CAPÍTULO FINAL - A paz que merecemos

57 7 0
                                    

Eu não suportava a ideia de que ela estava lá por culpa minha. Com certeza, aquilo não era coincidência. Rapina sabia aqueles que eram importantes pra mim? Mas como?
Então me lembrei de quando ainda estávamos na casa de Liz. Após enfrentarmos os anões teríamos matado o último, mas Jeff apareceu e ele fugiu pela floresta. Se associarmos bem, ele deve ter contado à Rapina sobre uma menina normal que estava com a gente, afinal era pra ela que trabalhava. Minha inimiga sabia que eu não lutaria com alguém que gostava, ela capturou minha melhor amiga e a transformou em alguma coisa... tudo por minha culpa, porque a deixei para trás...
Duas facas vieram em minha direção. Por estar ainda chocado com a situação de Liz, não reparei nelas e deixei com que me atingissem. O par de láminas fincou no meu antebraço, o arranquei sem esbanjar muita dor, ela era inibida devido aos meus poderes. Esse ataque foi o sinal de que Rapina já havia me visto, assim como os outros dois Protetores.
- Kevin! - Sandra e Wind se posicionaram nas minhas laterais, cada qual de um lado.
- Não machuquem a garota! - Supliquei.
- Nós sabemos. Ela está sendo possuida por uma entidade - Sandra bufou com ódio - , a velha técnica suja dos Azuis. Usam inocentes para vencerem.
- Tem mais - falei - , a garota é minha amiga.
Wind e Sandra me olharam, então se entreolharam.
- Certo! - Responderam eles em uníssono. - Nós cuidamos da Rapina - afirmou apenas Wind. - Você cuida da sua amiga. Tente fazê-la voltar ao normal.
Rapina ainda estava como antes. Com excessão dos seus olhos inteiramente negros que agora irradiavam uma pequena fumaça anil.
- Depois de tudo - disse ela rindo - , não pensei que fosse voltar, Lobo. Mas está proporcionando a mim e ao mundo algo raro: três Protetores juntos desde 1950, o ano em que Hanna, a Águia do Vento, e última dos três mortos, foi assassinada pela sua ex aluna.
- Você... a matou? - Fiquei incrédulo pelo ódio. As palavras quase não saíram da minha boca.
- Claro que sim. Ela me treinou o suficiente para eu me igualar aos seus poderes, me tornou mais forte, deu-me uma parte do vento sagrado. Ela quem criou a vilã dessa história - disse a própria - e agora vocês pagarão as consequências.
Wind não se abalou, se manteu firme, assim como sua resposta.
- Não. Ela te fez uma heroína, você que escolheu ser a vilã. Nós escolhemos nosso lado, Rapina. E você escolheu o seu.
- Pobres Protetores - falou a vilão. - Falam que nós escolhemos o nosso lado, mas não se tocam que escolheram o errado!
Nesse momento uma ventania forte foi causada por ela. Wind cuspiu uma rajada densa de fogo, o que fez os poderes se chocarem. Sandra passou por aquilo com facilidade e encarou Rapina de frente, no mano a mano. O poder de Sandra era uma força imensurável, bem mais do que a de uma Ursa.
Como Wind havia planejado, eu tinha de cuidar de Liz. Trazê-la de volta.
Correndo pelas paredes e desviando do vento e do fogo, consegui me posicionar de frente a ela. Nesse momento, um grupo de policiais adentrou o colégio pelo ginásio - local aonde eu havia conseguido interceptar Liz.
Eles não pensaram duas vezes e abriram fogo contra ela. Eram cinco, ou mais, todos equipados com metralhadoras potentes para nos matarem. Eles não sabiam que eu era do "time dos mocinhos" e iriam atirar de qualquer maneira. Invoquei Longinus e com rapidez me posicionei na frente de minha amiga, o poder em mim era tamanho que fui capaz de bloquear todas as balas usando minha espada com arcos no ar numa velocidade sublime - algo que ultrapassava qualquer movimento humano.
Os oficiais pararam de atirar quando viram que de nada adiantava.
- Mas que merda é você? - Gritou um deles furioso.
Não tive tempo de responder pois Liz, ou o que a dominava, me agarrou pelas costas e me derrubou como um animal feroz. Com apenas um grito, fez com que os policiais fossem jogados ao chão se contorcendo com a mão nos ouvidos. O que Rapina havia feito?
