Dona Inês esperava ansiosa a volta da filha porque sabia que ela traria o vestido de noivado que Madame Tedesco aprontara.
Assim que Egydinha chegou, a mãe quis que ela vestisse a roupa.
- Ora mamãe, precisa ser agora?
- Que custa Egydia? Quero ver! – insistia a mãe.
- Está bem, vou colocar. – concordou Egydinha, sabia que não era hora para discutir com a mãe por coisas banais.
O vestido era azul com um grande laço branco nas costas. As mangas eram bufantes com alguns detalhes em renda assim como viés do decote também. A saia era ligeiramente rodada com anágua engomada por baixo, mas os detalhes das estrelas bordadas caindo cintura abaixo era o toque inusitado. Luvas brancas e aplique de cabeça com pedra azul compunham o visual para uma data especial.
Egydia já tinha usado um vestido bem mais caro e bonito nos quinze anos, mas desta vez ela procurou uma roupa romântica mais tradicional e sem muito brilho. A renda e o aplique de cabeça eram o toque de destaque. O azul do vestido era como o alto-mar. Um azul profundo.
- Está linda minha filha! Um primor!
- Madame Tedesco caprichou e as luvas foram entregues no ateliê para que eu pudesse trazê-las junto com o vestido. – disse Egydia.
- Já estou imaginando o falatório e a admiração quando entrar no salão.
- Pense bem mamãe, ainda pode ficar do meu lado. Eu não quero ficar noiva do Doutor Rudolf! – Egydia tentava convencer a mãe mais uma vez a apoiá-la a romper o noivado.
- Eu estou do seu lado! Estou do lado de nossa família. Precisamos da influência e do apoio financeiro do Doutor Rudolf. Seu pai é muito bom, mas você não sabe, ele tem um vício. Um vício que pode nos deixar pobres de uma vez por todas!
- Meu pai tem um vício? – Egydinha se mostrava surpresa com a revelação da mãe.
- Eu queria te poupar dessa realidade filha, mas já que você insiste em destruir nossa única esperança de salvação financeira, eu preciso lhe contar uma coisa. Venha comigo!
- Onde?
- Na biblioteca, é lá que seu pai guarda as cópias das promissórias assinadas por ele.
- Eu preciso me trocar primeiro. – disse Egydia ainda sem acreditar no que ouvia.
- Venha assim mesmo, antes que seu pai chegue. – a mãe ordenou.
Mãe e filha se encaminharam em silêncio até a sala-biblioteca da casa. Lá dentro da gaveta da escrivaninha do pai, havia uma caixa vermelha que continha sete documentos que comprovavam a dívida do Senhor Otávio.
A mãe entregou os documentos para Egydia ler e se interar da precária situação financeira que se encontravam.
Egydia somou os valores dos sete documentos e percebeu que só se vendessem a casa onde moravam talvez desse para quitar as dívidas, mas ela pensou:
"Como meu pai irá manter a loja e a própria família?"
Era desesperador a situação financeira da família Silva Mello.
- Está satisfeita! Viu porque sua mãe não pode simplesmente dizer sim aos seus anseios de juventude. Eu mesma se tivesse uma saída, seria a primeira a te apoiar a romper o noivado.
Dona Inês transparecia no som de sua voz um misto de raiva e mágoa, provavelmente do marido.
- Qual o vício do meu pai? – Egydia perguntou o que ela mesma já imaginava saber.
- O jogo! Antes seu pai ganhava no pôquer, nas cartas. Mas de um tempo pra cá só faz perder pelo que eu saiba, porque nem tudo ele me conta.
Dona Inês esfregava as mãos uma na outra num gesto nervoso. Egydia nunca tinha visto a mãe assim tão alterada.
Num gesto solidário e de amor Egydia segurou as mãos da mãe e falou:
- Eu vou ficar noiva do Doutor Rudolf, mas se houver uma chance de reverter essa situação do papai eu vou descobrir. Espero contar com a senhora.
- Querida sinto lhe dizer que não há outra solução. Você terá que se casar com o Doutor Rudolf e só assim ficamos livres dessas dívidas.
- Como à senhora sabe que ele irá ajudar a pagar as dívidas?
- Seremos uma só família e eu tenho certeza que ele irá ajudar. Caso contrário eu mesma o cobrarei.
- Está certo, agora preciso tirar esse vestido. – Egydinha se dirigiu para a cozinha antes de ir para o quarto.
- Nossa Sinhazinha, que lindeza! – disse Ciça.
- Deixa ver menina! – disse Das Dores.
Egydia deu uma rodada com a roupa e desfilou de uma ponta a outra da copa-cozinha toda altiva. Nos lábios um sorriso, mas por dentro seu coração estava congelado. Estranhamente congelado.
- Das Dores, vou ter de lhe roubar a ajudante por uma horinha. Já vamos ter nossa primeira aula hoje, daqui a uns cinco minutinhos.
- Pode roubar patroinha. Ciça me contou que vai aprender a ler e a escrever e isso mostra o bom coração que a patroinha tem.
- Ciça vá até o meu quarto daqui a pouco. Só vou me trocar e pegar os lápis e cadernos.
- Sim sinhazinha. - disse Ciça animada com a primeira aula.
Egydia segredava ao ouvido de Ciça antes de sair:
- Tenho um plano para hoje à noite e vou precisar da sua ajuda.
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Egydinha
RomanceA história se passa no Rio de Janeiro no início do século XX. Com apenas dezessete anos, uma jovem é obrigada pelo pai a ficar noiva de um homem estrangeiro rico que veio trabalhar numa indústria no Brasil. Os negócios da família vão mal e ela sofr...