Epílogo

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Semanas depois...

Cindy agarrou a mão do marido com certo nervosismo. Correu os olhos pelas convidadas ao redor da mesa, que permaneciam em absoluto silêncio, à espera de um voluntário a iniciar uma conversa pré-refeição. Definitivamente, o clima na sala de jantar não era dos melhores.

- Então... - a anfitriã começou, numa tentativa constrangedora de quebrar o gelo. - apesar de tudo, eu consegui a façanha de me casar antes de você, não foi, Jaque?

- Eu não estou desesperada, não, Cindy. - Jaque tentou transmitir uma postura altiva, mas o desgosto e o amargor eram nítidos em sua voz. - O Antonio decidiu adiar a cerimônia e, apesar de não entender muito bem o motivo, eu aceitei numa boa. Só espero que ele não desista desse casamento... - com um pigarro, ela tentou ofuscar a última observação. - Que bobagem, né? É óbvio que isso não vai acontecer. Nosso relacionamento não poderia estar melhor.

Cindy, bem como os demais presentes, não pode deixar de notar a inconsistência nas palavras de Jaqueline. No entanto, aquele era um terreno que ela não estava disposta a explorar. Pelo menos, não naquele momento. Desviando habilmente o rumo da conversa, interpelou a jovem Ana.

- Ana, querida, você me parece tão pálida hoje. É como se tivesse visto um fantasma. - Cindy sorriu sem graça. - Pensei que você iria nos apresentar seu noivo hoje. O que é feito de Davi?

- Nem me fale, Cindy. - ela hesitou, olhando alternadamente para cada uma das amigas. Depois, de cabeça baixa, prosseguiu. - Uma hora ou outra vocês teriam que saber. Nós não estamos mais juntos. Os pais de Davi descobriram o nosso relacionamento e, por algum motivo, ele deu para trás. Até agora não caiu a ficha, sabe? A gente estava tão bem, ele repetia todos os dias que me amava... Eu... eu sentia que era algo real. Mas aí o inevitável aconteceu e ele simplesmente desistiu de tudo. Disse que nós não poderíamos ir em frente, foi morar com os pais e voltou para o Judaísmo.

Comovida, Cindy acariciou-lhe a mão de maneira maternal.

- Eu sinto muito, minha amiga. - disse com suavidade. - Mas pense pelo lado bom. Esse cara não está preparado para a vida, muito menos para a vida a dois. Por melhor que o Davi seja, Ana, ele ainda não rompeu o cordão umbilical. Não é você quem tem que fazer isso e, enquanto ele não tomar uma atitude, não estará pronto para seguir em frente. Com certeza, você merece mais do que um noivo covarde.

Cindy sorriu quando Ana franziu o nariz, contendo as lágrimas, e acenou com a cabeça em sinal de agradecimento. Em seguida, voltou suas atenções a Debby, que bufava raivosamente a um canto da mesa.

- E você, Debby? - a voz da empresária escondeu o inconfesso receio do que estaria por vir. - O que conta de bom?

- A nossa primeira coleção masculina tem tudo para ser um sucesso, Cindy. - a designer forçou um sorriso. - Hoje acompanhei de perto as fotos para o catálogo. Sabe aquele cheiro de prosperidade que a gente sente quando algo está destinado a dar certo? Então... parece que a Cristal Calçados está impregnada deste perfume.

Apesar da pró-atividade típica e do sincero otimismo em relação aos negócios, Cinderela não tinha como ignorar que algo muito errado perpassava a vida da amiga. Desde que chegara na mansão, a pé e desacompanhada,  Déborah não dava a entender outra coisa.

- E antes que você pergunte sobre o Tiago - Debby continuou, captando a deixa. - ,já é a terceira vez nesta semana que ele me dá o cano. É trabalho da universidade, eu entendo. A gente tem que pensar no futuro. Afinal, quando ele enfim der adeus àquele posto de gasolina e começar a advogar em um bom escritório, tudo vai compensar, não é? Vamos poder nos casar e viver o nosso "felizes-para-sempre". Ou, pelo menos, enquanto durar.

A própria postura da designer revelava seu conformismo com a relação de altos e baixos com Tiago, e a certeza de que seu casamento não passaria de uma experiência cômoda e desprovida de surpresas, que duraria só até quando a consideração pelo então advogado arrefecesse de vez.

Cindy fechou os olhos, acolhendo a energia estática e cinzenta de Déborah, e então fez menção de abordar Mel.

- Pelo amor de Deus, vamos poupar saliva. - a patricinha adiantou-se, demonstrando sua impaciência com formalidades. - Eu terminei com o Blake, ok? Estive em New York no último final de semana e peguei o boy no flagra com um tipinho bem duvidoso. A garota tinha até uma carteira de identidade falsa, para vocês terem uma ideia. Enfim, eu sou muito jovem para ter rugas de preocupação por causa de homem, então resolvi ser prática. Agora o Blake pode curtir à vontade com quantas prostitutas quiser, e eu continuo linda e rica. Não é maravilhoso?

Cindy e Beto não contiveram o riso, e perceberam que as jovens também haviam se rendido à graça do jeitão despachado de Mel. Um silencioso momento se seguiu, e o jantar não dava sinais de que seria servido tão cedo. Com um pigarro, Cindy levantou-se educadamente.

- Eu preciso ir ao toilet, meninas - ela puxou a barra do vestido discretamente. - Fiquem à vontade.

Cinderela desapareceu pela porta dupla da sala de jantar e caminhou decididamente em direção aos jardins. Lá, sob uma belíssima lua cheia, ela cruzou os braços e apoiou os ombros nus no tronco de um carvalho. Suspirou. Secou uma lágrima furtiva que pendera de um cílio. Inspirou o ar fresco e concluiu que aquela noite era um convite mágico ao amor. Um convite irrecusável.

- Eu sabia que tinha alguma coisa errada. - a voz doce de Beto a pegou de surpresa. - É lindo, não?

Abraçados, eles admiraram as estrelas por um silencioso momento.

- Isso não é errado, Beto. - Cindy murmurou de repente. - É uma coisa incrivelmente mágica. É assim que é descrita, mas só a compreendemos de fato a partir do momento que a sentimos.

Virou-se suavemente, como uma pluma ao vento, para encarar o marido.

- O fato de ser tão verdadeira e tão poderosa é que a torna mágica. - seus dedos longos dançaram pelo peito aconchegante de Beto. - Eu sou feliz, sabia? Sou feliz e grata porque temos algo que nenhuma delas já descobriu. Sou feliz por finalmente ter ouvido aos apelos de algo que se mostrou necessário à minha vida, um sentimento que se tornou mais importante do que tudo que eu sempre achei que era o melhor pra mim... e, pela primeira vez em muito tempo, fui capaz de aceitar plenamente algo que estava além do meu controle. Não se trata mais de uma coisa que conquistei, mas de uma coisa que faz parte de mim.

Emocionada, Cindy permitiu que a leveza da noite a invadisse e, entregue, aceitou o beijo de Beto.

- O motivo da sua felicidade é o mesmo da minha, Cindy. - ele sorriu, afastando uma mecha de cabelo do rosto dela. - Eu sou feliz porque te amo.

Sob um crescente coral de grilos, eles se demoraram a admirar um ao outro e, então, beijaram-se novamente.

Gato BorralheiroOnde histórias criam vida. Descubra agora