Liz sentou em cima de mim, como os lutadores fazem, e fincou suas novas garras nas minhas costelas. Eu segurei seu braços para afastá-los pois a dor já era insurportável.
- Já chega! Liz Montenegro, pare agora com isso.
Ela não me ouvia, digo a própria Liz. Apenas gritou direcionando o poder de seu grito para meu rosto e isso me deixou surdo por mais segundos. Ela arrebentou meu rosto de socos, quando tive a oportunidade a agarrei e a joguei para longe.
- Liz! Por favor! Sou eu, o seu melhor amigo.
Ela respondeu com um chute vertical no meu queixo, então, apenas me defendi para jogá-la um pouco mais pra longe. Nem Longinus estava comigo, eu não queria ferí-la. Uma angústia inexplicável pairava no meu interior, o medo de ela estar dominada por isso para sempre me afetava a cada instante.
- Você está morto! - Gritou Liz com uma voz completamente diferente. Mas não para mim, para um dos policiais caídos, ela o agarrou e o teria matado se eu não houvesse me jogado em cima dela como uma lança.
Nós rolamos pelo ginásio agarrados um ao outro. Consegui dominá-la e segurar seus braços.
- Essa não é você. Você é Liz Montenegro, e nós somos amigos. Tente se lembrar, por favor.
- A garota agora é minha! - Gritou a entidade no interior de Liz com uma voz irritante. - Eu possuo suas memórias e seu corpo. Sempre soube que Rapina daria a mim a chance de ter um corpo novamente.
Como agora, eu estava em cima dela, soquei o chão proximamente ao seu rosto, apenas para assustar.
- Ela fez isso apenas para me atingir - esclareci. - Não queria te ajudar. Acredite em mim, por favor. Eu preciso da minha amiga.
Ele franziu a testa, como se soubesse que eu tinha razão.
- Agora já não importa. Eu tenho um corpo, e ele é só meu! - Usou um grito potente, como fez com os policiais.
Fui jogado para longe, parei ao chocar minhas costas com a arquibancada do ginásio.
Ela correu até mim como um animal feroz.
- Você não vai levar o meu corpo! Agora é meu!
E então rasgou meu rosto com suas garras.
Me apoiei no meu próprio joelho após me agachar para não cair.
- Então, tá bom, bata-me. Mas eu não vou lutar com você.
Foi o que ela fez, enfiou as garras nas minhas costelas e me jogou novamente contra a arquibancada.
- Mata-me. Mas saiba que eu não vou te machucar porque você é minha amiga.
Fui acertado mais vezes com cortes e chutado contra a porta dupla do ginásio, caí no vestiário.
Lá estávamos nós, lutando um contra o outro em um colégio vazio enquanto dezenas de pessoas aguardavam ansiosas para saberem o que estava acontecendo por dentro. Há anos, imaginei que estragaria a vida de Liz se ficasse próximo a ela... o que agora se revelava como verdade. A culpa toda era minha. Quando Jeff manipulou minha mente e me fez ouvir todas aquelas coisas de meus amigos e minha mãe, talvez ele estivésse me mostrando a realidade, pelo menos por um lado. Pois no pesadelo que me causara, minha mãe confessou saber que a culpa foi inteiramente minha por sua morte. E como negar? Eu não a salvei; não salvei a moça que Hajick estuprou e matou; não salvei Chloe, nem fui responsável pela sua volta; agora não salvava Liz e nem a mim mesmo. Não, eu não podia deixar isso acontecer. Nem que eu morresse, Liz tomaria seu corpo de volta.
Eu estava caído com o corpo parcialmente quebrado, ou melhor, definitivamente quebrado.
Liz veio andando lentamente até mim, como se estivésse se preparando para o abate.
Me puxou pelo colarinho e socou meu rosto repetidas vezes, a cada palavra que falou foi um soco que levei.
- Essa.. menina... não é... mais sua! - E finalizou tacando minha cabeça no chão. A dor consumiu boa parte da minha sanidade.
- Liz... - foi o que pude falar.
- Acabou, a garota é minha - disse a voz já calma.
Reuni todas as forças que tinha para conseguir sibilar um pequeno vestígio de minha voz e disse:
- Não.
A entidade parou de andar.
- Como assim "não"?
