10 - Homens...

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Nice serviu-lhe o copo d'água com açúcar. Poucas vezes havia visto o marido tão nervoso.

- Eu não me conformo, Nice. - Charles bebericou o líquido com a cara fechada. - Não imaginava que depois dos sessenta anos teria de lidar com crianças!

- Procure se acalmar, meu bem. Apesar de tudo, nós somos empregados nesta casa. A Cinderela já é uma mulher adulta, vacinada e responsável por suas decisões.

- Mas que esse bando de homem reunido é estranho, isso é. - Cleide, a auxiliar de Nice, manifestou-se com certa irritação. - O único que parece gente boa é o tal de Manuel.

- A ideia também não me apetece, Cleide, mas nós não temos nada a ver com isso. - Nice recebeu o copo vazio. - Vamos esperar pra ver até quando essa palhaçada vai durar.

- Espero que não seja até o casamento. - Elton, o jardineiro/motorista, franziu as sobrancelhas grisalhas. - No meu tempo, esse tipo de coisa era chamado de "safadeza".

- Parece que o nosso tempo não tem mais vez, Elton. - Cleide cruzou os braços, meneando a cabeça. - É o fim. É o fim!

Era a terceira vez que Ruth corria os olhos pelo mesmo parágrafo, sem conseguir se concentrar.

- Essa papelada dos infernos! - ela se exasperou, afastando os documentos. - Ah, se eu pudesse viver bem sem trabalhar...

Ruth suspirou, procurando acalmar os ânimos. Desde a discussão com Cindy, ela se sentia estranhamente estressada. Arrependera-se amargamente de ter provocado o retorno de Beto. Por algum motivo, acreditava que isso poderia minar suas oportunidades de vingança. Na verdade, se os dois acabassem se entendendo, o status de mulher bem-sucedida ostentado por Cinderela só se estenderia ao campo conjugal.

Ela tentou afastar tais pensamentos, mas a vida feliz e portentosa de Cindy não lhe saía da cabeça. Tampouco o rosto de Beto, por quem também fora ridiculamente apaixonada na adolescência.

Por fim, olhou para o relógio da cozinha. O tempo parecia não passar. Com um rugido, ela deslizou os dedos novamente até os papeis e esfregou as têmporas enquanto tentava ater-se ao trabalho.

Júlio fechou lentamente a porta de seu quarto e avançou pé ante pé pelo corredor. Ainda era cedo, e os outros poderiam estar acordados. Parou diante da porta de mogno e colou seu ouvido a ela. Um instante depois, sorriu, alinhou o roupão e vibrou em silêncio ao constatar que a porta estava aberta.

O quarto de Cindy estava vazio. Uma nuvem de Chanel n° 5 envolveu Júlio assim que ele pôs os pés naquele ambiente que inspirava sofisticação, conforto e prazer. Riu mais uma vez e acomodou-se sobre a cama da ex.

No mesmo instante, Cindy saiu do banho relaxante, envolta em seu robe de seda. Ao dar de cara com Júlio, quase caiu para trás.

- Pra que tanto pudor, queridinha? - ele tentou soar sarcástico e sexy ao mesmo tempo, falhando em ambos. - Até onde sei, todos os homens desta casa já tiveram o prazer de vê-la em trajes de Eva. Aposto que até mesmo o Charles teve a oportunidade de...

- Quem fala demais sempre tem muito pouco a dizer. - Cindy o interrompeu rudemente. - Você não deveria estar aqui.

- O meu lugar é aqui. - ele se levantou, dando passos lentos em sua direção. - Sempre foi aqui, do seu lado, sob o mesmo teto, na sua cama... Eu ainda vou fazer você perceber isso.

- Poderia ter feito isso quando era meu noivo, né? - ela se esquivou. - Naquele tempo o seu lugar era nas baladas, iates ou na cama de alguma socialite disposta a bancar o boy magia só pra mantê-lo na coleira. Você era um bon vivant da pior espécie, Júlio; do tipo que considerava a trindade sexo, bebida e festas o sentido absoluto da vida. Você provou mais uma vez o seu caráter ao aceitar o meu convite mesmo sendo casado com a dona de uma das maiores fortunas do país. Certamente a perua cinquentona já não satisfazia seus hormônios em constante ebulição.

- Que moralismo tosco, Cindy. - ele tentou roubar-lhe um beijo, em vão. - Você não é nenhuma santa. Ou acha que confinar cinco homens sob o mesmo teto, certamente com más intenções, é coisa de moça direita?

- As minhas intenções não poderiam ser mais transparentes. Quem tem segundas intenções aqui é você.

Júlio já iria partir para o ataque, despindo o roupão, mas Cindy foi mais rápida. Com um giro, ela o neutralizou e o empurrou até que ambos se encontrassem no interior do closet.

- Você não acha que a sua situação já está bastante crítica? - ela ironizou, dando meia volta. - Desse jeito, vai ser difícil tomar a dianteira. Espero que tenha uma boa noite. O sofá é confortável.

Júlio observou, imóvel, enquanto a jovem seminua fechava as portas do pequeno cômodo. Segundos depois, o ruído da chave a dar sua volta fatal na fechadura ecoou na mente do rapaz, que já sentia suas orelhas queimarem em brasa e gotas de suor escorrerem pelas laterais do rosto.

Para Beto, o simples ato de lavar as mãos parecia uma pequena eternidade. Ele não costumava levantar no meio da madrugada para ir ao banheiro, mas vinha tendo o sono entrecortado desde que "aterrissara" na mansão.

Meio acordado, meio adormecido, tateou em busca da toalha e, depois de secar as mãos precariamente, abriu a porta.

Quase caiu para trás.

- Se não é o nosso mais novo concorrente! - murmurou Jim, cuja figura mais parecia um fantasma na penumbra. - O que faz aqui?

- O que todo ser humano normal faz em um banheiro. - ele limitou-se a responder.

- Não foi isso que eu quis dizer, Roberto. - Jim não parecia disposto a parar com a ironia. - Ah, é! Lembrei que o seu quarto é o único que não tem banheiro. Quando ouvi seus passos no corredor, fiquei preocupado. Achei que fosse o Bicho Papão!

Mas Beto não tinha a menor disposição para ouvir gracinhas. Só queria voltar para a cama o mais rápido possível.

- Não gosta de conversar, é isso? - o modelo mudou ligeiramente de expressão. - O gato comeu a sua língua ou tem consciência de que não consegue sustentar dois minutos de conversa com gente do meu nível?

Beto sorriu.

- De gente do seu nível eu só quero distância.

Ele lhe deu as costas e pôs-se à caminho do quarto, ao final do corredor. Só parou ao sentir uma mão firme em seu braço.

- Não pense você que pode deitar e rolar por aqui só porque caiu de paraquedas e a Cindy não teve cara de lhe mandar embora.

- E não pense você que pode falar nesse tom comigo só porque é um almofadinha que ganha a vida pegando celebridades em todo evento em que aparece.

Eles se encararam por um momento de tensão. Sem argumentos, Jim soltou-lhe o braço.

- Se quiser continuar bancando o engraçadinho, vai se dar mal. Vai por mim. Desista enquanto ainda lhe resta uma sombra de dignidade.

Gato BorralheiroOnde histórias criam vida. Descubra agora