CAPÍTULO 11 - Uma velha amiga

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  Chloe estava ocupada demais comendo sua barra de cereal e não prestou atenção na operação que era feita no meu braço, protagonisada por Nina.
  - Ai! - Remexi meu braço com a dor e quase fiz Nina enterrar a agulha de uma vez.
  - Se ficar se debatendo assim, eu vou enfiar isso no lugar errado.
  - Eita. - Murmurou Ethan.
  - Não foi isso que ela quis di... Ai, Nina!
  Ela finalmente pôs fim em seu método de tortura.
  - Acabou? - Perguntou Chloe mais distante. - Que bom, porque não aguentava mais o fresco do Kevin gemendo de dor. - Prosseguiu ela com o insulto.
  - Espero que um dia também precisem te costurar. -  Joguei a praga.
  - Seria a quarta vez, então. - Devolveu ela.
  Ethan riu
  - Pior que é verdade.
  Assim que Nina fechou o ferimento, pisou algumas plantas com água do mar - no qual estávamos em sua beirada esperando a hora de irmos à Londres - e então a mistura se transformou em um mingau verde. Ela passou por cima do ferimento, não senti nenhuma dor, ainda bem.
  - Obrigada. - Disse a ela com sinceridade.
  - De nada. Você me trouxe para cá por bondade, então eu tenho que fazer pelo menos o que um curandeiro faz de melhor.
  - Nina. - Segurei sua mão. - Não foi por bondade. Eu lhe queria aqui.
  Eu estava mentindo. Na noite passada eu quis mandá-la de volta ao acampamento, era perigoso demais pra ela. Eu sei, ela estava se virando e até nos ajudando mas... eu não sei, talvez eu só não queria mais uma pessoa que eu gostava morta. Entretanto, não queria tirar sua alegria por estar do lado de fora.
  - Tem certeza? - Ela me perguntou com olhos tristes.
  - Sim. - Respondi com firmeza.
  - Do outro lado é a cidade. Meu Deus, eu nunca estive em uma cidade. - Ela quase bateu palminhas de alegria. - Aonde vamos primeiro?
  - Ao antigo bairro dele. - Ethan surgiu em meio a nós e acertou um soco leve em meu peito. - Eu sei que talvez você queira conhecer o shopping, Nina. Mas não vai dar, não. Temos que contornar esse mar e chegar até o outro lado. Não podem nos ver, você conhece as ruas daqui?
  - Mais ou menos. - Fui sincero.
  - Temos que ir pelas menos movimentadas. Se alguém o conhecer, complicará nossa missão.
  - O que? Eu não falava com quase ninguém da rua. Não era lá muito conhecido.
  - Depois de morto, qualquer um se torna conhecido. - Ele falou com tanta certeza que parecia saber por experiência própria. - Agora, vamos!
  Chloe terminou sua barra de cereal. O resto de nós já havia comido há alguns minutos. Era hora de irmos.
  Londres ainda estava da mesma maneira. Quanto mais eu me aproximava de meu antigo bairro, mais meu coração era apertado pelas lembranças. Quatro dias fora de casa, tinham sido o suficiente para sentir saudade. Saudade da minha vida. Saudade da minha mãe. Lembrei-me de quando salvei a Sra. Page e fui parar no hospital. Talvez se eu não estivésse lá, talvez se tivesse ficado em casa com a minha mãe, eu poderia ter a salvado. Mas eu não sabia, eu só queria ser um herói, mas isso parece ser uma regra de ser herói: eles sempre são órfãos. E eles sempre perdem aqueles que amam. Nessa parte, eu tinha que ser a excessão, não podia perder meus amigos. Não, não aqueles três. Agora, eram tudo que eu tinha. Eram minha família.
  - Kevin! - Chloe deu um tapa na minha cabeça. - Chegamos.
  Eu estava tão vidrado nos pensamentos que acabei não prestando atenção no resto do caminho. Nunca pensei que para voltar ao meu bairro teria que estar escondido. Mas assim eram as coisas, agora eu era só mais uma das baixas do incidente de Londres.
  - Ah, sim. Claro. - Respondi tentando disfarçar minha tristeza.
  - Ei, grandão. - Nina segurou minha mão. - Vai ficar tudo bem.
