Capítulo 16

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Eu não conseguia dormir, me virava na cama, já tinha contado carneiros, cachorros, vacas, tudo que se possa contar, mas meu esforço para dormir estava sendo em vão. Me virei para olhar Charlie que dormia feito anjo, me lembrei dele chegando da conferência com Vicente de cavalinho, dizendo que esse tinha sido o melhor dia da sua vida.
Vicente, me lembrei do pequeno episódio de hoje, a loira, meu falso casamento, o beijo, nossa o beijo, não sabia que sentia falta daquela boca até senti-la de novo. Dei um pulo da cama, precisava dormir, parar de pensar, fui até a cozinha para ver se um chá resolvia meu problema, quando cheguei na sala avistei Vicente jogado no sofá, ao chegar perto senti um cheiro de bebida, tentei o acordar, mas sem sucesso, fui até a cozinha e fiz um café forte, ao voltar vi Vicente sentado no sofá, seu rosto estava molhado, ele estava chorando.
- Você está bem?
- Por que você foi embora pijaminha? Por quê? Eu.. Eu.. Te amo sabia? Doeu tanto, dói ainda.
- Você está bêbado Vicente, pare.
- Não, você, você, você precisa saber.. sabia, que, até noiva eu tinha em Portugal? Mas, ela.. ela era estranha, muito, muito ruim de cama, tinha uma coisa enorme. Vicente ria e chorava ao mesmo tempo. - Você foi embora e me deixou aqui pijaminha, era para estarmos em algum lugar em lua de Mel, o lugar que você escolhesse, eu ia... ia com você pijaminha. Eu quero... queria... é queria porque você não pode saber que eu ainda penso em você.. queria te..
Vicente caiu deitado no sofá dormindo, fiz um esforço absurdo para que ele ficasse em pé e se apoiasse em mim, o levei até o quarto e o deitei na cama, tirei seus sapatos, me virei e como a boa desastrada que sou antes de sair bati em umas caixas empilhadas, vários papéis caíram no chão, acendi as luzes e comecei a juntar a bagunça que havia feito. Entre alguns papéis achei uma foto, uma foto minha, atrás dela tinha um papel, estavam grudados, comecei a ler as palavras que estavam lá.

Eu amo você, mesmo que você nunca venha ler essas palavras, você foi embora, me deixou aqui, sem saber o que fazer da minha vida. A dor que sinto nesses meses abre um buraco em meu peito, hoje estou indo para Portugal e espero que as coisas melhorem, sei que você estava disposta a me deixar, mas ao que me parece eu não estou disposto a isso, ainda não, sinceramente duvido que um dia eu esteja disposto. Não sei o porquê você se foi, mas onde estiver espero que esteja feliz. Escrever aqui é como dizer essas palavras para você, mesmo estando longe.

Até aquele momento eu não tinha notado que a dez anos atrás ele havia me amado de verdade, eu achei que era um gostar, um gostar que passasse com o tempo. Pela primeira vez senti culpa ao pensar que iludi Vicente, se ele estava assim hoje a culpa era minha, eu, pela primeira vez admiti a mim mesma o verdadeiro motivo de não voltar para a capital, não era Charlie, Charlie foi um pretexto, eu tive medo, medo de que Vicente fosse igual aos outros principalmente por ser mais novo, eu tive preconceito, julguei um amor futuro por um passado, "matei" um amor que podia me fazer a mulher mais feliz do mundo, eu, não estava sabendo lidar com isso, Vicente tinha se tornado um mulherengo, cafajeste, por culpa minha.
Apertei a foto contra o peito e sai do quarto, levei um susto ao dar de cara com Felicia que me olhava desconfiada.
- O que você estava fazendo ai?
Entreguei a foto juntamente com o papel, Felicia leu tudo, fomos para a cozinha onde ela se sentou e ficou me encarando.
- O que?
- Nem eu sei, nem pra mim você contou, por quê? Por que você embora?
- Charlie.. ele..
- Para! Já se passaram dez anos, essa desculpa nunca vol ou comigo e você sabe. Vai mesmo continuar mentindo pra uma mentirosa Liza? Você sabe que na mentira ninguém ganha de mim.
Suspirei, contar a verdade para Felicia significava abrir mão de uma armadura que criei durante esses anos.
- Ele é mais novo.
- Então é isso? Você está me dizendo que foi embora, que deixou Vicente aqui por ele ser mais novo?
- Felicia..
- Interessante Eliza, agora me diga, dez anos se passaram, ele está mais velho que você?
- Não seja ridícula Felicia, ele sempre Vai ser mais novo!
- Então me explica, se você sabia disso, por que fugiu? Eu não te entendo, quando começava um relacionamento em que era evidente o fim você não não se importava com nada, mas quando, quando realmente podia dar certo, você fugiu.
- Eu tive preconceito..
- Isso é ridículo, você é inacreditável. Eu estou falando com a mesma menina que brigou em um banco porque eles não queriam atender um homem negro, a mesma menina que deu um sermão enorme em uma galera na faculdade por estarem zombando de um homossexual e agora, você me diz que teve preconceito por estar a fim de um cara mais novo?
- Eu sei.. Eu, agora é tarde.
- Vicente se tornou um cafajeste graças a você. Tem noção disso Liza?
- Tenho.
- O que vai fazer a respeito?
- Eu não sei.
Eu realmente não sabia, o que dava pra fazer? Eu tinha "matado" um verdadeiro Príncipe, ele agora era um sapo.
- Tente lembrar Vicente do homem que um dia ele foi, o homem que ele era aos dezoito anos, você pode fazer isso, eu sei.
Fiquei em silêncio, a dez anos atrás eu não o amava eu apenas gostava de sua companhia, eu não sabia o que fazer. Mas me sinto culpada e preciso fazer alguma coisa. Decidi que ia seguir o conselho de Felicia, era o minimo que podia fazer a Vicente.
Ele podia ser um cafajeste, mas já tinha sido um amor de pessoa e estava disposta a resgata-lo.
Fiquei na cozinha até o dia amanhecer, vi Vinícius indo trabalhar, vi Felicia indo ao médico e levando Charlie junto, decidi ir ver Vicente.
Ao entrar no quarto o vi dormindo ainda, caminhei até a cama, ele ficava lindo dormindo, passei os dedos em seu rosto sentindo sua pele fria.
Meu Deus o que eu fiz com um anjo desses?
A culpa que me invadia estava me incomodando profundamente, decidi andar pelo quarto e procurar vestígios de que aquele Vicente que conheci a dez anos atrás ainda existia, abri o guarda-roupa e não achei nada, as gavetas, nada também, mas quando abri sua sapateira achei em um canto pequeno uma caixinha preta, ao abrir vi duas alianças, peguei a menor e pude ver um nome escrito nela, o meu nome, ao ler fiquei sem reação, o sangue pareceu sumir do meu corpo, me forcei a olhar mãos de perto e vi uma data, dez anos atrás, ele ia me pedir em casamento dez anos atrás e já tinha até as aliança. O que foi que eu fiz? Saí de perto fã sapateira e quando estava prestes a sair do quarto ouvi Vicente.
- O que você está fazendo aqui?
- nada, eu pensei que talvez você estivesse precisando de alguma coisa
- Não estou!
- Tudo bem.
Sai do quarto e corri direto para o meu, por mais que eu quisesse seguir o Conselho de Felicia percebi que a situação era muito pior do que imaginava.

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