- Não, não e não. Se acha mesmo que vai sair daqui andando com as pernas da minha amiga, você está enganado.
- Tem certeza? Porque eu já estou fazendo isso.
- Apenas acha que está - expliquei. - Pois sei que no fundo, ela ainda está aí dentro. Sei que ela se lembra das vezes em que jogamos juntos e que tomamos aquela coca-cola inteirinha após uma luta de Mortal Kombat III.
Os olhos negros que agoram jaziam em Liz começaram a se dissipar, mas logo então voltaram. A entidade pôs as mãos na cabeça.
- O que você está fazendo?
Mas não parei meu discurso.
- Sei que lembra dos sorvetes de chiclete. Ou até dos filmes bobos no cinema. Daquele dia em que jogamos um picolé na cabeça do policial Daryl e quase fomos presos.
Agora a incomodação na cabeça da entidade já era tão grande que ele foi obrigado a cair ajoelhado tentando se conter, talvez Liz estivésse reagindo.
- Pare com isso, sua amiga está lembrando de tudo. Não posso continuar se o próprio corpo permanecer resistindo.
- Ela está lembrando, porque nossa amizade sempre foi real. E não será um espírito do mal como você que vai apagar isso.
Liz me chutou para mais longe.
Eu sabia como fazê-la voltar ao normal, se falar do nosso passado estava fazendo Liz lutar contra o que estava lhe dominando, contar sobre as Regras dos Melhores Amigos poderia dar certo - que eram basicamente um conjunto de três regras que nós inventamos ainda mais novos
- Você lembra, não lembra? - Indaguei com esforço. - Primeira regra: nunca pedir desculpas por mais de uma vez. Terei que quebrar esta regra e te pedir desculpas mil vezes.
- Para! Para! Por que você tá fazendo isso? - Ela se debatia.
- Segunda regra: nunca ferir um ao outro. Eu não te feri, e nem irei. Não importa o quanto bata em mim, eu não vou lutar com você, porque você é minha amiga.
- Kevin - agora a voz era de Liz, mas logo então a entidade voltou a dominar o corpo dela.
- Terceira regra: não importa o quão distante um esteja do outro, este sempre irá voltar. Eu voltei, fiz merda, mas voltei. Então... volta pra mim, amiga.
Neste momento ela bateu as palmas das mãos no chão a entidade enlouqueceu dentro de seu corpo, até que se esvaiu dele. Basicamente, era uma névoa negra que se chocava com o nada para um lado e outro. Até que o vento a levou. Liz caiu desmaiada, mas eu a segurei.
A abracei forte.
Os dez segundos que tive de descanso foram quebrados quando ouvi um estrondo vindo do lado esquerdo do ginásio - uma parede sendo arrombada pela luta entre os Protetores e Rapina. Sandra caiu próximo a nós, já Wind e Rapina caíram bem longe. Dentre os corredores, onde nós não podiamos enxergar.
Sandra conseguiu se levantar com dificuldade, estava claro que ela não podia mais lutar. Mas chegou em mim e segurou o corpo de Liz.
- Vai, eu cuido dela. Wind precisa de você, eu já não posso mais lutar.
Agradeci a ela apenas com um olhar.
- Você poderia tê-la matado, mas deixou com que ela lhe batesse, quase morreu. Morreria por ela?
- Eu morreria por qualquer pessoa. Então, me sacrificar por minha amiga não seria tão difícil.
Sandra sorriu com orgulho.
- Foi por isso que Kirish o escolheu, porque a bondade sempre foi a maior de suas virtudes. E eu sabia disso, desde o momento em que te vi naquele hospital.
Eu realmente estava agradecido, mas não sabia o que falar. Até que Sandra suspirou e disse:
- Agora vá! Wind precisa de você.
Minhas pernas já bambas eram minhas verdadeiras inimigas, eu precisava aguentar mas era quase impossível, quase. Após correr por mais alguns metros me deparei com uma cena horrenda nos becos do colégio. O motivo no qual não se ouvia mais barulho na luta entre o Dragão e Rapina: ela havia feito um refém. A desgraçada estava com uma faca empunhada na garganta de uma criança enquanto o segurava com a outra mão pelos cabelos.
Eu gelei, Wind parecia estar totalmente paralisado, a vida de uma criança estava em nossas mãos.
