estado, hein? - ele pôs o regador de lado. - Tá na minha mala. Vem comigo.

Ela sorriu novamente antes de lhe dar a mão e segui-lo para o interior da casa.

Regiane bateu a bandeja no balcão, meio ofegante.

- Dois beirutes e um litro de Coca-Cola pra mesa seis. - ela disse, passando uma folha com anotações do pedido para Sérgio. - Rola uma pausa pra descanso?

- Serviu duas ou três mesas e já tá fazendo corpo mole! - o barista incorporou a rabugice característica. - Você, minha sobrinha, não dá pra garçonete.

- Acontece que eu chego todo dia, direto do colégio, pra ajudar o senhor. - Regiane pôs as mãos na cintura. - Estudar cansa, sabia? Mas o senhor nem deve se lembrar, faz tanto tempo que não chega nem perto de um portão de escola...

Sérgio encarou a sobrinha por um instante, mas preferiu relevar e mudar de assunto.

- Se o teu irmão não tivesse jogado tudo pro alto e me deixado na mão, a situação seria outra.

Regiane sorriu-lhe com sarcasmo.

- O meu irmão tá correndo atrás da felicidade, ao contrário de certas pessoas que só ficam reclamando da vida e não tem atitude. Aliás, se ele não deu notícias até agora, deve estar é muito bem!

- Ah, é? - Sérgio enfiou a bandeja debaixo do braço. - Pois se o Manuel não der as caras em vinte e quatro horas, eu o demito. Sem dó, piedade e muito menos remorso!

Assim que o tio lhe deu as costas e sumiu pela porta da cozinha, Regiane rendeu-se à sua mania de roer as unhas. No fundo, preocupava-se com a incomunicabilidade do irmão. E, sabido o temperamento enérgico e impiedoso de Sérgio, tinha um novo motivo para apreensão.

Gato BorralheiroOnde histórias criam vida. Descubra agora