  - Acredito em você. - Tentei fazer com que ela não se preocupasse.
  Meu bairro passsou de um local calmo e tranquilo para uma enorme cena de crime. Fitas amarelas cobriam alguns locais, pareciam ainda procurar pessoas nos escombros, furgões de canais de tevê estavam lá tentando cobrir a reportagem. Havia uma garota, tentando lutar contra alguns policiais para atravessar a fita amarela. Não adiantava muito, eram dois e eles a seguravam com força.
  - Me soltem! Me soltem, seus imundos. Acham que eu não sei a verdade?
  Eles a empurraram e ela caiu no chão. Foi ali em que percebi. Não era qualquer garota, era Liz. Minha única amiga do colégio estava ali, estava viva. Ela saiu com pisos firmes e foi embora.
  - Ah, não. Eu tenho que ir atrás dela. - Saí correndo.
  Eu sabia que não devia entrar em contato com ninguém que não fosse um dos meus três amigos da missão. Sabia que era um risco, mas não podia deixar que ela passasse o resto da vida pensando que eu estava morto. Minha melhor amiga devia saber a verdade.
  - Kevin, não! - Ethan tentou impedir minha corrida mas o ignorei.
  Pelo menos fui sensato pra correr por cantos nos quais ninguém me veriam. Esperei Liz virar em um beco deserto e lá eu apareci por suas costas. A segurei pela cintura e abracei ela. Soltou um sorriso de orelha a orelha e me apertou com força.
  - Meu Deus, onde você tava? Não faz mais isso. Não some assim. Eu tava preocupada, seu idiota.
  - Também senti saudades, Liz.
  Ela parecia não querer me soltar. E sinceramente, se fosse ao contrário, eu a tivesse visto quatro dias depois após sua morte ter sido confirmada, eu a teria abraçado tão forte quanto. Sobre sua aparência, não que fosse muito importante, ela tinha cabelos castanhos como Chloe, porém mais longos e mais bonitos; seu tom de pele era pardo, parecia mais caramelado; em relação a sua estatura, tão pequena quanto Nina. Tá, um pouco mais alta.
  - Por onde você andou, Kevin? E por que seus olhos estão vermelho? Desde quando tem tantos musculos? E essa barba? Ah, esquece. - Ela me apertou mais.
  Liz desde os meus 8 anos tinha sido a irmã que eu nunca tive. Eu sabia que ela era a única que estaria preocupada comigo. Meu pai... bom, ele não devia nem saber que eu morava naquele bairro. Talvez tenha se preocupado mais com seu dinheiro e sua empresa. Mas por que eu estava pensando nele? Não era hora.
  Enfim nos soltamos.
  - Eu vou te explicar tudo. - Disse eu alegre.
  - Não vai, não. - Meus amigos surgiram atrás de mim e falaram em uníssono.
  - Quem são eles? - Liz olhou com estranhesa. - E por que aquele garoto tá com um arco e flecha?
  Chloe me puxou pelo braço e me afastou de Liz, possivelmente pra que ela não ouvisse nada do sermão que eu já previa.
  - Você tá louco? Porque se estiver, a gente te manda de volta pro acampamento e completamos a missão sozinhos.
  - Na verdade, eu e Ethan não podemos ser mandados pra casa antes de acabar a missão. Já você...
  - Tanto faz. Falou com um civil. Agora ela contará tudo para seus amigos, família, etc.
  - Não. Pode confiar em mim ao menos uma vez?
  - Confiei em você no mesmo momento em que aceitei que não era como Jason. Mas pelo visto, eu não devia.
  Eu poderia ter me irritado com Chloe, mas, infelizmente, ela estava certa. Porém, Liz não iria contar nada a ninguém.
  - Ei. - Liz chamou tentando nos acalmar. Sabe aquela criança que chega em seus pais tentando fazê-los se acalmarem enquanto gritam um com o outro, pareceu muito isso. - Eu posso levar vocês pra minha casa. Parece que não tomam banho há um tempo e... eu quero conversar com calma contigo, Kevin.
  Nina estava calada. Talvez ela estivésse sem reação para tudo isso. Ethan decidiu enfim falar algo.
  - Certo, Liz. A gente irá até a sua casa.