- Hmm - sibilou ela. - Parece que na hora de esvaziar o colégio esqueceram de alguém, não é mesmo, querido?
Rapina ameaçava cortar a garganta do garoto a todo instante. Ela já estava totalmente acabada, Wind e Sandra a haviam machucado, ela estava extremamente danificada.
- Você não quer ferir o menino, Rapina - Wind tentou convencê-la. - Solte-o, eu deixarei você ir, talvez possa se redimir e juntar-se a nós.
- Por favor, eu não... n-não sei o que tá acontecendo, m-me solta, por favor - clamou o menino. Acredite, nenhum ser humano, consegue ter atitude de imeditado em situações como essa.
- Independente de como isso acabar, vocês irão embora sabendo que não merecem o título de Protetores, pois não conseguiram proteger uma mísera criança. Vocês destruíram meu exército - eu ainda não havia chegado quando isso aconteceu, mas foi muito bom saber - , quebraram o que me sustentava, e agora, algum humano terá que pagar por isso. Vocês não mereciam tanto poder! - Gritou ela em desespero. - Eu merecia todos eles. TODOS ELES.
Wind estava perplexo, entendo que mesmo com suas centenas de anos, uma situação como aquela lhe deixava indiferente de mim.
Mas ele sabia o que fazer, era o Dragão Amarelo, o Protetor do Continente Asiático e das Montanhas.
- Por uma última vez, Rapina - disse ele. - Solte a criança, lhe dou minha palavra que não a machucarei mais.
- Tarde demais, Wind - ela fez um movimento como se fosse degolar o menino, mas Wind foi o rápido o suficiente e cuspiu uma pequena rajada de fogo que, sem acertar o garoto, queimou os olhos de Rapina.
Eu sabia que deveria agir, então, quando o menino correu com medo para longe dela, lancei a magia de Longinus, que se chocou contra Rapina e a deixou de joelhos no chão. Disparei em sua direção e rapidamente posicionei minha lámina em sua garganta - como fazia com o menino há poucos segundos atrás. Eu tinha tudo para puxar minha espada de vez para um dos lados e cortar a garganta de Rapina, mas... não foi isso que fiz.
Ela havia perdido, nós vencido. Mas mesmo assim, após tantos choramingos dela, veio a sorrir com a boca ensanguentada olhando nos meus olhos.
Ela riu, como qualquer louco faria.
- Você sabe que eu ordenei o ataque ao seu bairro e por isso sua mãe morreu, sabe que por minha causa sua amiga morreu contra Jason e sua outra foi possuída por uma entidade que quase lhe matou, eu destruí sua vida em poucos dias e aqui está você, com uma espada na minha garganta. Vai se vingar e pensar que tudo vai voltar a ser como antes, mas não será, sua mãe nunca vai voltar, eu tirei tudo de você. - Fez uma pausa para conseguir falar. - Eu tirei tudo. E então, como se sente?
Segurei firme minha espada e a pressionei com mais força contra a garganta de Rapina, ela arregalou os olhos e abriu a boca com medo.
- É assim que eu me sinto! - Expliquei. - Como se houvesse uma lámina na minha garganta tão próxima de me matar, mas que por algum motivo, minha hora não estava chegando. Você não sabe, mas eu morreria para trazer minha mãe de volta, só que comigo morto, não haveria justiça. E hoje, eu faço justiça.
Rapina me olhou com medo, não imaginei que ela sentisse, mas agora era inegável.
- Me matando?
- Não - tirei Longinus de sua garganta, mas ainda permaneci apontando-a para Rapina. - Wind, o que vocês fazem com aqueles que não são mortos?
Ele analisou direito mentalmente.
- Ilha da Saudade. Foi feita para abrigar aquelas inimigos que não foram mortos por nós, eles nunca sairão de lá sem que seja ordenado pois a magia os impede.
- Hmm, bom saber - exclamei. - Mais alguma objeção?
Os olhos de Rapina jaziam em um misto de ódio e alívio.
- Sim - respondeu Wind. - Na Ilha da Saudade só se pode comer frutas, sem contar que a bananeira lá é dominante por toda a região no inverno.
- Pois então, Rapina - disse eu - , espero que você goste de uma bananinha.

A Sexta Irmandade (Vol.1) - O Lobo Vermelho Onde histórias criam vida. Descubra agora