  - Tá ficando louco, né, Ethan? Só pode ser. - Chloe nunca esteve com tanto ódio. Pelo menos não que eu tenha visto.
  - Ela já nos viu, não faz mais diferença. E Kevin nos garante que ela não falará nada, não é?
  - Sim. - Respondi rapidamente.
  - O que acha, Nina? - Ethan perguntou ao lado dela.
  - Pensei que era errado falar com estranhos. - Esfreguei meus olhos para ter certeza de que aquilo era real. E sim, era. Nina estava com raiva.
  - Ela não é uma estranha. - Devolvi ríspido.
  - Tudo bem. - Liz se aproximou de mim. - Eu só quero te ver mais uma vez. - Ela sorriu. - Não precisam ir.
  - O que? A gente vai! - Ethan colocou firmeza nas palavras. - Nós estamos podres, precisamos de um banho.
  - Nunca pensei que diria isso na minha vida. Mas: Ethan está completamente certo. - Fiz que sim com a cabeça enquanto falava.
  - Se querem ir... - Nina aceitou. Mas não concordou pelo visto.
  - Esqueceram da missão? - Perguntou Chloe. - Temos que investigar seu bairro destruido.
  - Obrigado por chamá-lo assim. Me sinto bem melhor.
  Chloe pareceu querer se desculpar mas não fez isso, não era de feitio.
  - Olhem. Vocês duas vão para a casa de Liz. Teus pais não estarão lá, não é?
  - Eles trabalham o dia todo. - Respondeu Liz.
  - Isso! - Ethan parecia mesmo querer um lugar para descansar. - Eu e Kevin vamos analisar o bairro. Daqui há umas duas horas a gente aparece na casa de Liz. Kevin sabe onde fica, pelo menos eu acho. E antes que perguntem o porquê de nós dois, Kevin tem o melhor olfato do mundo e eu a melhor visão.
  - Dessa eu não sabia. - Admiti.
  - É, cara. Visão de águia. - Ele colocou os dedos nos olhos em forma de óculos fundo de garrafa. - Enfim, será ótimo para uma investigação.
  - Se essas duas não me matarem na minha própria casa, eu aceito.
  - Relaxa, Liz. Elas não irão te machucar. A gente aparece lá mais tarde, certo?
  - Certo. Sobrevivam.
  - É o que a gente faz de melhor. - Ethan pareceu confiante.
  Chloe chegou em Liz.
  - Certo. Aonde é sua casa? - Nunca vi palavras tão forçadas.
   - É proxima daqui. - Liz parecia estar com medo.
  - Vamos, Nina! - Chamou Chloe ríspida.
  - É. Fazer o que, né?
  Liz me abraçou mais uma vez.
  - Não vai sumir de novo, hein.
  - Nunca. Na sua casa, lhe contarei tudo. Agora vão.
  Liz conduziu as duas até sua casa.
  Eu e Ethan escalamos uma casa de dois andares até o telhado. Lá tinhamos total visão da minha rua.
  - Yo I'll say you what I want, what I really really want . So tell me what you want, what you really really want.
  - Tá, Ethan. Eu irei ignorar o fato de que você está cantando Spice Girls. O que está vendo?
  - Bom. Tem três policiais na frente. Há alguns becos do lado esquerdo, mas neles também tem os gambé.
  - A gente tá parecendo dois bandidos tentando assaltar um banco e contando os seguranças.
  - Continuando. Tem alguns civis querendo entrar no local, como a sua amiga Liz, mas a polícia não os deixa entrar. Eles estão muito concentrados nessas pessoas, talvez pela direita a gente tenha alguma chance. Mas dessa vez, nada de correr pra abraçar seu amigos. Certo?
  - Ela era a única. - Sorri de canto.
  - Certo. Melhor-olfato-do-mundo, espero que sinta o cheiro de algo útil.
  - Primeiramente, você que me deu esse título. E segundamente, não cante Spice Girls perto de mim, é bem capaz de eu acabar cantando também. E nós estamos ocupados demais para tal dueto.
  - Então. Vamos investigar, meu caro Holmes.
  - Claro. Meu caro, Watson.
 
 
 
 

A Sexta Irmandade (Vol.1) - O Lobo Vermelho Onde histórias criam vida. Descubra agora